Revista Exame

A chamada nuvem verde é aliada na busca por zerar emissões

Empresas encontram no armazenamento de dados na internet uma grande aliada na busca por zerar as emissões de gases de efeito estufa

Participantes da COP26, em Glasgow: as discussões sobre o armazenamento de dados sustentável precisam evoluir (Emily Macinnes/Bloomberg/Getty Images)

Participantes da COP26, em Glasgow: as discussões sobre o armazenamento de dados sustentável precisam evoluir (Emily Macinnes/Bloomberg/Getty Images)

AB

Angela Bittencourt

Publicado em 19 de novembro de 2021 às 06h00.

Última atualização em 23 de novembro de 2021 às 09h48.

A questão ambiental é estratosférica na dimensão do adjetivo. E também na tecnológica. Reduzir a emissão de gases de efeito estufa, evitar catástrofes climáticas e cumprir metas que assegurem um futuro sustentável para o planeta custa caro e exige — sem exagero ou trocadilho — que até nuvem entre na conta. A nuvem que já socorre empresas dá acesso pela internet a dados armazenados com segurança a partir de qualquer computador e em qualquer lugar. O aparato, que engatinhava em 2010 e evoluiu tão rapidamente quanto o risco semeado pela covid-19 uma década depois, impondo a cultura digital, é conhecido hoje como nuvem verde. E não à toa. Ela viabiliza a redução do uso de energia, é aliada no combate às pegadas de carbono, propicia economia financeira e traz considerável ganho de eficiência. É um combo.

Embora já popular entre as empresas, a nuvem verde dificilmente terá destaque no noticiário marcado neste último mês de novembro por discursos de líderes globais e ambientalistas durante a COP26 — a conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o clima, que aconteceu em Glasgow, na Escócia. Embora coadjuvante, a nuvem verde esteve lá como suporte a uma frenética distribuição de informações e à contenção no consumo de energia para quase duas centenas de países comprometidos com a política de carbono zero desde 2015, quando subscreveram o Acordo de Paris, que prevê conter o aquecimento global abaixo de 2 ºC (preferencialmente em 1,5 ºC) em relação aos níveis pré-industriais.

Em meio a essa empreitada global chama a atenção a união de forças empresariais e multinacionais únicas em seus segmentos de atuação. Accenture e Salesforce, por exemplo, se uniram à Mastercard para reforçar sua capacidade de medir e analisar as emissões de carbono em toda a cadeia de valor. A ferramenta Salesforce Sustainability Cloud ajudará a líder de meios de pagamentos digitais a reduzir suas metas de gases de efeito estufa em 20% até 2025 a partir de uma linha de referência de 2016.

Rumo ao Net Zero

Líder global em gerenciamento de relacionamento com o cliente, ou Customer Relationship Management — CRM, na popular sigla em inglês —, a Salesforce alcançou, neste segundo semestre, a meta de carbono zero e passou a trabalhar com energia 100% renovável, após um trabalho de desenvolvimento estratégico de redução de emissões em quatro categorias-chave: trabalho de qualquer lugar, infraestrutura, viagens de negócios e cadeias de suprimento. Marc Benioff, CEO da companhia, orgulha-se do feito. “A mudança climática é uma das crises mais urgentes a enfrentar como um planeta, e cada um de nós tem a responsabilidade de ajudar”, afirma o executivo, para quem “juntos, podemos sequestrar 100 gigatoneladas de carbono restaurando, conservando ou cultivando 1 trilhão de árvores, desenvolvendo soluções climáticas inovadoras e acelerando [as empresas que compõem] a Fortune 1000 para chegar ao net zero.”

Ativistas na Inglaterra pedem subsídios para alimentos plant-based: temas ambientais na pauta das empresas (Wiktor Szymanowicz/Barcroft Media/Getty Images)

Neste mês, a Salesforce trouxe novidades. Na abertura do evento Dreamforce 2021, ­Benioff compartilhou a visão da empresa sobre o futuro do ambiente de trabalho, as ações que têm sido tomadas para combater a crise climática, e a importância de cultivar e fortalecer a confiança com os clientes. As iniciativas Salesforce+ e Salesforce Customer 360, detalhadas pelo executivo, fortalecem o uso do Slack — instrumento de comunicação interna corporativa — e ajudarão as empresas a construir hubs digitais.

Mercado de carbono

O Brasil está engajado nessa jornada, revela um estudo encomendado pela International­ Chamber of Commerce — ICC Brasil — à ­WayCarbon, líder em consultoria estratégica com foco exclusivo em sustentabilidade e mudança do clima na América Latina. Com o apoio da Suzano, Microsoft, Shell, Natura, Bayer e BP, o documento elaborado pela ­WayCarbon informa que o mercado de carbono no Brasil pode gerar até 100 bilhões de dólares em receitas de créditos de carbono até 2030. Essas receitas, equivalentes a 1 bilhão de toneladas de gás carbônico, seriam destinadas aos setores de agronegócio, florestas e energia na próxima década. Não é pouca coisa. Uma fonte inequívoca de financiamento de projetos.

