Revista Exame

A fábrica-problema da Mercedes-Benz no país

Baixa produtividade, salários elevados, protestos frequentes. É essa a rotina da montadora Mercedes-Benz em São Bernardo, onde está a fábrica de veículos mais encrencada do país

Produção da Mercedes em São Bernardo (SP): sobram funcionários  (Claudio Gatti / EXAME)

Produção da Mercedes em São Bernardo (SP): sobram funcionários (Claudio Gatti / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 23 de março de 2014 às 07h54.

São Paulo - A montadora alemã Mercedes-Benz criou altas expectativas em relação a seus planos para o Brasil na década de 90, quando decidiu instalar uma fábrica de automóveis no país. Até então, a empresa só produzia caminhões e ônibus por aqui, mas acreditava que havia espaço para um carro econômico que era sua grande aposta para mercados emergentes: o Classe A, que custava quase 70% menos do que o modelo importado mais barato da Mercedes.

Houve aquela tradicional guerrinha entre estados para receber a nova unidade, e Minas Gerais venceu a disputa ao oferecer a não menos tradicional lista de incentivos fiscais. Em 1999, depois de um investimento de 1,5 bilhão de reais, a fábrica foi instalada em Juiz de Fora. Mas o que aconteceu a partir daí foi constrangedor.

O Classe A não agradou e, com a desvalorização do real, seu preço subiu, o que reduziu as vendas. Cinco anos depois da inauguração, a unidade de Juiz de Fora produzia menos de 10% do que havia sido previsto no plano original. Ainda assim, fechá-la estava fora de cogitação — o governo mineiro ameaçou cobrar a devolução dos incentivos se isso ocorresse.

Novos carros passaram a ser fabricados ali, mas nada deu muito certo. Até que, em 2010, surgiu uma luz no fim do túnel. Com a economia brasileira bombando, as vendas de caminhões aumentaram 43% e bateram recorde, o que levou a Mercedes a adaptar as linhas de produção de Juiz de Fora.

Ao fabricar caminhões em vez de carros, a unidade começou a funcionar. Seria algo a comemorar, não fosse por um detalhe. Ao resolver o problema de Juiz de Fora, a Mercedes criou um verdadeiro caos em sua maior fábrica de caminhões no mundo, a de São Ber­nardo do Campo, em São Paulo.

Essa é, hoje, a fábrica mais problemática do setor automotivo brasileiro. Como isso aconteceu? Em 2010, a Mercedes transferiu para Juiz de Fora a linha de produção de caminhões de menor porte (da marca Accelo). Também passou a fabricar em Minas um novo modelo de caminhão pesado, o Actros.


O cálculo dos alemães era o seguinte: se a economia continuasse crescendo, haveria demanda pelos veí­culos produzidos nas duas unidades — em São Bernardo, a empresa também fabrica ônibus, motores, transmissões e eixos, e três modelos de caminhão.

Mas, de novo, nada ocorreu como o previsto: em 2012, as vendas de caminhões no Brasil caíram 20%, para 139 000 unidades, o menor patamar desde 2009. No ano passado, subiram 11%, mas as vendas anuais ainda são menores do que o esperado nos eufóricos tempos de 2010.

O tropeço na demanda atingiu em cheio a fábrica de São Bernardo. Cerca de 60% das linhas de produção estão ociosas. A fábrica tem capacidade para produzir 80 000 caminhões, mas entregou apenas 33 000 no ano passado. O índice de produtividade é metade do verificado nos principais concorrentes — até a fábrica da própria Mercedes em Juiz de Fora já produz mais caminhões por funcionário do que a de São Bernardo.

A Ford precisa de 890 operários para produzir 25 900 caminhões, quase o triplo da produtividade de São Bernardo. Além disso, o salário médio por operário, de cerca de 6 000 reais, é um dos mais altos do setor, de acordo com profissionais do ramo. O resultado é que a Mercedes tem no ABC uma fábrica gigantesca, pouco produtiva e cara.

