Revista Exame

A febre do alce com a Abercrombie & Fitch

Lojas escuras, música alta e modelos seminus pelos corredores. Eis a receita da Abercrombie & Fitch para tornar-se uma das marcas mais quentes dos EUA

LOJA DA ABERCROMBIE NOS EUA: o maior crescimento entre o público jovem (Kimmasa Mayama/Getty Images)

LOJA DA ABERCROMBIE NOS EUA: o maior crescimento entre o público jovem (Kimmasa Mayama/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 16 de julho de 2013 às 19h59.

Não são nem dez horas da manhã e uma fila com cerca de 50 pessoas começa a se formar na calçada em frente ao número 720 da mítica Quinta Avenida, em Nova York. Ali, homens e mulheres de todas as idades amontoam-se à espera de que as portas se abram e eles possam comprar.

Na calçada em frente, a Apple Store arrebenta nas vendas do iPad. Mas a aglomeração de consumidores está em busca de um produto bem mais prosaico — roupas, desde que elas tenham o logotipo da Abercrombie & Fitch, marca americana tradicionalíssima que recentemente se tornou febre entre os adolescentes (não necessariamente em idade cronológica) de todo o mundo.

O fenômeno explica-se menos pelas roupas que são oferecidas e mais por tudo o que as cerca. As lojas da Abercrombie reproduzem o clima de festas rave, com luzes piscantes, som no último volume e recepcionistas musculosos com o torso desnudo. O fenômeno em torno da marca extrapolou o mundo físico.

A página da Abercrombie no Facebook conta com 2 milhões de fãs — dez vezes mais que a Sears e o dobro da Ralph Lauren. Há pelo menos três meses, é a rede de varejo jovem que mais cresce nos Estados Unidos, com uma taxa de 10% ao mês, comparada a 1% do setor.

"A Abercrombie tornou-se sinônimo de tudo o que é cool", diz Fernando Lucena, presidente da consultoria Friedman Group no Brasil, especializada em varejo.

Por trás do barulho em torno da Abercrombie & Fitch está uma história fascinante de virada nos negócios de uma companhia que, até pouco tempo atrás, agonizava em meio ao disputado varejo americano. A rede nasceu em 1892, como uma pequena loja de armas de caça no estado de Ohio — daí a escolha do alce como símbolo da marca.

Entre seus clientes estiveram os presidentes Theodore Roosevelt e Gerald Ford e o escritor Ernest Hemingway. A proliferação de grandes redes de artigos esportivos aliada à expansão da classe média entre as décadas de 50 e 60 fez com que a marca, considerada aristocrática, perdesse espaço.

Os negócios decaíram até que, em 1977, a Abercrombie & Fitch estava falida. A ressurreição aconteceria anos mais tarde como braço de uma rede de varejo — mas sem nenhum vestígio do charme do passado. No final dos anos 80, a Abercrombie (ou o que havia restado dela) foi adquirida pelo fundo The Limited por 50 milhões de dólares.

Com uma gestão profissionalizada e a abertura de capital na bolsa em 1996, a empresa começou a recuperar parte de seu prestígio. Em apenas dez anos, a Abercrombie quintuplicou de tamanho, chegando a mais de 1 000 lojas e a um faturamento de 3,7 bilhões de dólares anuais.

"A Abercrombie & Fitch ressurgiu praticamente das cinzas", diz Ann Brouwer, sócia da consultoria McMillan Doolittle, especializada em varejo. "Houve um minucioso trabalho de resgate da marca. Hoje, ela está entre as 30 mais valiosas do setor.


Mas foi somente com a chegada de Michael Jeffries ao posto de presidente do conselho, em novembro de 1996, que a Abercrombie & Fitch começou a ganhar os contornos que tem hoje. Assim que assumiu, Jeffries mudou radicalmente o estilo de roupas vendido na rede — de peças esportivas a produtos mais jovens e "descolados", como jeans surrados e camisetas básicas.

Mais de 50 lojas localizadas em pontos menos valorizados dos Estados Unidos foram fechadas. Em 2005, a Abercrombie inaugurou sua primeira âncora na Quinta Avenida, um prédio de cinco andares ao lado de grifes como Fendi, Prada e Chanel — a ideia era dar à marca uma aura de "luxo casual".

Paralelamente, Jeffries deu início à expansão internacional da empresa, abrindo uma loja no Canadá em 2006 e outra em Londres um ano depois. Seguindo o exemplo da francesa Louis Vuitton, todo e qualquer tipo de liquidação ou promoção na Abercrombie foi abolido. Mas foi ao tentar chamar a atenção dos jovens que Jeffries ousou mais.

Além de só contratar modelos para as lojas no lugar dos habituais vendedores, a Abercrombie passou a vender catálogos eróticos com modelos praticamente nus. Um deles, criado para o Natal de 1998, foi retirado das lojas sob protestos de que as fotos "faziam alusão a sexo grupal". Jeffries queria, obviamente, fazer barulho. E conseguiu.

Hoje, as roupas da grife são usadas por celebridades como a atriz Jennifer Aniston e o ator Zac Efron, protagonista da série High School Musical e ídolo teen.

Mas qual o fôlego de uma estratégia como essa? Quanto tempo demorará até que os consumidores
enjoem dos vendedores "sarados" e das roupas marcadas pela figura do alce com preços de artigo de luxo?

O modelo adotado por Jeffries, baseado no segmento premium, funcionou extraordinariamente bem nos tempos de bonança da economia americana — as ações da Abercrombie eram cotadas a 82 dólares em junho de 2007, o segundo valor mais alto da história em todo o varejo americano.

Mas o negócio não passou ileso pela crise. Diferentemente do que fizeram as concorrentes American Eagle e Aéropostale, a Abercrombie recusou-se a promover liquidações em suas lojas, com o argumento de que isso corroeria o valor da marca.

Entre novembro de 2008 e dezembro de 2009, as vendas — desconsiderando-se as novas lojas — caíram em média 30% mês a mês, ao passo que na Aéropostale houve um aumento de 20%. Jeffries foi submetido a escrutínio público ao levar para casa um bônus de 80 milhões de dólares referente ao ano de 2008 — período em que os papéis da empresa na bolsa desvalorizaram 25% e o valor da marca caiu quase 1 bilhão de dólares, para 2,9 bilhões.

Foi só em janeiro deste ano que a situação começou a mudar. Ainda que discretamente, a Abercrombie já reduziu até 40% do preço de algumas peças, fechou 60 lojas e demitiu quase 20 000 funcionários. As vendas em agosto aumentaram 9%. Na calçada da Quinta Avenida, as filas voltaram a se formar. Mas a pergunta continua sendo "por quanto tempo?"


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