Revista Exame

A feira livre das patentes

Empresas criam bolsas online para a troca de propriedade intelectual ligada à sustentabilidade

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.

Para empresas, preservar direitos de propriedade intelectual sobre inventos e descobertas é uma prática quase tão antiga quanto a ideia de desenvolver pesquisas e gerar conhecimento dentro das próprias companhias. Também não vem de hoje a noção de que eles são um dos ativos mais valiosos das empresas modernas e um bem a ser protegido. Muito bem protegido. Em alguns países, o crescimento do número de disputas legais envolvendo propriedade intelectual é quase tão grande quanto o de patentes registradas. Há anos, a contenda em torno de direitos de uma ou outra empresa sobre tecnologias e patentes é também uma das maiores fontes de renda para o setor de serviços jurídicos, que inclui escritórios de advocacia. Imaginar um mundo azul onde empresas compartilham conhecimento entre si de forma pacífica, portanto, sempre pareceu algo muito distante. Mas talvez as coisas não precisem ser assim para sempre. É o que um número cada vez maior de empresas começa a acreditar — pelo menos no que diz respeito ao mundo das tecnologias verdes.

Essa espécie de armistício em torno da troca de conhecimentos sustentáveis é a principal proposta do GreenXchange, um projeto lançado recentemente pela Nike e outras nove companhias, entre elas o Yahoo!, e a empresa de software de gestão empresarial salesforce.com. Nele, um sistema online funciona como uma bolsa de patentes verdes. Detentores de tecnologias e métodos ligados à sustentabilidade fazem ofertas no site. Elas podem envolver desde a negociação do licenciamento da propriedade intelectual a preços mais baixos até mesmo o uso das patentes sem custo algum. Além de simplificar, e muito, a negociação desse tipo de ativo entre as empresas, o sistema pode evitar a “reinvenção da roda”, permitindo, assim, o uso mais eficiente dos recursos intelectuais.

Embora o Green-Xchange esteja em fase de testes, já há pistas sobre esse futuro imaginado. Entre as mais de 400 patentes listadas pela americana Nike no site está uma tecnologia batizada de Environmentally Preferred Rubber, empregada na fabricação de uma borracha ambientalmente sustentável. O material, hoje usado em calçados esportivos da Nike, possui 96% menos toxinas que a fórmula original da borracha. Ao licenciar a patente por meio do GreenXchange, a tecnologia poderá ser usada em calçados de outras marcas ou então ser incorporada, hipoteticamente, na fabricação de pneus de bicicleta. Assim, acredita-se, um novo produto verde pode chegar ao mercado com mais rapidez e preço menor do que se tivesse sido criado do zero. “Desafiamos companhias a ver as patentes não como algo a ser guardado e protegido, mas como um ativo transferível e até mesmo potencialmente lucrativo quando compartilhado”, diz Kate Meyers, porta-voz da Nike.  “Essa mudança de pensamento pode abrir caminho para novos produtos e lucros maiores a custos mais baixos.”


Ao criar um espaço comum de compartilhamento de patentes, o projeto também deverá cumprir o papel de organizar a dispersa produção intelectual na área de sustentabilidade. Hoje, o caminho para o licenciamento de tecnologias de terceiros é espinhoso mesmo nos casos em que há interesse aberto das empresas em adquirir a propriedade intelectual alheia. No escritório de Marcas e Patentes dos Estados Unidos, o maior do mundo, não é possível, por exemplo, fazer uma pesquisa por inventos que se encaixem na categoria “ambientalmente sustentáveis”. Estima-se, no entanto, que essas patentes representem 3% do total de mais de 180 000 registradas por ano, em média. Mesmo quando são localizadas, é difícil prever como se dará a negociação entre as empresas — e quanto uma tecnologia comprada pode sair custando no final.

Mas os benefícios de um sistema de ofertas públicas de patentes verdes devem ir além da disseminação de tecnologias existentes, e que portanto já apresentam soluções para parte dos desafios globais em relação ao meio ambiente. Existe também o fator casualidade. “A história da inovação sempre reservou lugar de destaque ao uso inesperado de tecnologias”, diz John Wilbanks, vicepresidente de ciências do Creative Commons, organização que defende normas menos restritivas de proteção da propriedade intelectual. A ideia, também sustentada pelos fundadores do Green-Xchange, é que a ciência só tem a ganhar quando tecnologias passam de mão em mão — princípio que, não por acaso, tem muito em comum com a comunidade do software livre. Uma tecnologia desenvolvida para o manejo de áreas contaminadas, por exemplo, pode vir a ser utilizada no tratamento de esgotos. “Sustentabilidade requer um espectro tão grande de inovações tecnológicas que será essencial fomentar usos não previstos”, diz Wilbanks.

Há exemplos ainda mais radicais desse esforço. Lançado em 2008, o programa Eco-Patent Commons, do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD), propõe a livre troca de patentes a custo zero entre interessados em fazer uso dessas tecnologias na área de sustentabilidade. Até agora, pouco mais de 100 patentes registradas por empresas como IBM, Bosch, Xerox, Nokia e DuPont integram o sistema. As tecnologias vão de sistemas de reciclagem de baterias a métodos de tratamento de efluentes. Só a IBM liberou para uso público patentes de 28 práticas de alguma maneira relacionadas a processos ecológicos e susten tá veis. São tecnologias como a que permite a fabricação de embalagens para transporte de material frágil em papelão leve e biodegradável por meio de um processo menos agressivo que o das embalagens de espuma, além de redução significativa do custo de produção. “É uma tecnologia que pode ser adaptada e usada por muitas indústrias”, afirma Manny Schecter, chefe do conselho de patentes da IBM.

Apesar da relativa dose de boa vontade envolvida, não há nada que obrigue empresas a entregar tudo o que sabem sobre tecnologias sustentáveis. Especialmente quando o segredo pode determinar o sucesso de um negócio. “É normal que companhias decidam manter direitos exclusivos de patentes que representam vantagens competitivas”, diz María Mendiluce, gerente de clima e energia da WBCSD. “Mas as vantagens costumam desaparecer com o tempo, e essas decisões podem ser reconsideradas.” É o caso, por exemplo, de uma patente desenvolvida pela finlandesa Nokia para a reciclagem de celulares. Pelo procedimento, aparelhos no fim de sua vida útil podem dar origem a novos dispositivos eletrônicos, como calculadoras ou controles remotos. A patente, a única oferecida pela Nokia no Eco-Patents, não é utilizada comercialmente há mais de dois anos. Comparada à atitude de outras companhias, essa pode parecer uma maneira tímida de contribuir. Mas que talvez seja um primeiro passo natural quando o negócio é entregar o ouro a qualquer um — inclusive a seus melhores concorrentes.

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