Xiang Bing, reitor da escola de negócios CKGSB, uma das mais procuradas pelos CEOs da China (Eduardo Frazão/Exame)
Publicado em 14 de fevereiro de 2025 às 06h00.
O professor Xiang Bing repete um mantra: não tenha medo de copiar. Se uma ideia deu certo em um mercado, é mais barato e seguro replicá-la do que criar algo do zero. Foi, afinal, a receita da China: o país se especializou em fabricar produtos criados no Ocidente, com custo menor.
Outro lema de Xiang é “você aprende a andar antes de aprender a correr”. O caso da DeepSeek, em que um serviço de IA criado por uma empresa chinesa assustou concorrentes por ser mais eficiente, mostra que esse momento chegou para a China. “Você vê empresas chinesas chegando ao mercado americano, competindo com os gigantes dos Estados Unidos e indo incrivelmente bem, até vencendo. Isso é sem precedentes”, disse.
Xiang acompanha o avanço chinês de perto e de dentro. Ele é fundador e reitor da Cheung Kong Graduate School of Business (CKGSB), entidade criada em 2002 que se tornou uma das principais escolas de negócios da China. Líderes de empresas como Alibaba e TikTok foram seus alunos.
O reitor visitou o Brasil e conversou com a EXAME após um evento realizado em parceria com a Saint Paul, escola de negócios adquirida pela EXAME em dezembro. Ele falou ainda sobre a situação atual da economia chinesa e revelou quais conselhos costuma dar para empreendedores.
Veremos mais iniciativas chinesas como a da DeepSeek nos próximos anos, em que o nível de inovação surpreendeu o mundo?
A China começou como um imitador, o que acontece com todos os países, incluindo os Estados Unidos em seus primórdios ou o Japão. Você aprende a andar antes de aprender a correr. Então, não se sinta mal por ser um imitador; a China seguiu esse caminho. Imitamos muito, talvez pelos primeiros 20 e poucos anos, desde 1978. Mas, nos últimos dez anos ou mais, cada vez mais empresas impulsionadas pela inovação surgiram na China. Cada vez mais as empresas chinesas tendem a competir em inovação. Isso não acontece apenas em veículos elétricos, baterias e painéis solares. Antes da DeepSeek,- houve o TikTok, a ascensão da Temu no mercado dos EUA, o crescimento da Shein. Você vê empresas chinesas chegando ao mercado americano, competindo com os gigantes dos EUA e indo incrivelmente bem, até vencendo. Isso é sem precedentes.
Como a competição da China com o Ocidente em tecnologia se desenrolou?
Há cerca de dez anos, os EUA eram mais impulsionados pela inovação, e a China, mais pela disrupção ou pela escala. Mas, na última década, os chineses melhoraram muito em inovação. A China e os EUA são os dois países que aproveitaram a revolução da internet. Recentemente, as empresas de tecnologia chinesas, em termos de capitalização, caíram um pouco, mas estou muito otimista de que a China se tornará mais voltada para a inovação. Pode, ainda, haver mais inovação revolucionária da China. O TikTok é o primeiro exemplo. E espero que a DeepSeek possa se qualificar. Ainda não está claro, porque há concorrência das empresas de IA, como Google e OpenAI.
A proibição do TikTok nos Estados Unidos pode complicar esse processo e frear a inovação chinesa?
Sim, haverá impactos. Caso contrário, [a ByteDance] teria sido a maior empresa unicórnio por muitos anos. Mas, se empresas como o TikTok não puderem operar nos Estados Unidos, veremos cada vez mais chineses criando empresas no Brasil, na Turquia. Os talentos, o dinheiro, a experiência estão com eles.
TikTok barrado nos EUA: medida pode levar chineses a investir mais em outros países (Kena Betancur/AFP/Getty Images)
Qual é seu principal conselho para empreendedores avançarem nesse cenário?
Primeiro, aproveite a nova tecnologia. Pense no que a tecnologia pode fazer em qualquer setor. Segundo, observe novos modelos de negócios globais. Se algo surgiu nos Estados Unidos e está crescendo exponencialmente há cinco anos, pense na relevância desse modelo para a China ou para o Brasil. Se já foi testado em um mercado e teve sucesso por alguns anos, a chance de funcionar é muito maior. Esse modelo gerou muitos bilionários na China e continuará gerando. Há mais de 30 setores na China que ainda precisam ser desregulamentados. Assim que forem, copie primeiro, ganhe dinheiro e depois inove. Primeiro, faça 10 bilhões de dólares. Depois, invista 1 bilhão em inovação.
