Fábrica da Votorantim Cimentos em Salto, São Paulo: a energia dos fornos é gerada por uma mistura de materiais que torna o processo mais eficiente (Germano Lüders/Exame)
Renata Vieira
Publicado em 25 de abril de 2019 às 05h30.
Última atualização em 24 de julho de 2019 às 17h18.
No estado do Pará, cerca de 550.000 toneladas de resíduos de açaí são descartadas todos os anos. Isso se deve ao fato de que apenas 20% desse fruto amazônico, importante motor da economia local, é polpa. A maior parte do volume do açaí é constituída pelo caroço, que até então tinha pouca ou nenhuma utilidade. Ora encaminhado a aterros, ora sem destinação adequada, esse material se tornava, invariavelmente, rejeito.
No ano passado, a Votorantim Cimentos, que tem uma fábrica em Primavera, a 200 quilômetros de Belém, aproveitou 40.000 toneladas de massa seca de caroço de açaí como combustível para seus fornos. No final de 2017, a biomassa de açaí passou a substituir parte do coque de petróleo, combustível fóssil importado dos Estados Unidos e principal insumo na geração de energia térmica, necessária aos fornos de fabricação de cimento.
Hoje, 14% dessa energia vem da queima do resíduo de açaí. A parcela de substituição chega a uma média de 30% em 14 das 33 fábricas de cimento do grupo Votorantim no país. A meta da empresa é ultrapassar o índice de 40% em cinco anos. “Conseguimos lidar com uma questão problemática para a comunidade local com uma geração mais eficiente de energia”, afirma Eduardo Porciúncula, gerente-geral de combustíveis alternativos da Votorantim Cimentos.
Incorporar o combustível de origem vegetal ao processo, porém, não foi tarefa simples. Desde 1991, a companhia vem testando a viabilidade de diversos materiais para a geração de energia nos fornos. A técnica de inclusão de insumos alternativos ao coque é conhecida como coprocessamento. O esforço teve como objetivo tornar essa etapa da produção mais barata e menos poluente, já que o consumo de energia representa até 70% do custo operacional do setor — e a indústria de cimentos responde por cerca de 7% das emissões de gases de efeito estufa no mundo.
De lá para cá, a Votorantim Cimentos conseguiu agregar sucata de pneus e outros resíduos urbanos ao processo e hoje consegue queimar restos de açaí, babaçu e até casca de arroz, dependendo da oferta desses materiais nas proximidades das operações. Só no ano passado a companhia investiu 85 milhões de reais em projetos de combustíveis alternativos — valor que deverá chegar a 300 milhões de reais até 2024.
A aposta alta no ganho de eficiência energética, no entanto, ainda não é uma prática comum entre as empresas brasileiras. Segundo o American Council for an Energy-Efficient Economy (“Conselho americano para uma economia eficiente em energia”, numa tradução livre), que avalia as políticas públicas e as práticas empresariais de gestão eficiente de energia das maiores nações consumidoras, o Brasil ainda está bastante aquém de seu potencial.
Dos 25 países listados (que representam quase 80% do consumo de energia global), o Brasil ocupa a 20a posição (veja quadro abaixo). Entre as razões do baixo desempenho está a ausência de mão de obra qualificada dedicada ao tema da eficiência energética nas indústrias — e políticas públicas tímidas. Outra métrica evidencia o longo caminho que o país tem a percorrer: a ISO 50001, norma internacional de qualidade que estabelece parâmetros para a boa gestão de energia, só é adotada por 49 empresas por aqui. Na Alemanha, são 8.314 companhias certificadas.
Entre os emergentes, o parque industrial chinês se destaca com 1.567 certificações. A Índia registra 608. “Do ponto de vista operacional, geralmente o empresário brasileiro não se propõe a mexer no que ele acha que já está funcionando, mesmo que não seja da melhor forma possível”, afirma Alberto Fossa, diretor executivo da Associação Brasileira pela Conformidade e Eficiência das Instalações (Abrinstal).
A despeito das lacunas, o tema tem avançado de alguma forma no Brasil e no mundo. Uma pesquisa realizada pela multinacional francesa Schneider Electric e pela consultoria americana Greenbiz com 309 empresas mundo afora mostra que, todos os anos, elas gastam cerca de 450 bilhões de dólares em iniciativas que envolvem sustentabilidade e eficiência energética. Em 190 delas, quase 80.000 projetos de redução de emissões de gases de efeito estufa — associados a programas de economia de energia — geraram um retorno de 3,7 bilhões de dólares só em 2016.
Está aí o caminho mais fácil para a aprovação de projetos desse tipo: demonstrar retorno garantido e mensurável. De acordo com o levantamento, isso permite emplacar os projetos em 51% dos casos — mais ainda do que a disponibilidade imediata de capital, determinante somente em 10% dos casos. A força de quem toma decisões nas empresas também é fundamental para fazer a agenda andar. “Ainda que falte dinheiro, é o engajamento de líderes que permite visualizar as chances de ganho”, afirma Mathieu Piccin, diretor de serviços de energia e sustentabilidade da Schneider Electric para a América do Sul.
