Revista Exame

A crise na construção e você

Sete questões sobre a situação do mercado imobiliário no país — que podem afetar quem comprou, ou pretende comprar, um imóvel

A crise na construção e você (Helton Costa/EXAME.com)

A crise na construção e você (Helton Costa/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 19 de março de 2012 às 11h34.

São Paulo - Existe alguma chance de os compradores não receberem os imóveis pelos quais pagaram? Os preços já subiram demais? Os atrasos  nas obras vão continuar? Para resolver dúvidas como essas, EXAME consultou advogados, assessores financeiros e executivos de bancos e empresas do mercado imobiliário nas últimas três semanas.

Segundo esses especialistas, de forma geral, os riscos para os clientes são baixos: novas leis aumentaram a segurança jurídica para quem compra imóveis no país e não há indícios de exageros crônicos no setor (como ocorreram nos Estados Unidos e na Europa). Leia, a seguir, suas principais respostas. 

1 - É possível que ocorra um novo caso como o da Encol, que quebrou na década de 90 e deixou milhares de clientes sem imóvel?

É pouco provável. A Encol quebrou em 1999, deixando centenas de empreendimentos inacabados em 65 cidades. Os 42 000 clientes que estavam pagando prestações de apartamentos em construção perderam o dinheiro e, em muitos casos, também ficaram sem o imóvel (alguns conseguiram se organizar para terminar as obras depois de alguns anos, mas muitos empreendimentos estavam deteriorados).

Ainda que alguma empresa tenha sérios problemas financeiros, a chance de os clientes perderem tudo é baixíssima hoje, segundo os especialistas ouvidos por EXAME. Para conceder financiamentos, os bancos exigem que as construtoras registrem cada empreendimento como uma empresa independente, com caixa próprio — o que não foi feito pela Encol.

O objetivo dessa exigência é evitar que problemas financeiros em um empreendimento contaminem os outros, derrubando a empresa num efeito dominó. Há duas formas de a incorporadora fazer isso: registrando o imóvel como uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) ou como patrimônio de afetação.

Nos dois casos, os compradores podem continuar a obra ou vender as unidades se a incorporadora quebrar. O patrimônio de afetação dá mais segurança ao comprador porque, em caso de falência, o empreendimento é excluído da massa falida, o que dá mais agilidade ao processo.


Na SPE, a permissão para assumir o imóvel e tocar as obras pode levar anos. Um ponto importante: nem a SPE nem o patrimônio de afetação são procedimentos obrigatórios. Os bancos costumam exigir os registros. O conselho é checar se o empreendimento se enquadra em uma das modalidades antes de assinar o contrato.

2 - O desempenho das ações de construtoras tem sido errático. As empresas cresceram, mas sem dar grande retorno aos acionistas. O que elas estão fazendo para mudar isso?

O problema do setor foi o crescimento desordenado. Entre 2006 e 2007, 22 incorporadoras abriram o capital e usaram boa parte dos 23 bilhões de reais captados com as ofertas de ações para comprar terrenos e lançar imóveis — o número de novos empreendimentos triplicou na época.

Mais tarde, muitas perceberam que não tinham estrutura para entregar tantas casas e apartamentos (cinco delas, com problemas financeiros, foram compradas, como a Klabin Segall e a Tenda). Os custos de mão de obra e de material de construção também dispararam, o que comprometeu as margens da maior parte das empresas.

Em 2011, as grandes companhias, como Cyrela e Gafisa, fizeram uma faxina interna para reduzir o ritmo de lançamentos, controlar custos e entregar o que já estava em obras. De 2006 a 2011, o caixa do setor foi negativo, porque os lançamentos continua­ram a consumir recursos e o dinheiro que seria embolsado com a entrega dos empreendimentos não veio, já que muitas obras estavam atrasadas.

A expectativa dos analistas é que a situação mude neste ano, porque as empresas têm um plano mais factível de entrega dos imóveis, o que poderia valorizar as ações. “As empresas estão fazendo um esforço visível para dar retorno aos acionistas”, diz Luiz Garcia, analista do Bradesco.

3 - O número de casas e apartamentos vendidos em capitais como São Paulo e Belo Horizonte caiu no ano passado, e a velocidade de venda também diminuiu — são cada vez mais raros os casos de prédios vendidos num único fim de semana. Isso significa que os preços devem baixar?

A alta de preços perdeu força recentemente. Depois de subir num ritmo mensal de 2,6% entre 2010 e o primeiro semestre de 2011, os preços passaram a aumentar 1,8% ao mês. “Os compradores estão mais resistentes e pesquisando mais, não estão mais aceitando as altas de preço como antes”, diz Henry Borenstein, vice-presidente executivo da incorporadora Helbor.


