Laércio Albuquerque, presidente da Cisco no Brasil: tempo para construir um “legado emocional” (Fabiano Accorsi/Exame)
Aline Scherer
Publicado em 25 de abril de 2019 às 05h48.
Última atualização em 24 de julho de 2019 às 17h15.
Durante muito tempo acreditou-se — como apontava a hierarquia de necessidades pessoais formulada na década de 40 pelo psicólogo americano Abraham Maslow — que a busca de sentido para a vida fosse um estágio avançado das preocupações humanas, a ser perseguido depois de resolvidas questões básicas, como as necessidades fisiológicas, a segurança e os laços afetivos.
Essa visão está largamente ultrapassada. Foi suplantada por trabalhos como o do neurologista e psiquiatra austríaco Viktor Frankl, para quem o propósito não está no topo de uma pirâmide, e sim na base de qualquer estrutura racional e emocional. É essencial até mesmo quando não se tem praticamente mais nada, como o próprio Frankl testemunhou durante os três anos em que foi prisioneiro dos nazistas, inclusive no campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia. Depois de ser libertado, escreveu em apenas nove dias o livro Em Busca de Sentido, lançado em 1946, que soma mais de 9 milhões de cópias vendidas. Ele escreveu outros 31 livros antes de morrer, em 1997, aos 92 anos. Neles, desenvolveu a logoterapia, uma espécie de terapia do sentido, cuja base já foi resumida pela revista britânica The Economist com a frase: “Vá trabalhar”.
Para Frankl, qualquer pessoa satisfeita em sua atividade produtiva é propensa a sentir bem-estar. Psiquiatra em Viena por 25 anos e professor de universidades americanas por 20 anos, ele recebeu 29 títulos honorários ao redor do mundo. Escalava montanhas e, aos 67 anos, aprendeu a pilotar aviões, embora afirmasse ter medo das duas atividades. Nunca se aposentou. Recebia, segundo contou numa entrevista aos 90 anos, mais de 20 cartas por dia de pessoas lhe agradecendo pelas mudanças provocadas por suas ideias.
Frankl não inventou a busca de um sentido para a vida, mas é uma das fontes primordiais para entender por que essa questão é crucial hoje em dia. E por que ela vem ganhando tanta força. O pesquisador da Universidade Yale Gabriel Grant analisou, com o auxílio de um software de inteligência artificial, a literatura acadêmica e popular de 11 países publicada nos últimos 200 anos e descobriu que em nenhum outro momento histórico a expressão “propósito para a vida” apareceu tanto quanto nos últimos 40 anos.
Na internet, o interesse por “propósito” cresceu de 25 para 100 — o nível máximo possível na escala Google Trends dos termos que as pessoas mais buscam no mundo — desde que a ferramenta foi criada, em janeiro de 2004, até outubro de 2018. O tema, um terreno fértil para os filósofos desde a Grécia antiga, infiltrou-se nos meios científicos. Proliferam estudos nos campos da psicologia, da medicina e das neurociências sobre como o propósito, na vida e no trabalho, ajuda a alcançar uma existência mais plena e saudável (veja o quadro abaixo).
É sintomático que as descobertas sobre a relevância do propósito estejam aumentando justamente quando as pessoas demonstram ver cada vez menos sentido em sua rotina. Muita gente pode até estar trabalhando mais horas, mas em geral com bem menos energia ou paixão. Segundo uma pesquisa internacional da consultoria Gallup, 85% dos empregados não se sentem engajados no trabalho.
O mesmo tipo de insatisfação pode estar por trás da crescente perda de confiança nas instituições. A agência global de relações públicas Edelman realiza anualmente, desde 2000, a sondagem Barômetro da Confiança com 33.000 pessoas. Nos 27 países pesquisados, a crença em instituições como governo, empresas, mídia e ONGs em 2019 está abaixo de 60 pontos, numa escala de 0 a 100. Entre os brasileiros, 72% desacreditam no governo, a instituição com menor credibilidade. E a confiança nas empresas subiu apenas 1 ponto, e foi para 58, de um total de 100. De modo geral, nos últimos anos os dados relativos à média global decrescem acentuadamente desde a crise financeira de 2008.
Para especialistas como o economista indiano Subramanian Rangan, professor de estratégia nas escolas de negócios Insead, na França e nos Emirados Árabes, e na Fundação Dom Cabral, no Brasil, existe uma falha no próprio modelo que rege as sociedades em geral (veja entrevista com o economista abaixo). Ele acredita que os indivíduos desejam mais moralidade, e as instituições ainda não acompanham isso na mesma velocidade. “A modernidade está baseada em referências materiais, e não morais, e as pessoas não sentem que essa seja, na prática, uma realidade muito feliz”, diz Rangan, defensor de que as empresas terão um papel relevante nessa transformação (veja reportagem sobre empresas em Primeiro Lugar).
A relação entre o propósito e a felicidade tem sido amplamente estudada pela psicologia positiva, campo que se popularizou nas últimas duas décadas pelo estudo do estado de excelência da mente. O psicólogo americano Martin Seligman, considerado precursor dessa corrente, conduziu uma das pesquisas mais amplas e pioneiras sobre o tema ao se dedicar por seis anos a estudar milhares de voluntários e analisar o que torna uma pessoa realmente feliz.
Segundo ele, o estudo separou a noção de felicidade em duas categorias. A primeira é uma acepção “hollywoodiana”, em que as pessoas dão demonstrações efusivas, mas episódicas, de alegria. A outra compreende a noção de plenitude, de satisfação duradoura. Para tentar encontrar o que distinguia esse grupo, considerou 120 aspectos que, ao longo da história — de Buda ao guru da motivação Tony Robbins —, foram propostos como fórmula para tornar as pessoas mais felizes.
Um ponto em comum se destacou entre os que relataram uma felicidade duradoura: eles sabiam no que eram bons ou quais eram suas fortalezas e conseguiam aplicar essas características a serviço de algo ou alguém além de si mesmo — a família, a sociedade, a natureza, uma religião. Também eram sociáveis, estavam num relacionamento amoroso e tinham amigos.
Considerando a realidade dos dias de hoje, prazeres como comprar um carro novo ou jantar em restaurantes caros, no entanto, tinham um efeito positivo passageiro. “A busca apenas do prazer gera quase nenhuma contribuição para a satisfação com a vida. A busca de sentido é a mais forte. A busca de envolvimento também é muito forte. Quando se alcançam o envolvimento e o significado, aí o prazer é a cereja no chantilly”, disse Seligman numa apresentação sobre o estudo.
Ter segurança material, claro, também é importante para uma vida plena e feliz. E existe uma média de equilíbrio financeiro para esse quesito. É o que mostra uma pesquisa sobre a relação entre renda e avaliação da própria vida, publicada na revista acadêmica Nature Human Behaviour em 2018. Com base nos estudos dos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia Angus Deaton (2015) e Daniel Kahneman (2002), que, juntos, escreveram o artigo Renda Alta Melhora a Avaliação da Vida, Mas Não o Bem-Estar Emocional, quatro pesquisadores das universidades de Virgínia e de Purdue, nos Estados Unidos, analisaram dados de 1,7 milhão de pessoas de 164 países, aferidos pelo instituto de pesquisa Gallup. O objetivo era discernir quanto o nível de bem-estar emocional aumenta em proporção à renda.
Concluíram que há um limite. Na América Latina, o valor mínimo por pessoa para sentir bem-estar emocional, segundo a pesquisa, é de 35.000 dólares por ano, ou 13 salários de pouco mais de 10.000 reais. Na região, o salário líquido ideal para “satisfação máxima com a vida” gira em torno de 95.000 dólares por ano — algo como 28.000 reais por mês. Acima desse patamar, o aumento na renda individual tende a comprometer a satisfação com a vida e o bem-estar. Isso porque, conforme sugere o estudo, as pessoas podem ser movidas por desejos como buscar mais ganhos materiais e engajar-se em comparações sociais, o que tende a reduzir o bem-estar emocional.
Os japoneses têm no termo ikigai um conceito parecido com o de propósito. De acordo com o neurocientista Ken Mogi, pesquisador sênior na fabricante de eletrônicos Sony, professor visitante no Instituto de Tecnologia de Tóquio e autor do livro Ikigai: os Cinco Passos para Encontrar Seu Propósito de Vida e Ser Mais Feliz, lançado em maio de 2018 no Brasil, a tradução de ikigai é “razão de viver, motivo que faz as pessoas acordar todos os dias”.
Para descobri-lo, é preciso compreender a interseção entre paixão e fazer o que se ama; missão e atender o que o mundo precisa; vocação e aquilo para o qual se é pago para fazer; e conhecimento técnico e o que a pessoa sabe fazer bem. O segredo, segundo os especialistas, é encontrar a conjunção de pelo menos parte desses aspectos até nas atividades mais prosaicas, como cuidar de um jardim ou, no caso da cultura japonesa, participar de uma cerimônia do chá.
