Revista Exame

A economia dos chatbots: os serviços que serão transformados com a chegada da IA

O uso de softwares com base em inteligência artificial vem ajudando empresas a reduzir custos e a melhorar o relacionamento com parceiros e clientes

Robô de atendimento criado pela KT Corporation em Seul, na Coreia do Sul: durante a pandemia, o objetivo foi reduzir a carga de trabalho e o contato humano em restaurantes (Chung Sung-Jun/Getty Images)

Robô de atendimento criado pela KT Corporation em Seul, na Coreia do Sul: durante a pandemia, o objetivo foi reduzir a carga de trabalho e o contato humano em restaurantes (Chung Sung-Jun/Getty Images)

Publicado em 30 de junho de 2023 às 06h00.

Última atualização em 30 de junho de 2023 às 17h26.

No nem tão longínquo ano de 2015, a inteligência artificial (IA) já era uma tecnologia reconhecida e aplicada, sobretudo em ferramentas de análise de dados dotadas de machine learning (ou “aprendizado da máquina”).

Em menos de uma década, a IA seguiu evoluindo, com o desenvolvimento de ferramentas como o chatbot, software capaz de manter uma conversa em tempo real por texto ou por voz, para resolver questões do dia a dia.

Se antes você era obrigado a perder um bom tempo para marcar uma consulta médica ou emitir a segunda via de um boleto, hoje essas tarefas podem ser realizadas com poucos cliques, diretamente no celular, “conversando” com um chatbot.

Durante a pandemia, pudemos ver, inclusive, a personificação desses robôs, como no caso da empresa de telefonia sul-coreana KT Corporation, que apresentou um protótipo de garçom-robô dotado de mapeamento espacial 3D e tecnologia de direção autônoma, que permitem a ele transitar entre mesas com liberdade e precisão. 

Mas o mais recente e revolucionário ponto dessa linha do tempo é, sem dúvida, a chegada do ChatGPT, um modelo de chat desenvolvido pela empresa OpenAI a partir de uma grande quantidade de dados e que, por isso, é capaz de interagir com usuários e gerar respostas de texto em linguagem natural. Vamos falar dele mais adiante. 


Quando o papo flui

Por ora, convém aceitar que a inteligência artificial já faz parte da nossa vida e das empresas. No mercado de telefonia móvel, a operadora TIM Brasil firmou uma parceria com a DialMyApp, empresa responsável pela criação do chatbot que converte chamadas ao contact center em um menu de autoatendimento, permitindo aos seus 60 milhões de clientes o acesso a diversos produtos, que vão de informações essenciais, como saldo e consumo de dados, a necessidades específicas, a exemplo de um bloqueio por falta de pagamento.

Funciona assim: ao ligar para a central de atendimento da TIM Brasil, o usuário recebe uma notificação sonora em seu celular oferecendo um menu que permite a solução de problemas sem a necessidade de uma ligação. Isso é possível até mesmo quando o cliente não tem o aplicativo instalado, pois a DialMyApp acessa uma rede de aplicativos credenciados.

Num contexto de 15 milhões de chamadas aos contact centers das operadoras por mês, que geram custos de 1 bilhão de reais ao ano, o uso de chatbots no atendimento ao cliente tem um impacto enorme.

No caso da TIM Brasil, essa triagem feita pelo chatbot permitiu interceptar 170 milhões de contatos de 17 milhões de usuá­rios desde 2020, quando a ferramenta foi implantada. Com a conversão de 70% desse total em ligações digitais, a TIM Brasil reduziu em dois terços os custos de operação, em comparação com uma chamada normal de contact center.

“O sucesso da utilização da plataforma na TIM Brasil abriu as portas da nossa empresa na Telecom Italia”, diz Flávia Pollo Nassif, cofundadora e CEO da DialMyApp Brasil.

O uso desse chatbot garantiu à TIM Brasil o Stevie® Awards for Sales & Customer Service 2023, uma das principais premiações internacionais para o reconhecimento de práticas e soluções em vendas, atendimento ao cliente e contact center. “Nosso objetivo é resolver a solicitação das pes­­­­­so­as de forma definitiva e no menor tempo possível.

O DialMyApp, para nós, foi um divisor de águas, porque permitiu às pessoas resolverem suas demandas antes mesmo de uma ligação ser iniciada, com esforço e tempo mínimos”, acrescenta Olímpio Fernandes, diretor de inteligência artificial da TIM Brasil. 