Como sua escola tem preparado os alunos para lidar com a competição internacional?
Quando fundei a escola, em 2002, desenvolvi uma estratégia: sem rankings. Não queria competir com ninguém. Isso abriu novas possibilidades. Presidentes de Google, -Amazon, Goldman Sachs não frequentam MBAs tradicionais. Mesmo Harvard não atrai os líderes máximos das empresas americanas. Então, eu comecei com os CEOs das empresas mais respeitadas da China, como Sinopec e Alibaba. Se eu conseguisse formar uma turma com esses executivos, minha escola daria um salto. Normalmente, leva 20 anos para um aluno virar CEO. Por que esperar? Comecei com os CEOs desde o início. Mas havia desafios. É difícil ensinar pessoas desse calibre. Para eles, a mensalidade não é nada. O custo é o tempo que perdem. Então, contratei especialistas de ponta dos Estados Unidos e ofereci incentivos para que estudassem a economia e os negócios da China, porque os modelos tradicionais não se aplicavam ao nosso contexto.
O método de estudo de casos não funciona para vocês?
Para CEOs, não. Eles pensam: “Mostre algo realmente novo. Diga quais outras empresas eu preciso conhecer. Elas estão fazendo algo melhor do que eu?”. Precisamos de um corpo docente que crie conteú-dos exclusivos. Não se trata de rankings ou acreditações, mas de insights únicos. E, claro, quando você tem sucesso com esses insights e um grupo de pessoas estudando juntas, a rede de ex-alunos se torna um atrativo. Hoje, nossa rede de ex-alunos faz inveja a qualquer um. Nosso programa DBA [Doctor Business Administration] tem 70 alunos neste ano, sendo o maior do mundo, com uma taxa de 300.000 dólares por diploma. Somos considerados a elite da elite.
DeepSeek: a IA criada com custos menores surpreendeu o mercado global de tecnologia (Nasir Kachroo/NurPhoto/Getty Images)
E como tem sido o curso para criar unicórnios [startups avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares]?
É um dinheiro novo. Nenhuma escola de negócios tem algo parecido, atua no topo da pirâmide nem trabalha com esse novo dinheiro. Tivemos um sucesso imenso. Não concorro apenas com MBAs e EMBAs tradicionais. Dez anos atrás, nosso MBA preparava alunos para bancos e consultorias de elite. Hoje, os melhores alunos querem ser empreendedores. Eles não querem trabalhar para nenhuma empresa.
Como vê as perspectivas para a economia chinesa nos próximos anos?
Há muitas razões para ser otimista. A China e o governo chinês têm instrumentos que dão inveja a qualquer país. Contribuímos com cerca de 30% do crescimento econômico global por muitos anos. Além disso, somos a segunda maior economia do mundo. A China é a maior nação industrial e comercial do mundo. As pessoas falam sobre envelhecimento e diminuição da população, mas a idade média da China e dos EUA é a mesma, embora nossa população seja quatro vezes maior. Nossa força de trabalho tem 120 milhões de pessoas a mais do que a Índia, e muito mais trabalhadores qualificados. Isso não mudará- nos -próximos dez ou 20 anos. Para qualquer outro país alcançar a capacidade produtiva chinesa, levaria pelo menos dez anos. Além disso, temos mais de 30 setores que permanecem regulados [sob controle do Estado] e podem ser abertos. Podemos impulsionar a economia simplesmente pela desregulamentação, algo que não está disponível nos EUA. A única coisa que pode prejudicar o crescimento econômico da China é a própria China.
E como vê o cenário para a economia americana?
O neoliberalismo está praticamente esgotado nos EUA. Lá ainda existem algumas oportunidades, como a redução de impostos que Trump mencionou. Mas vejo os EUA com grandes problemas, pois dependem apenas da democracia liberal e do neoliberalismo. Há investimentos significativos em seguridade social, mas o problema dos EUA, para mim, é a falta de equidade. Há 27 milhões de pessoas sem acesso à saúde. Jovens não podem ir para a universidade se não tiverem dinheiro.