O Japão é o país com a maior média de expectativa de vida no mundo: 84 anos. De acordo com inúmeros artigos científicos, além da dieta e do sistema integrado de saúde do país, o principal componente da longevidade do povo japonês é sua cultura — e faz parte dela manter-se ocupado, mesmo depois da aposentadoria. Embora o conceito seja difundido em todo o Japão, o ikigai é mais forte nas ilhas de Okinawa, uma das cinco regiões do mundo com maior concentração de pessoas centenárias.
O paranaense Edson Matsuo, diretor de criação e membro do conselho de administração da fabricante gaúcha de calçados Grendene, onde trabalha há 33 anos, diz que a vida o levou a descobrir seu ikigai bem antes de começar a estudar o tema, há uma década. Arquiteto e urbanista de formação, Matsuo identificou a paixão de desenhar — e ver que as pessoas poderiam pagar por isso — ainda no curso pré-vestibular. “Cheguei a pensar que o diretor estava me chamando para me expulsar, porque eu fazia caricaturas dos professores, mas foi para me contratar como cartunista do jornal do cursinho”, diz Matsuo. “Fiquei surpreso. Até então o que eu conhecia, pelo exemplo de meu pai, era que trabalho envolvia sofrimento e sacrifício.”
Na função de responsável pela criação da companhia, ele desempenhou papel relevante com as equipes que lançaram as marcas Melissa, Rider e Ipanema. Ao conhecer o conceito de ikigai, Matsuo passou a tentar se cercar de pessoas que também escolheram a carreira por paixão. E, no dia a dia, busca calibrar esse sentimento. Uma de suas práticas é fazer o que chama de check-in e check-out emocional no início e no final das reuniões. Diz que isso possibilita conversas abertas entre os participantes para analisar como eles saem do encontro, se têm alguma ressalva, se veem sentido naquilo que será executado. “Encontrei um significado maior para meu trabalho ao cuidar das relações entre as pessoas e ao incentivar que todos mantenham a paixão acesa ou busquem fazer o que amam em outro lugar ou atividade”, diz.
Diversas pesquisas mostram que poucos têm a sorte de aplicar uma paixão pessoal ao trabalho remunerado. Cerca de 80% das pessoas não sabem qual é sua paixão ou têm mais de uma e não sabem qual escolher. Especialistas dizem que muitas vezes a resposta está mais em como se trabalha, no valor das relações desenvolvidas no trabalho e na crença de fazer parte de algo maior.
Para ajudar as pessoas a construir um caminho com mais significado, treinamentos comportamentais têm se valido do exercício de projetar o futuro. A questão é: qual legado você pretende deixar? Muitos fazem essa reflexão quando pode ser tarde demais para corrigir a rota. No curso Liderança Centrada, lançado em 2012 após uma extensa pesquisa para entender o que diferencia os profissionais satisfeitos com a própria vida e bem-sucedidos no trabalho, a consultoria de gestão McKinsey usa a técnica de conduzir os participantes a pensar no próprio aniversário de 80 anos. Mais de 900 consultores e 1.500 executivos de 400 empresas no mundo passaram pelo programa.
“Segundo pesquisas, a maioria das pessoas, sobretudo executivos, começa a se perguntar qual é seu legado aos 65 anos, perto de se aposentar”, diz Antonio Batista, presidente da Fundação Dom Cabral, que criou o programa CEOs’ Legacy. O grupo de discussão para estimular a reflexão sobre o legado de presidentes de empresa começou em 2017 e já contabiliza mais de 150 horas de encontros entre dezenas de executivos. A ideia é, além de promover reflexões pessoais, desenvolver projetos sociais.
Por enquanto, há cinco iniciativas. Uma delas é na prefeitura de Holambra, no interior do estado de São Paulo, com a implementação de sistemas de gestão corporativa. A advogada Manuella Curti, de 34 anos, é uma das participantes do programa. No caso dela, a necessidade de dar um novo significado à própria existência veio depois de uma experiência traumática. Manuella assumiu a presidência da fabricante de purificadores de água Grupo Europa prematuramente, aos 26 anos. Seu irmão, o então sucessor, e seu pai, que era presidente do grupo, morreram em um intervalo de apenas seis meses. Ela se reuniu com a mãe, a irmã mais nova e o sócio, e os quatro decidiram que, em vez de um executivo contratado de fora, Manuella era a pessoa mais indicada para assumir a gestão da companhia.