Menos custos, mais eficiência

Além desse tipo de reconhecimento, o uso de chatbot reduz em 60% o tempo gasto em atendimento, de acordo com a Globant Brasil, multinacional que presta serviços de tecnologia e inteligência artificial a outras companhias. “É um ganho de tempo, de economia e sobretudo de eficiência”, diz Carlos Morais, diretor executivo da empresa.

E esses resultados são possíveis principalmente quando o chatbot está conectado ao sistema de gestão de relacionamento com o cliente, o CRM. “O chatbot deve estar por trás da estratégia omnichannel, para que todos os canais de atendimento consigam melhorar a experiência do cliente, interagindo por meio de uma linguagem natural.”

Com uma área dedicada à inteligência artificial desde 2018, o iFood mantém em andamento o projeto de uma solução de venda direta para pequenos supermercados e farmácias, num chatbot integrado com o sistema de gestão da loja.

Nesses pequenos comércios, quem atende o telefone ou responde mensagens no ­WhatsApp ou no aplicativo são, em geral, operadores de caixa ou atendentes de balcão. Se um cliente entrar em contato para saber o preço ou a disponibilidade de um produto, aquele colaborador não necessariamente estará instruído ou disponível para esse atendimento.

Por isso, nessa primeira fase da jornada de compra, o cliente fala com um robô. “A integração com os sistemas da loja permite consultar preço, estoque, disponibilidade, forma de pagamento e horário de entrega, entre outras possibilidades”, diz Felipe Pereira, diretor de mercado sênior do iFood. 

A solução vem sendo testada desde 2022 e está em fase de implantação, inicialmente por cerca de 80 parceiros do iFood em todo o país. Um desses comerciantes é o supermercado Nei Mar, em Bragança Paulista, a 80 quilômetros de São Paulo. Administrado pela terceira geração da família, o estabelecimento tem 40 funcionários e foi beta tester do iFood.

“De lá para cá, nossas vendas na plataforma aumentaram três vezes, passando de cinco para 15 por dia”, diz Matheus Jacomelli, gestor de e-commerce e um dos sócios do Nei Mar.

O diretor do iFood estima que, se o parceiro alcançar 30 pedidos por mês com a ferramenta, o custo já se paga. Além de prestar informações padronizadas no atendimento, o chatbot checa no estoque a quantidade de um produto. Se ele estiver em falta, recomenda uma alternativa.

“Como estamos sofrendo a concorrência de grandes redes que chegam à região, esse atendimento especializado é muito importante”, diz Jacomelli.

Hoje já existem chatbots que conseguem mostrar se o interlocutor está interessado ou não na conversa — graças ao recurso de reconhecimento facial — e até detectam e interagem por meio de expressões da linguagem regional.

A própria Globant Brasil desenvolveu para um laboratório farmacêutico uma ferramenta que permitiu a um médico fotografar um paciente com problemas de sudorese. Depois de reconhecer padrões na imagem, o software indicou ao médico um remédio específico.

“A ferramenta atuou como uma espécie de assistente virtual para o médico, aprimorando o relacionamento dele com o laboratório”, diz Morais.

Escritório do iFood em Osasco, na Grande São Paulo: em projeto-piloto, chatbot ajuda nos testes de venda direta para pequenos supermercados e farmácias (Leandro Fonseca/Exame)

IA: promovida a outros departamentos

A inteligência artificial vem ganhando espaço também nos processos seletivos da área de recursos humanos. Segundo uma pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação realizada em dezembro de 2021, 22% das empresas pequenas e 37% das empresas de grande porte já adotam algum tipo de tecnologia voltada para RH, com o recurso de IA.

Ela já vem sendo usada na busca por vagas, criação de testes e dinâmicas em grupo, análise de currículos em grande escala e envio de cartas-ofertas para candidatos, por exemplo. 

Na Adecco, empresa líder mundial na área de recrutamento e seleção, o chatbot foi integrado ao Salesforce CRM, plataforma de gestão que permite centralizar todas as informações e dados relacionados aos candidatos a vagas, como detalhes de contato, currículos e histórico de interações.

Diretora de talent solutions da companhia, Bianca Machado destaca que vem lançando mão do uso da IA na seleção para vagas administrativas, de média liderança, e em tarefas de baixa e média complexidade.

Com filtros e palavras-chave, diz ela, o chatbot chega rapidamente aos candidatos ideais, reduzindo em até 20% o custo por contratação. “A IA diminui o esforço para análise individual do candidato e torna a avaliação mais ágil e barata”, diz Bianca. 

