Revista Exame

A geração PowerPoint

Fundar uma empresa, atrair um investidor, vendê-la por milhões. É o roteiro dos sonhos dos empreendedores de hoje. Mas pensar desse jeito está certo?

Escritório do Peixe Urbano: expansão financiada pelos investidores  (Germano Lüders/Exame)

Escritório do Peixe Urbano: expansão financiada pelos investidores (Germano Lüders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 21 de novembro de 2014 às 09h00.

São Paulo - O ato de abrir uma empresa é, basicamente, o mesmo há séculos. O empreendedor junta ­suas economias, recebe alguns trocados de parentes e amigos e, aos poucos, financia sua expansão com os lucros do negócio.

Para algumas empresas especialmente bem-sucedidas, a chegada de um investidor pode acelerar o passo. Mas, sobretudo na última década, foi ganhando espaço um tipo de empreendedor um pouco diferente.

São os membros da “geração PowerPoint”: jovens que, ao abrir suas empresas, criam um plano de negócios que, de largada, pressupõe a chegada de um fundo de investimento, a abertura de capital na bolsa ou a venda por uma fortuna. É um fenômeno recente. Na última década, fundos de investimento injetaram mais de 3 trilhões de dólares em empresas dos mais diversos tamanhos e setores.

No Brasil, foram 17,6 bilhões de reais em 2013 — um recorde. Para muita gente, encantar investidores passou a ser mais importante do que conquistar clientes. Essa mudança altera drasticamente o modo como uma empresa funciona. Nem sempre para melhor.

Trata-se de uma discussão levantada pelo inglês John Mullins, professor da escola de negócios London Business School. Autor do recém-lançado livro The Customer-Funded Business (algo como “O negócio financiado pelo cliente”), Mullins diz que os empresários perdem muito tempo para agradar ao mercado financeiro.

Na teoria, tamanha obsessão tem uma razão: além de dinheiro, fundos de investimento podem ajudar com técnicas de gestão mais razoáveis. Mas, segundo dados compilados por Mullins, ter um fundo como sócio não altera a chance de sobrevivência. E, nos piores casos, a parceria pode resultar em fracassos retumbantes.

“Quando um empreendedor recebe muito dinheiro, pode se distrair e gastá-lo de forma burra”, diz Mullins. Para ele, um velho truísmo é esquecido pela geração PowerPoint — empreendedores precisam criar e vender produtos e serviços de qualidade.

O resto é consequência. Empresas novatas com dinheiro no bolso tendem a investir muito em promoções, muitas vezes criando uma demanda irreal para seus produtos. Tudo certo enquanto a grana existe. Mas ela teima em acabar.

O crescimento pode até seduzir o mercado financeiro, levando a aberturas de capital retumbantes. Mas uma hora a conta chega. Um dos casos citados por ele é o site de compras coletivas Groupon. Graças ao dinheiro de investidores, o Groupon levantou 700 milhões de dólares em sua abertura de capital, em 2011. Mas os clientes logo se cansaram do Groupon, que hoje vale 76% menos.

Em proporções menores, aconteceu coisa semelhante com o Peixe Urbano, uma espécie de Groupon brasileiro, que foi obrigado a encolher até ser adquirido, em outubro, pelo site chinês Baidu.

Uma empresa que leva essa lógica ao paroxismo é a alemã ­Rocket, um fundo que cria, ele próprio, empresas de comércio eletrônico — no Brasil, a Rocket fundou empresas como as lojas online Dafiti (de moda) e Mobly (de decoração). Todas crescem espantosamente, mas nenhuma dá lucro. Onde isso vai dar, ninguém sabe.

Esse debate é especialmente atual no Brasil de hoje. Dezenas de empresas foram “inventadas” por aqui com a missão de usar o mercado financeiro como catapulta. Com essa lógica, nasceram empresas como a incorporadora PDG, do fundo Vinci Partners, ou a rede de farmácias BR Pharma, do banco BTG Pactual.

Há empresas parecidas em outros setores, quase sempre batizadas “BR alguma coisa”. Mas essas empresas, para convencer o mercado, cresceram rápido demais. A pressa cobrou seu preço. Após resultados ruins, fazem hoje reestruturações para colocar a casa em ordem. 

Mullins argumenta que, em alguns casos, jogar o jogo dos investidores é de fato essencial — como para novatas que precisam investir em tecnologia para lançar produtos inovadores. O que seria, então, uma empresa financiada pelos consumidores, como defende Mullins?

Alguns dos casos de sucesso mais impressionantes da última década tiveram, por trás, empresários que não estavam nem aí para a opinião do mercado financeiro — mesmo que tenham se associado a fundos ou ido à bolsa. Mark Zuckerberg, do Facebook, sempre se negou a dividir poder com seus investidores.

Na gigante de bens de consumo Unilever, o presidente, Paul Polman, parou de fornecer projeções trimestrais. Ainda assim, as ações cresceram 50% desde sua chegada. Jeff Bezos, fundador da varejista online Amazon, nunca pagou dividendos, mas gasta quanto for necessário para agradar à clientela.

“Nosso sucesso se deve a três ideias: ponha o consumidor em primeiro lugar, invente e seja paciente”, diz. Gente como Bezos sabe que, apesar das pressões de curto prazo, o mercado financeiro estará lá: pronto para premiar quem pensar do jeito certo.

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