Só que, na opinião da maioria dos especialistas, isso não significa que os preços vão cair. Quem acompanha o setor acredita que, de forma geral, há espaço para novas altas porque, em média, os imóveis são mais baratos aqui do que em outros países emergentes. Na Rússia e na Índia, o preço médio do metro quadrado chega a ser 3,5 vezes maior do que no Brasil.

Mas os valores, claro, dependem da localização. Em bairros em que há pouquíssimos lançamentos, é comum que os preços subam de forma mais agressiva — é o que costuma ocorrer no Leblon, no Rio de Janeiro, ou em Higienópolis, em São Paulo. Onde há muitos empreendimentos em construção, as incorporadoras passaram a dar descontos recentemente, porque as vendas estão mais lentas.

4 - Quem comprou um imóvel no ano passado errou?

Os especialistas costumam dizer que quem achou o imóvel dos seus sonhos não deve pensar se está pagando o menor preço possível por ele. Se não se trata de um investimento, mas da compra da casa própria, outros fatores devem entrar na conta, como a localização, o estado de conservação etc.

Claro, quem tomou um empréstimo elevadíssimo para comprar um imóvel, imaginando que ele valorizaria num ritmo muito superior ao dos juros do financiamento, sempre corre o risco de não fazer um negócio tão bom assim.

Já para quem comprou querendo vender em pouco tempo para embolsar os lucros, os custos com impostos, cartórios e comissões acabam pesando mais num cenário em que os preços sobem mais devagar. 

5 - A crise das construtoras é sinal de que vivemos uma bolha imobiliária, como ocorreu nos Estados Unidos e na Europa?

Não. O que inflou a bolha imobiliária nos países desenvolvidos foi a farta oferta de crédito. Com dinheiro à disposição, era comum que os consumidores comprassem casas e apartamentos para especular: o objetivo não era usar os imóveis, mas revendê-los com lucro em poucos meses.

Aqui, o financiamento imobiliário responde por 5% do PIB, um dos menores percentuais do mundo, e os compradores são, na maioria dos casos, os futuros moradores. “Existe uma demanda reprimida, porque o país ficou anos sem crédito para o setor”, afirma Emílio Fugazza, diretor financeiro da Eztec.


Um segmento desse mercado que preocupa os especialistas é o de salas comerciais, que costumam ser ocupadas por profissionais liberais. Os lançamentos triplicaram recentemente, e executivos do setor dizem que boa parte dos escritórios foi comprada por investidores. As unidades serão entregues nos próximos anos, e a dúvida é se haverá demanda para ocupá-las.

6 - Há centenas de obras atrasadas no país. Por quê? Os atrasos vão continuar?

Os atrasos ocorreram porque o ritmo de novas construções aumentou demais em pouco tempo. Incorporadoras, cartórios de imóveis e prefeituras, que precisam analisar e aprovar os em­preen­dimentos, não conseguiram fazer frente à demanda.

A situação nos órgãos públicos deve continuar caótica — na cidade de São Paulo, o prazo de seis meses para aprovar documentos dobrou —, porque nenhum deles contratou mais funcionários ou investiu em sistemas. Mas a maioria das incorporadoras se reorganizou, passou a lançar menos e a se concentrar em entregar as obras já iniciadas.

Isso começou a reduzir os atrasos, ainda que lentamente. A gerenciadora de obras Tallento, que acompanha 156 canteiros pelo país, chegou a registrar no fim de 2010 atrasos de até 185 dias nas construções. Os prazos ainda estão fora do previsto, mas em 129 dias. Os próprios executivos do setor admitem que, em menos de três anos, será difícil fazer com que as obras sejam finalizadas no prazo.

“Como o ciclo de construção é longo, as mudanças feitas agora só vão dar resultado lá na frente. É preciso ter paciência”, diz Hernani Varella, sócio da Tallento. 

7 - O que os clientes prejudicados por atrasos de obra podem exigir?

As incorporadoras podem atrasar a entrega em 180 dias — a justificativa é que problemas climáticos e outros imprevistos podem prejudicar o andamento das obras. Se o atraso for maior, as companhias têm de pagar uma multa de 2% sobre o valor já pago e de 0,5% ao mês sobre o mesmo montante.

Essa multa é resultado de um acordo feito entre o Ministério Público e as incorporadoras em setembro, mas não está prevista em lei. Ou seja, a empresa pode se recusar a pagar. Nesse caso, se quiser receber algo, o comprador tem de ir à Justiça. O mesmo vale para quem comprou antes de o acordo entrar em vigor.

Acompanhe tudo sobre:Construção civilCrises em empresasEdição 1010ImóveisIndústria

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda