Revista Exame

A delação no meio do caminho da Hypermarcas

A Hypermarcas estava se reestruturando. Mas, depois que um de seus principais executivos confessou ter subornado políticos, teve de parar tudo.

Nelson Mello, ex-executivo da Hypermarcas: problemas com a política de vendas e com a compra de políticos (Germano Luders/Exame)

Nelson Mello, ex-executivo da Hypermarcas: problemas com a política de vendas e com a compra de políticos (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 3 de agosto de 2016 às 05h56.

São Paulo — O empresário goiano João Alves Queiroz Filho, o Júnior, está por trás do surgimento de duas importantes empresas do mercado de consumo do ­país. Nas décadas de 80 e 90, comandou a expansão da fabricante de alimentos Arisco, fundada por seu pai em 1969.

Num momento em que o Brasil começava a atrair investidores estrangeiros, o crescimento da Arisco chamou a atenção da concorrência e a companhia foi comprada no ano 2000 pela americana Bestfoods, que hoje faz parte da Unilever. Com os quase 500 milhões de dólares recebidos pela venda, Júnior fundou a Hypermarcas no ano seguinte.

A nova empresa começou com um único produto, a palha de aço Assolan, recomprada da Unilever, e cresceu sem parar. Em poucos anos, tinha mais de 200 marcas, de analgésicos e desodorantes a molhos de tomate e fraldas.

Nos últimos anos, quando o negócio atingiu um nível de complexidade extremo, Júnior começou a repetir a história da Arisco, mas aos poucos: passou a vender marcas em vez de comprá-las — um movimento que poderia chegar ao ápice com a venda das operações farmacêuticas da Hypermarcas. Mas surgiu um problema, daqueles que só o Brasil de 2016 poderia proporcionar: uma delação premiada. 

Em março deste ano, Nelson Mello, diretor de relações institucionais da Hypermarcas, fechou um acordo de delação com a Procuradoria-Geral da República. O conteúdo da delação é sigiloso, mas, segundo trechos já divulgados, Mello admitiu ter pagado propina a políticos do PMDB de 2013 a 2015 na tentativa de ver aprovadas no Congresso medidas favoráveis à empresa e ao setor farmacêutico.

Um de seus “contatos” era Lúcio Funaro, conhecido como o doleiro de Eduardo Cunha e preso em decorrência de investigações da Operação Lava-Jato. Na época da delação, a Hypermarcas contratou auditores para calcular quanto Mello havia tirado do caixa da empresa para subornar políticos e concluiu que o prejuízo somava 26,7 milhões de reais — o mesmo valor informado por Mello aos investigadores.

O executivo, que era dono de 0,2% do capital da companhia, vendeu suas ações, devolveu o dinheiro e deixou o cargo em março. Os acionistas minoritários da Hypermarcas só ficaram sabendo disso tudo em junho, quando parte do conteúdo da delação vazou. A empresa, então, divulgou uma nota dizendo que Mello tinha agido “por conta própria” e que a companhia não havia sido beneficiada por sua atuação.

Estratégia errada

Nelson Mello não é um executivo qualquer da Hypermarcas. Ele trabalhou com Júnior durante 36 anos. O início foi em 1980, quando a Arisco comprou a empresa em que Mello trabalhava em Goiás, a Cremalho. Quando Júnior fundou a Hypermarcas, chamou Mello para dividir o comando da companhia com o atual presidente, Cláudio Bergamo.

Mello deixou o cargo de copresidente em 2011, depois de ter sido apontado como o responsável pela criação de uma nova — e desastrada — política de vendas. Aumentou os descontos oferecidos a supermercados e a outros clientes da Hypermarcas, o que levou essas empresas a aumentar demais os estoques. Sem conseguir vender, elas suspenderam as encomendas à Hypermarcas, o que prejudicou seus resultados.

As ações da empresa caíram 62% em 2011. Depois do erro, Mello assumiu a culpa sozinho e passou a ocupar o cargo de diretor institucional, encarregado oficialmente de representar os interesses da companhia em entidades de classe — e, pelo que se descobriu mais tarde, em Brasília. Depois do erro na política de vendas, veio o desastre na compra de políticos.

Num relatório enviado a clientes logo após a delação de Mello, os analistas do banco Credit Suisse mostraram-se preocupados com a autonomia que o executivo tinha na empresa. “Como quase 30 milhões de reais saem assim do caixa da empresa?”, questionaram. E, se ele não agiu para beneficiar a Hypermarcas, por que fez o que fez?

Como ainda não há respostas, as ações da Hypermarcas caíram 10% desde o vazamento da delação, no fim de junho, enquanto o Ibovespa subiu 16%. Um de seus grandes acionistas, a gestora americana Capital Group, que tinha 20% da companhia, reduziu sua posição à metade. Ainda assim, o valor de mercado da empresa, de 16 bilhões de reais, continua próximo das máximas desde a abertura do capital em 2008.

EXAME apurou que, para não atrapalhar a venda de unidades de negócio num momento favorável para a companhia, Júnior pensa em sair da presidência do conselho de administração, cargo que ocupa desde a fundação. Nem ele nem a Hypermarcas estão sendo investigados. Em 2015, outra empresa de Júnior apareceu numa investigação da Lava-Jato.

A empresa de investimentos Monte Cristalina pagou 1,5 milhão de reais à consultoria de José Dirceu. A empresa informou ter encomendado serviços de análise e ter pagado preços de mercado. Funaro, ao ser preso, de acordo com notícias na imprensa, afirmou que seu contato na Hypermarcas era o próprio Júnior. Hypermarcas, Júnior e Mello não deram entrevista.

Medo de multas

Do fim de 2011 para cá, a Hypermarcas vendeu suas divisões de alimentos, higiene e limpeza, preservativos e cosméticos (esta última para a multinacional americana Coty em 2015). O próximo passo, como a própria empresa informou no fim do ano passado, era vender a divisão de fraldas.

EXAME apurou que o plano seguinte era vender a área de medicamentos, dona de marcas como Coristina, Doril e Gelol e a operação mais rentável da companhia. A Hypermarcas concluiu no trimestre passado a reestruturação da área de medicamentos, que foi dividida em três unidades: uma de remédios com prescrição médica, outra de remédios sem prescrição e uma terceira de genéricos.

Cada uma está sendo administrada como se fosse uma empresa — esse tipo de separação permite conhecer os números de cada negócio e pode facilitar a venda por partes. “As notícias devem levar a uma auditoria muito mais profunda por parte de qualquer interessado na divisão de fraldas”, afirma a equipe de analistas do banco JP Morgan num relatório sobre a empresa.

Nos Estados Unidos, o Foreign Corrupt Practices Act pune empresas americanas que tenham qualquer envolvimento com companhias pegas em atos de corrupção.

Dependendo do caso, as multas da Securities and Exchange Comission (SEC), agência reguladora do mercado americano, podem ser bilionárias. O problema não vai embora tão cedo. Outros funcionários da Hypermarcas deverão ser chamados para depor. Vai levar bastante tempo até tirar essa delação do caminho.

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