Na fabricante de motores WEG, foram necessários seis meses para mapear as oportunidades de ganho de eficiência energética na operação, ainda em 2012. Até 2016, 5 milhões de reais foram investidos para trocar 2.900 dos próprios motores elétricos em suas sete unidades industriais. Mas substituir equipamentos mais antigos por versões novas e mais eficientes foi apenas parte do trabalho. A empresa estava convencida de que era preciso investir também em gestão e automação — e instalou medidores de frequência em motores e bombas hidráulicas. O objetivo era avaliar em tempo real a velocidade e a vazão desses equipamentos e ajustar a intensidade conforme a necessidade.
Nas torres de resfriamento, equipamentos comuns em operações que demandam refrigeração, o monitoramento permitiu um ajuste mais preciso da temperatura. A transformação gerou uma economia total de 14 gigawatts por ano — diminuindo a conta de energia da WEG em 9%. “Vimos que o retorno desse tipo de investimento tem prazo inferior a dois anos, mas é preciso preparo para interromper o funcionamento de alguns equipamentos sem prejuízo da operação”, afirma Fernando Garcia, diretor de vendas da unidade de motores da WEG.
O balanço entre o ônus e o bônus resultante da troca de equipamentos, que nem sempre é imediatamente vantajoso para as empresas, trava transformações — ainda mais para as que se encontram no limite da capacidade de endividamento. Isso explica por que boa parte do parque industrial brasileiro está tecnologicamente defasada, já que muitas fábricas datam dos anos 60 aos 80. A idade média dos cerca de 20 milhões de motores industriais do país, por exemplo, é de 17 anos — e aproximadamente 10% desse total tem mais de 40 anos de uso.
Desde 2008, um programa da Confederação Nacional da Indústria ajuda empresas a diagnosticar lacunas de eficiência e a implementar programas de rápido retorno econômico e energético. A premissa é que as mudanças não imponham investimentos em grande escala, mas ajustes de processo ou pequenos aportes que propiciem ganhos de 8% a 15% na relação entre o consumo de energia e a produção. Até agora, 12 empresas participaram do programa — e outras 24 devem integrá-lo até 2020. O financiamento é dividido entre as empresas e o Procel, programa do governo federal que visa promover economia de energia. “Tornamos tangível algo que só fica no discurso de futuro das empresas, já que muitas vezes elas não têm as ferramentas para identificar e quantificar o que dá e o que não dá para mexer”, afirma Rodrigo Garcia, especialista em energia da CNI.
A pesquisa feita pela Schneider Electric aponta essa dificuldade: cerca de 90% das empresas têm nas contas de serviços públicos sua principal fonte de dados de energia. Menos de 20% obtêm esses dados por meio de softwares ou sensores inteligentes.
O impulso vem do carbono
Dados do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) mostram que as ações voltadas para a redução de emissões de gases de efeito estufa têm puxado parte relevante dos projetos de eficiência energética de que se tem notícia no Brasil. Nos últimos três anos, foram 1 340 projetos e cerca de 86 bilhões de dólares na busca por fontes de energia de baixo carbono entre empresas brasileiras.
Esses esforços levaram a uma redução de 130 milhões de toneladas de carbono equivalente só em 2017 — o que representa 16% da meta nacional de corte de emissões até 2025. “A transformação está começando sob o viés da eficiência, mas há um limite. Daqui para a frente, ela atingirá as bases das tecnologias de produção que conhecemos hoje”, afirma Laura Albuquerque, coordenadora da câmara temática de clima do Cebds.
O Grupo Boticário, fabricante de cosméticos, está trilhando esse caminho. A empresa vem conseguindo reduzir o consumo de energia na fabricação de emulsões desde 2016. Ao utilizar matérias-primas com atributos químicos diferentes — e que por isso demandam menos energia nas etapas de resfriamento e aquecimento comuns em seu processo de fabricação —, a demanda energética para esse tipo de produto cai e a eficiência aumenta. “Dessa maneira, entregamos um produto com as mesmas funções e atributos, mas fabricado num processo mais enxuto”, afirma Leandro Balena, diretor industrial do Boticário. Essa troca resultou numa diminuição de 10% no custo de matérias-primas, 15% no custo total de produção e 60% no custo de energia.
Em 2016, o Boticário também passou a comprar energia do mercado livre — e apenas de fontes renováveis, como a eólica. Até 2024, a meta da empresa é que 20% de seu consumo de energia venha de geração própria, como a solar fotovoltaica, que já compõe parte da infraestrutura de uma de suas fábricas, em São José dos Pinhais, na Grande Curitiba. “Nem todos os investimentos têm um retorno vantajoso no curto prazo ou são tão viáveis quanto investimentos de outra natureza, mas nossa aposta é essa”, afirma Balena. Uma aposta que faz todo o sentido, diga-se.