Algumas pessoas têm falado sobre uma bolha no setor imobiliário. Além disso, o crescimento econômico foi impulsionado por investimentos em infraestrutura, e agora não vemos essa alavancagem tão claramente. Essas duas questões serão alvo de ações do governo?
Muitas empresas estrangeiras estão retirando investimentos da China. Além disso, o setor privado chinês não está investindo no longo prazo. Isso é muito diferente da crise financeira global de 2008, quando empresas estrangeiras e privadas chinesas viam a situação como uma oportunidade para comprar ativos subvalorizados. Hoje, poucos empreendedores pensam assim. Esse é um grande risco para a China. O consumo e o PIB dependem desses investimentos estrangeiros e privados. Precisamos dessas duas frentes para mantermos a economia chinesa saudável. Se a economia continuar crescendo, muitos problemas desaparecerão antes mesmo de se materializarem. Mas, se parar de crescer, surgirão problemas, assim como em qualquer empresa: sem lucro e sem fluxo de caixa, uma grande companhia pode se tornar problemática. A economia chinesa não é exceção. O futuro depende de restaurar a confiança dos investidores estrangeiros e das empresas privadas. Contar apenas com investimentos de estatais ou do governo não funciona. Isso já foi provado em todos os países, inclusive na China, entre 1949 e 1978, quando essa fórmula falhou.
O que está reduzindo o interesse dos investidores estrangeiros?
O deslocamento da produção da China para o Sudeste Asiático já acontecia havia alguns anos, mesmo antes da covid, por questão de custo, e vai continuar. As empresas chinesas precisam realocar suas instalações e melhorar a competição por valor, e não apenas por preço. Essa transição leva tempo. As empresas chinesas estão se saindo bem em transformação digital. Porém, por várias razões, as empresas estrangeiras passaram a diversificar suas cadeias de suprimentos, para não dependerem tanto da China. Além disso, empresas privadas na China sentem falta de proteção de seus ativos. Isso as motiva a investir globalmente. No longo prazo, essa saída [de investidores] pode ser benéfica para a China. O mercado interno era tão lucrativo que não fazia sentido expandir. Mas, agora, estão sendo forçadas a se tornarem globais. Em dez anos, veremos que isso foi uma bênção.
Como vê a presença das empresas chinesas no Brasil? Há setores com mais potencial de crescimento?
Destaco o setor de commodities, incluindo a agricultura. Espero também mais colaboração entre China e Brasil, principalmente em sustentabilidade.
Como o Brics pode ajudar a melhorar a economia dos dois países?
No âmbito do Brics, a questão não envolve apenas a moeda, mas o comércio. Seria uma pena termos um cenário onde um líder como Donald Trump pudesse mudar toda a dinâmica global. É compreensível que os americanos priorizem seus interesses nacionais, mas um líder global deve agir com equilíbrio. É importante que mercados emergentes como China e Brasil assumam mais responsabilidades em investimentos, comércio e sistemas financeiros. Isso não significa ser contra os EUA, mas criar um contrapeso. Os EUA fazem enormes contribuições para a humanidade com sua ciência e avanços tecnológicos. Mas, quando um presidente como Trump assume e ignora princípios básicos, chega a ser chocante. Nem estou falando de princípios elevados, mas de decência básica. A humanidade está passando por avanços tecnológicos acelerados. Precisamos de progresso não apenas na modernização, mas também em um sentido mais amplo de modernidade e valores humanos. Os avanços tecnológicos acontecem rápido demais, enquanto o progresso social fica para trás ou até regride.
Quais são as próximas empresas que se tornarão enormes na China ou estão crescendo rapidamente, mas que ainda não conhecemos aqui no Ocidente?
Sou extremamente otimista sobre as disrupções induzidas pela IA. Espero que surjam mais empresas gigantes de biotecnologia, porque a China tem uma sociedade envelhecendo e uma enorme demanda por isso. A agricultura é outro setor importante.
O que uma empresa brasileira precisa para entrar no mercado chinês?
Você precisa ter a melhor tecnologia, incluindo IA e biotecnologia, e é necessário entender o ecossistema. O mercado chinês é enorme, mas muito competitivo, porque há muitas empresas estrangeiras e locais. O nível de eficiência e tecnologia de ponta está muito alto. As JVs [joint ventures] fazem cada vez mais sentido. São difíceis de administrar, mas, se você tiver uma JV na China visando o mercado chinês, pode fazer o mesmo no Brasil.