O fosso aumenta: nos Estados Unidos, a mobilidade social piorou e isso é preocupante, diz Summers (NewYorkTimes/Latinstock)
Da Redação
Publicado em 6 de fevereiro de 2012 às 09h58.
São Paulo - Secretário do Tesouro na administração Bill Clinton, o economista Lawrence Summers voltou a Washington a pedido do presidente Barack Obama para assumir o cargo de assessor econômico da Casa Branca, posição que ocupou entre 2009 e 2011. Entre as duas passagens pelo governo, foi reitor da Universidade Harvard, onde é professor.
Embora não negue a gravidade da atual crise, a maior preocupação de Summers — tido como um dos mais preparados economistas americanos — é com uma tendência de longo prazo: a crescente desigualdade social provocada pela transição de uma economia industrial para outra centrada no conhecimento.
EXAME - Não faltam problemas à economia mundial atualmente. O que mais o preocupa?
No mundo desenvolvido, o maior desafio de curto prazo é o fato de que as economias estão produzindo abaixo da capacidade e sendo prejudicadas pela falta de demanda, que se mostra, por exemplo, no excesso de desemprego.
No longo prazo, o grande problema é que a mudança estrutural da economia industrial para a economia do conhecimento causa impacto profundo na distribuição da renda, recompensando mais os ricos do que os pobres. O aumento da desigualdade não se restringe a países desenvolvidos. Está difundido no mundo.
EXAME - Quais são as consequências dessa desigualdade crescente?
Há implicações importantes para a saúde das pessoas, para a legitimidade da democracia e para a coesão social. Existem evidências de que tenha impacto ainda na capacidade de crescimento dos países. Desigualdade pronunciada é sinônimo de influência desproporcional dos ricos sobre o sistema político.
As classes altas buscam proteção e regulação favoráveis. A consequência é maior ressentimento em relação ao governo e menor otimismo da população, travando investimentos e o crescimento.
EXAME - Que respostas devem ser dadas a esse processo?
É difícil generalizar. A primeira, crucial, é a adoção da tributação progressiva sempre que possível. Para apoiá-la, é preciso cooperação internacional, assegurando que os muito ricos não escapem das taxas em paraísos fiscais. A segunda é fortalecer a educação, em particular da classe média, como veículo de oportunidade.
Uma terceira é elevar a responsabilidade e a transparência, em especial nas empresas. Muitos dizem que ter consciência é saber que alguém está olhando. A transparência reduz incentivos para que, por exemplo, executivos se remunerem em excesso.
EXAME - O capitalismo americano é associado à meritocracia. Isso está mudando?
Quando se examina a mobilidade entre gerações nos Estados Unidos, a capacidade dos que nasceram na pobreza de atingir a classe média ou dos nascidos na classe média de chegar à classe alta melhorou na maior parte da história. Isso mudou — para pior — nos últimos anos.
É uma tendência perturbadora. Talvez ocorra porque a educação superior encareceu, porque os mais abastados foram capazes de iniciar os filhos em algum negócio ou porque cada vez mais os ricos vivem entre ricos e os pobres entre pobres, fazendo piorar a qualidade da educação da massa.
EXAME - O modelo capitalista americano perdeu o charme?
Há uma desilusão com as finanças americanas, embora eu me pergunte se, com o desenrolar da crise europeia, isso não será reavaliado. Há três anos, era tentador achar que invenções do nosso sistema financeiro — como fundos de hedge e derivativos — tinham sido cruciais para o estouro da crise.
O sistema financeiro europeu é mais tradicional, mas não ficou imune a complicações. Os argumentos que culpavam o modelo americano parecem menos fortes hoje.
EXAME - Os países europeus precisam adotar programas de austeridade para sair da crise. Mas, com eles, dificilmente vão crescer. Qual é a saída?
Não acredito que haja uma solução única. Os passos mais importantes incluem mudanças substanciais na direção de políticas expansionistas, o reconhecimento realista da situação da dívida de países como a Grécia e medidas para restaurar a confiança no mercado de títulos de países cuja solvência é questionada.
Conforme os países fazem contração fiscal, sua capacidade de crescimento depende de quanto gastam para cobrir o serviço da dívida. O dinheiro que vai para pagar a dívida não é alocado de forma produtiva, não contribui para o crescimento. Baixar os juros, então, é a saída para liberar recursos e permitir aos governos construir potencial para o futuro.
Para a Europa como um todo, é possível elevar a demanda. Obviamente, isso depende da Alemanha. Não há como baixar o déficit comercial de todos os países se a Alemanha não reduzir seu superávit.
EXAME - O capitalismo conduzido pelo Estado, caso da China, pode ser tendência nos emergentes?
Esse capitalismo tende a se sair melhor no curto prazo do que no longo. O Japão foi elogiado pelas políticas industriais nos anos 70, mas condenado pela esclerose de sua economia nos anos 90. A Rússia também foi bem-sucedida nos anos 40 e 50. Mas, ao longo do tempo, esse modelo perdeu o gás.
Historicamente, sistemas mais flexíveis podem não produzir crescimento tão rápido, mas produzem crescimento mais sustentável. A China conquistou feitos admiráveis e certamente conquistará outros, mas não conseguirá manter crescimento recorde por mais um quarto de século.
EXAME - Esse é o caso no Brasil?
O Brasil tem mais chance de se sair bem se privatizar mais áreas ainda nas mãos do governo e se der mais ênfase ao empreendedorismo, em vez de apoiar companhias estatais.
EXAME - Como o senhor vê a economia do Brasil no próximo ano?
O país provavelmente passará por um período mais desafiador do que foram os últimos anos. O Brasil é um exportador de commodities e tem uma economia cada vez mais aberta. Estará exposto ao que ocorrer no mundo. Mas, de maneira geral, 2012 será bom para os brasileiros. As mesmas qualidades que fizeram do Brasil o país de crescimento mais rápido entre 1880 e 1980 devem levá-lo a seguir avançando.