Revista Exame

A digitalização e o papel do Banco Central, por Roberto Campos Neto

Quanto maior for a disponibilidade de informação e de tecnologia no processo de intermediação de pagamentos, mais seguro, transparente e inclusivo será o sistema financeiro nacional

Roberto Campos Neto, do Banco Central: digitalizar para incluir (Alan Santos/PR/Reprodução)

Roberto Campos Neto, do Banco Central: digitalizar para incluir (Alan Santos/PR/Reprodução)

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Da Redação

Publicado em 11 de março de 2021 às 05h10.

Última atualização em 17 de março de 2021 às 11h08.

Uma característica marcante do cenário atual é a velocidade das mudanças tecnológicas e seu impacto no sistema financeiro. Os avanços tecnológicos têm permitido uma grande diminuição dos custos de produção, de armazenamento e de processamento de dados; uma evolução acelerada nos sistemas de pagamento; e novas possibilidades de serviços financeiros. Esse processo, que já vinha em curso nos últimos anos, foi ainda mais impulsionado durante o período da pandemia, e terá consequências significativas para a digitalização do sistema financeiro no pós-pandemia.

As transformações recentes no modelo de negócios são um elemento-chave para compreender a importância do processo de digitalização do sistema financeiro. Esse setor tem se tornado um segmento cada vez mais baseado em informação e em tecnologia. Assim, quanto maior a disponibilidade de informação, mais eficiente se torna o processo de intermediação financeira.

No âmbito da revolução tecnológica vivenciada pelo setor financeiro, uma das tendências mais significativas tem sido observada nos serviços de pagamento. Nesse setor, destaca-se a convergência de tecnologias de pagamento, de texto e de conteúdo. Essa convergência tende a resultar em um processo de verticalização de diversos serviços em uma única cadeia. Também são dignos de nota o avanço no uso de serviços de processamento em nuvem e as inovações em moedas eletrônicas. Essas mudanças têm contribuído para o desenvolvimento de sistemas de pagamento integralmente digitais.

Outra tendência importante é a integração dos sistemas de negociação por meio de tecnologias como o blockchain. Isso poderá abrir caminho para outro processo que deverá aumentar a digitalização do sistema financeiro: a tokenização de ativos. Isso permitirá que o registro de ativos seja feito cada vez mais de forma digital, e não de forma física. Uma vantagem do registro digital é a possibilidade de negociar ativos (inclusive ativos não financeiros) com maior velocidade, transparência e segurança, e menor custo. Ademais, esse tipo de registro possibilita maior divisibilidade dos ativos, o que também facilita sua negociação.

Nesse ambiente de inovações tecnológicas, o Banco Central do Brasil (BCB) tem desenvolvido diversas ações no âmbito da sua Agenda BC#, com vistas a propiciar à população acesso a um mercado financeiro seguro, eficiente, competitivo e inclusivo. Entre as iniciativas da Agenda BC# para aumentar a digitalização do Sistema Financeiro Nacional (SFN) estão o desenvolvimento de um sistema de pagamento instantâneo (Pix), a implementação do open banking e a abertura do sandbox regulatório.

O Pix, que começou a operar em novembro de 2020, permite pagamentos e transferências instantâneas 24 horas por dia, sete dias por semana. Novas funcionalidades serão agregadas ao Pix futuramente, que poderá, inclusive, operar como base para uma plataforma digital multipropósito, provendo outros serviços públicos de forma mais eficiente.

O open banking teve sua primeira fase lançada em fevereiro de 2021, com a conclusão das quatro fases prevista para dezembro de 2021. Como os consumidores são titulares de seus dados cadastrais e financeiros, o open banking permitirá que eles transfiram essas informações que lhes pertencem para outra instituição, a qualquer momento, em busca de melhores produtos ou serviços a preços mais baixos.

Já o primeiro ciclo do sandbox regulatório teve suas inscrições iniciadas em fevereiro de 2021, com a implementação dos projetos que serão selecionados a partir do segundo semestre deste ano. O sandbox permitirá que modelos de negócios inovadores sejam autorizados a operar em um ambiente restrito de testes por prazo determinado, com regulamentação específica e sob monitoramento do BCB. Os modelos que obtiverem sucesso poderão receber autorização de funcionamento após avaliação do regulador.

O avanço tecnológico nos meios de pagamento também tem demandado que os próprios bancos centrais evoluam para cumprir suas missões institucionais de forma mais eficaz. Um marco dessa evolução será o surgimento de moedas digitais emitidas por bancos centrais. A moeda digital poderá servir como uma porta de acesso para indivíduos desbancarizados e será um importante fator de inclusão financeira, especialmente em economias emergentes. No futuro, uma moeda digital emitida pelo BCB será uma consequência natural de avanços como o Pix, o open banking e a modernização da legislação cambial.

Continuar assegurando a democratização do acesso ao sistema financeiro ao mesmo tempo que promove a inovação e a competição por parte das instituições financeiras é um importante desafio para a construção do sistema financeiro do futuro. Nesse sentido, o BCB conta com a evolução tecnológica para tornar o SFN mais seguro, eficiente, competitivo e inclusivo. A digitalização é um dos instrumentos mais eficazes que temos para alcançar esses objetivos, sendo, portanto, um dos pilares em nossa missão de zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro.


*Economista e presidente do Banco Central do Brasil

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