“No início tive uma crise de identidade, porque tentava agir conforme aquilo que as pessoas esperavam de mim, parecido com meu pai”, diz Manuella, que participou de cursos de autoconhecimento, coaching e meditação para se fortalecer. “Até que decidi ser autêntica, porque compreendi que todos vêm ao mundo para servir a algo, e que eu deveria aportar meu valor na empresa.” Ela liderou mudanças no modelo de negócios e na cultura, tornando-a menos hierárquica, e o Grupo Europa cresceu. Agora busca amadurecer a ideia do legado que pretende deixar não apenas na empresa mas no mundo.
A reflexão sobre o tempo como inimigo implacável na busca por dar sentido à própria vida aparece também na obra do guru de gestão Clayton Christensen, professor na Universidade Harvard, conhecido por criar o termo “inovação disruptiva”. Depois de se recuperar de uma sequência de problemas de saúde — uma parada cardíaca, um AVC e um câncer —, ele publicou em 2012 o livro Como Avaliar Sua Vida.
Uma de suas conclusões: é muito fácil se perder nos incentivos de curto prazo e se esquecer de construir as conquistas que exigem dedicação no longo prazo. Um exemplo prosaico que Christensen dá: perder um jantar com os amigos para concluir um projeto importante pode parecer menos custoso e oferecer uma recompensa mais diluída ao longo do tempo do que um aumento ou um elogio do chefe. O problema é quando essa situação se torna rotina e o significado do vínculo com as pessoas próximas se perde. Assim como acontece na lógica dos resultados de uma companhia, o alcance de um propósito deriva das atitudes construídas todos os dias.
O executivo Laércio Albuquerque ouviu algo parecido quando foi promovido pela primeira vez ao cargo de presidente, aos 36 anos, na empresa CA Technologies. “Busquei conselhos de profissionais experientes, e um deles me disse para jamais perder meus filhos”, afirma. “Com o tempo, eu esqueceria o assunto da reunião que me fez faltar a um compromisso da família, mas os filhos jamais se esqueceriam de que foram trocados por trabalho.” Ele se tornou pai seis anos depois, com o nascimento da primeira filha.
Hoje, à frente da companhia de tecnologia Cisco no Brasil, diz levar a sério o conselho que recebeu. “Meus maiores objetivos até então eram relacionados a ter sucesso na carreira”, afirma Albuquerque. Em 26 de junho de 2018, por exemplo, ele teria uma reunião com o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, em Brasília, mas escalou um de seus diretores, pois já havia combinado fazia meses uma viagem com a mulher à Argentina. Em 2017, deixou de ir a uma reunião de planejamento estratégico com os chefes nos Estados Unidos porque já tinha programado um cruzeiro na Disney com a família na mesma data. Para ele, que cresceu numa família humilde no interior de Mato Grosso do Sul e aos 9 anos já ajudava o pai num bar, trata-se da construção de uma herança emocional.
Brené Brown, pesquisadora da Universidade de Houston, nos Estados Unidos, há mais de uma década estuda temas como propósito, vulnerabilidade, coragem, vergonha e empatia. Cinco de seus livros, publicados desde 2012, estão nas listas de mais vendidos do jornal The New York Times. O mais recente deles, Dare to Lead: Brave Work. Tough Conversations. Whole Hearts (algo como “Atreva-se a liderar: trabalho corajoso. Conversas difíceis. Coração inteiro”), é líder de vendas na categoria de livros de negócios desde seu lançamento em outubro de 2018.
Segundo Brené, pessoas com propósito têm um senso de coragem necessário para seguir o que faz sentido dentro de suas escolhas, e não o que se espera delas. Como Gina Vieira Ponte, que nasceu e cresceu em Ceilândia, na periferia do Distrito Federal. Filha de pai analfabeto e vendedor ambulante e de mãe empregada doméstica, ela decidiu ainda criança que queria ser professora. Ao cursar o magistério, no ensino médio, muitas vezes não tinha dinheiro para o básico, como almoçar e pagar a passagem de ônibus.