A executiva alerta que, em razão das métricas ESG, as áreas de RH das organizações vêm sendo cada vez mais pressionadas a dar atenção à diversidade e à inclusão. E esse movimento vem exigindo recursos cada vez mais refinados de inteligência artificial.

A Adecco, por exemplo, oferece a clientes uma ferramenta de entrevista às cegas, na qual a voz do candidato é alterada durante a sabatina. Assim, o gestor ou a gestora não consegue detectar o gênero ou a idade da pessoa que está sendo entrevistada.

Somente as habilidades técnicas são levadas em consideração nesse primeiro momento. “Para as etapas finais da seleção, porém, em 25 anos na área, eu ainda não vi nada melhor que a capacidade técnica e comportamental do olhar humano”, afirma Bianca. 

ChatGPT: a inteligência artificial generativa

Dos 40 funcionários do supermercado Nei Mar, um fica totalmente dedicado ao chatbot e já participa dos primeiros testes da nova versão do software do iFood, que abarca a tecnologia conversacional do ChatGPT, assim como a Drogaria Delta, localizada na cidade de Candeias, no interior da Bahia.

O iFood escolheu testar a nova versão com a farmácia porque notou uma quantidade acima da média de interações do estabelecimento com os clientes, em especial para consulta de preços. Ao automatizar as respostas a essas demandas, a drogaria passou a economizar em torno de 40 horas por mês na jornada de trabalho do funcionário que respondia às mensagens.

E, graças ao GPT, o atendente passou a reconhecer os nomes por vezes complicados dos medicamentos, mesmo que a pessoa cometa algum erro na digitação. “A gente consegue ter uma capacidade melhor para entender aquela escrita e pode fazer a consulta mais precisa possível”, diz Pereira, do iFood. “Essa integração assegura que o estoque fique organizado e abastecido.”

A Globant Brasil, por sua vez, possui diversas soluções em chatbot, desde os responsivos mais básicos até aqueles capazes de reconhecer o estado de humor do interlocutor.

Quando um cliente entra em contato com uma empresa com a intenção de cancelar uma compra ou a assinatura de um serviço, a IA reconhece se a pessoa do outro lado da linha está de bom ou de mau humor e, dessa maneira, consegue abastecer os níveis mais avançados do SAC com esse dado.

“Esse é um exemplo de por que as empresas precisam entender a necessidade de integrar o chatbot com o atendimento humano”, diz Carlos Morais. 

Carlos Morais, da Globant Brasil: a empresa criou, a pedido de uma farmacêutica, um assistente virtual para médicos (Divulgação/Divulgação)

Preocupação semelhante tem Bianca, diretora da Adecco, no que diz respeito ao uso de IA no setor de recursos humanos. O desafio, segundo ela, é saber avaliar até que ponto o atendimento automatizado é saudável num processo de recrutamento.

Afinal, para empresas que optam pela inteligência artificial na totalidade do processo de recrutamento, 65% dos candidatos são descartados ou desistem no meio do caminho por não haver interação humana. “Precisamos ter muito cuidado na aplicação da inteligência artificial, porque alguns talentos podem não ser reconhecidos, o que torna importante ter dentro das companhias profissionais supercapacitados para gerir essas ferramentas”, afirma a executiva.

Por outro lado, Bianca afirma que serão abertas possibilidades de carreira para os recrutadores voltadas somente para a gestão de áreas e linguagens de tecnologia, porque será necessário ter mais pessoas capacitadas. “É por isso que a IA precisa ser adotada como um facilitador para o processo, alinhada com um profissional estratégico e analítico capaz de usar os dados fornecidos para tomar a decisão de contratação.” 

Nas suas soluções de CRM, a Globant Brasil utiliza o Einstein, a plataforma da Salesforce que ganhou recentemente uma ferramenta de inteligência artificial em sua nova versão, batizada de Einstein GPT.

A novidade aproveita a tecnologia ChatGPT da OpenAI e os modelos de IA patenteados da Salesforce para fornecer conteúdo gerado por IA em todo o ecossistema do CRM, incluindo as nuvens de vendas, serviços, marketing e comércio, entre outras áreas.

O Einstein GPT é capaz ainda de automatizar todas as formas de criação de conteúdo, como e-mails de vendas personalizados, além de responder e levar soluções para solicitações de atendimento ao cliente — em linguagem natural e adaptada em tempo real, com base nas interações com os clientes. Mas, pelo menos por enquanto, essa conversa (e os comandos) precisa começar com você, humano.

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