Resolver esse tipo de problema num setor com sindicatos fortes, como o automotivo, é dificílimo. A General Motors tenta há dois anos fechar uma fábrica em São José dos Campos, mas não consegue, por pressão do sindicato local.

Ainda que a própria direção da Mercedes estime que haja um excedente de 3 000 funcionários em São Bernardo, de acordo com um documento interno obtido pelo sindicato dos metalúrgicos, as demissões foram pontuais. Ocorreram, basicamente, durante um programa de demissões voluntárias em 2013, quando cerca de 500 dos 12 000 empregados da unidade saíram.

Desde o começo de 2013, há protestos quase toda semana em frente à fábrica — um deles reuniu 4 000 pessoas. O tema é sempre a possível transferência de outras linhas de produção para Juiz de Fora. Em vez de cortar gente, a empresa tem interrompido a produção periodicamente, sem reduzir o salário dos funcionários: os dias parados são descontados de um banco de horas.


“Nossa meta é tornar as duas fábricas competitivas, mas não pretendemos fazer movimentos bruscos de pessoal”, diz Luiz Carlos Mo­raes,­ diretor de assuntos institucionais da Mercedes. Ele diz que a montadora investirá 1 bilhão de reais em 2014 e 2015 para trocar equipamentos e tornar a produção mais eficiente. 

Os problemas em São Bernardo já prejudicaram os resultados da Mercedes aqui. Sua participação de mercado, que era de 34% em 2006, ficou em 25% no ano passado. Como outras montadoras do país, a Mercedes não divulga seus resultados, mas, segundo EXAME­ apurou, eles ficaram entre o prejuízo e o lucro insignificante nos últimos dois anos, enquanto seus principais concorrentes ganharam dinheiro.

Para fazer caixa e conseguir investir, a empresa, por exemplo, vendeu quatro prédios comerciais e um terreno que tinha em São Paulo por cerca de 150 milhões de reais, segundo informações de executivos do setor imobiliário.

É uma nova realidade para uma montadora que, por 50 anos, até o início da década passada, liderou o mercado brasileiro de caminhões, vendendo veículos mais caros para gente que achava que valia a pena pagar para ter um Mercedes.

“A empresa se acomodou e está sendo ultrapassada por outros fabricantes”, diz José Roberto Ferro, presidente do Lean­ Institute, consultoria especializada em melhoria de eficiência em linhas de produção. A MAN, que pertence à Volkswagen e é a primeira do ranking, produziu quase 4 000 caminhões a mais do que a Mercedes em 2013.

O ano passado trouxe certo alívio para as fabricantes de caminhões no Brasil. Graças à expansão do agronegócio, as vendas aumentaram 11%, e a produção, 43%. Mas a Mercedes não conseguiu aproveitar o bom momento como os concorrentes.

Por ter um índice de utilização de peças nacionais inferior a 60%, ficou impedida de financiar as vendas de seu modelo mais caro, o Actros, usando uma linha de crédito subsidiada do BNDES. Além disso, arcou com o aumento do preço das peças importadas em razão da desvalorização do real, o que elevou os custos de produção.

Mesmo assim, suas­ vendas aumentaram 10%, mas concorrentes como Scania e Volvo cresceram de 30% a 80%. Nos últimos nove meses, a cúpula do grupo ­Daimler, que controla a Mercedes, decidiu substituir três diretores (de finanças, operações e desenvolvimento de caminhões) e o presidente da subsidiária brasileira — saiu o alemão Jürgen ­Ziegler e entrou outro alemão, ­Philipp ­Schiemer, que era vice-presidente global de marketing.

Suas principais missões são tornar a empresa mais eficiente e construir uma nova fábrica de automóveis no país — e fazer com que a nova unidade não dê a mesma dor de cabeça das outras duas. 

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