A força de sua convicção lhe permitiu ter uma carreira bem-sucedida. Com 27 anos de profissão, Gina coleciona conquistas. Há alguns anos, diante da constatação de que parte das alunas se divertia dançando de forma sensual, decidiu oferecer outras referências. Propôs aos alunos que estudassem a vida de dez mulheres inspiradoras, como a escritora brasileira Carolina de Jesus e a paquistanesa Malala Yousafzai, que desafiou extremistas muçulmanos pelo direito de meninas irem à escola. Depois, cada aluno escolheu a mulher inspiradora de sua vida — mãe, tia, avó —, entregou a ela um convite para uma entrevista e escreveu uma redação com o conteúdo da conversa.
Ao final do curso, Gina publicou um livro com as histórias dos alunos. O projeto ganhou 11 prêmios e está em 40 escolas. “O mais gratificante foi ver os alunos de peito estufado, olhos brilhando, ao contar as descobertas que fizeram sobre essas mulheres”, diz Gina. “Muitas das mães, tias e avós entrevistadas também puderam reavaliar sua história e se descobriram mulheres inspiradoras.” Segundo o pioneiro psiquiatra Viktor Frankl, pode-se tirar qualquer coisa de uma pessoa, menos a liberdade de escolher como reagir às circunstâncias — e dar sentido a elas, por mais duras que sejam.
O economista indiano Subramanian Rangan, da escola de negócios Insead, diz que a sociedade tem clamado por mais valores morais e as empresas devem seguir esse rumo
O indiano Subramanian Rangan é há mais de 20 anos professor de estratégia nas escolas de negócios Insead, na França e nos Emirados Árabes, e na Fundação Dom Cabral, no Brasil. Doutor em política econômica pela Universidade Harvard e mestre em administração pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, ele diz que o aumento da busca de um sentido para a existência faz parte de uma evolução moral da sociedade — que está mais avançada do ponto de vista dos indivíduos do que das instituições. Segundo Rangan, as empresas têm papel fundamental na integração de desempenho econômico e progresso da sociedade. E isso não é uma obrigação ou responsabilidade, mas uma escolha. De seu escritório, em Fontainebleau, na França, ele concedeu a seguinte entrevista a EXAME.
Por que as pessoas e as empresas estão cada vez mais preocupadas em definir um propósito ou um significado para sua existência?
Temos visto um gradual e quase geral declínio da confiança nos negócios. Em nome da produtividade, dos lucros ou do desempenho econômico das empresas, tem ocorrido uma falta ou uma fraqueza de julgamento — é um problema sistêmico. Todos queremos mais, melhor, maior, mais rápido, mais barato. Mas, para construir um século 21 melhor e mais justo, precisamos mudar o paradigma. As empresas são muito importantes nesse sentido. O sistema econômico descentralizado, que chamamos de sistema de mercado, é ainda um modelo promissor do ponto de vista da organização. Mas está injusto, há um desequilíbrio, ainda há muita desigualdade. E as soluções para esses problemas, acredito, são altamente descentralizadas.
Como cada um de nós pode agir nesse contexto?
As pessoas parecem ter mais e, ao mesmo tempo, ser menos. Muitos têm smartphones, mas estão dormindo menos. E, de repente, muitos vão atrás de uma nova tendência que viram nas redes sociais. Mas no fim do dia não sentem que essa é, na prática, uma realidade muito feliz. E algumas pessoas pensam: “OK, eu deveria fazer mais ioga, deveria fazer meditação”. Daí percebem que isso é reparativo e não resolve a realidade de nosso modelo econômico. Estão reparando algo que danificaram, em vez de constituir algo novo. Os indivíduos podem imaginar um futuro melhor, guiado por valores, e agir nesse sentido.
E qual é o papel das empresas?
A empresa tem de ser um ator central em um novo paradigma: o de integrar desempenho econômico e progresso social. Hoje, alguns setores, como o financeiro, o de mineração, o farmacêutico, o de tecnologia, e as mídias sociais parecem muitas vezes estar atuando com 120% de lucro e -20% de progresso social. Muitos executivos não tiveram tempo para pensar sobre seu papel no problema. Eles foram ensinados pelas pessoas ao redor e pelas escolas de negócios a ganhar tanto dinheiro quanto possível. E aprenderam que qualquer coisa fora disso seria uma distração. Eu não gosto de falar em obrigação ou responsabilidade, eu acho que se trata de uma escolha moral. O progresso é sobre como a empresa ganha dinheiro, e não sobre como gasta o dinheiro. Filantropia é bom, mas é para emergências, não resolve nem 1% dos problemas.