Em entrevista à EXAME CEO, Gabriella Dorlhiac, diretora executiva da ICC Brasil, afirma que um passo importante na transição para a nuvem é como as empresas vão se sentir incentivadas para promover o ajuste dos meios de produção e, dessa forma, participar — e obter retorno — como emissoras de créditos de carbono. “Isso vai exigir das empresas uma série de soluções tecnológicas e de produção e ferramentas. O estudo da WayCarbon aponta os benefícios da emissão de créditos de carbono e as inovações. Há um pacote de soluções tecnológicas, melhorias de processos e soluções não convencionais acessíveis para que as empresas possam calcular sua pegada de carbono. A tecnologia será um driver fundamental. E esperamos que esse potencial todo do mercado de carbono brasileiro possa ser implementado quanto antes e impulsione a melhoria de processos nas empresas”, afirma Dorlhiac.

A mobilização de atores de diferentes setores não surpreende ante a constatação de que a tecnologia da informação e comunicação — coração da economia moderna — é responsável por parcela substantiva do crescimento mundial do consumo de energia. E aqui entra a nuvem verde viabilizando o monitoramento online de documentos, atividades e a gestão de imensos data centers que, com o tempo, tendem a dispensar a alocação de estruturas físicas e a refrigeração para toneladas de equipamentos tradicionais. Esse conjunto de ações propicia a redução de despesas financeiras, uma contribuição e tanto para o reerguimento das economias na fase pós-pandemia de fortalecimento sobretudo da atividade fabril e de prestação de serviços.

O caminho até a nuvem

Mas a adaptação das empresas não é tão simples. Joanes Ribas, executiva de sustentabilidade da Vivo, afirma que um dos maiores desafios para uma migração perfeita de dados está na decisão do melhor projeto e mapeamento do próprio ambiente das empresas que percebem, cada vez mais, as vantagens imediatas da utilização dos serviços de nuvem, como a redução de custos e o retorno de investimentos, além de uma série de benefícios em sustentabilidade.

A executiva explica que muitas companhias não contam com áreas ou equipes especializadas para fazer essa gestão e análises técnicas. Mas, ao decidirem migrar qualquer operação para a nuvem, é preciso que tenham algum parceiro que as guie em toda essa jornada e aponte qual é o melhor modelo de nuvem entre os diversos provedores disponíveis. “Esse processo de adoção de nuvem vem se tornando indispensável, tendo um forte crescimento desde o ano passado por causa da necessária digitalização dos negócios, influenciada pela pandemia. A Vivo acompanha a transição digital de seus clientes e garante que as empresas façam uma migração perfeita para a nova arquitetura em cloud com impacto mínimo nas operações.”

A Vivo conta com uma plataforma digital — uma espécie de marketplace — que hospeda os principais provedores em serviços de nuvem do mercado, como Microsoft Azure, Huawei Cloud e Amazon Web Services (AWS). Trata-se da Vivo Plataforma Digital, para proporcionar experiência 100% online, possibilitando a contratação facilitada do portfólio digital da operadora com a gestão desses serviços.

A executiva de sustentabilidade da Vivo cita um estudo realizado pela consultoria britânica Carbon Trust que revelou que atualmente a indústria de telecom é responsável por cerca de 0,4% das emissões de gases de efeito estufa globalmente. Isso permite que outros ramos da economia reduzam dez vezes mais o que o setor emite, aproximadamente 4% das emissões globais. Segundo Ribas, cerca de 200 toneladas de gás carbônico são evitadas pelos clientes da Vivo Empresas com as tecnologias de nuvem.

Bom para o bolso

Para as empresas, migrar para a computação em nuvem é um desafio mas também uma oportunidade para rever fluxos de trabalho, defendem especialistas em tecnologia ouvidos pela EXAME CEO. Essa migração, afirmam, deve ser vista como um processo de transformação digital que traz vantagens competitivas. É um equívoco avaliar a jornada digital apartada de urgências ambientais.

A exemplo da Mastercard, o cumprimento da meta de carbono zero mobiliza instituições financeiras, uma vez que cabe ao setor um duplo papel: atender a critérios ambientais, sociais e de governança — ESG, na sigla em inglês — em suas operações e também exigir de seus clientes as mesmas práticas. A oferta de crédito, de financiamentos e de investimentos estará disponível, em velocidade crescente, aos aliados de metas ESG já abraçadas por autoridades monetárias do mundo inteiro e incorporadas por agências de rating às recomendações dirigidas a investidores atentos ao risco de crédito.

Fibras ópticas no data center da empresa Deutsche Bahn, em Berlim: investimento em infraestrutura (Britta Pedersen/picture alliance/Getty Images)

A Neo Investimentos é um exemplo doméstico nesse sentido. A gestora brasileira já zerou as emissões de carbono, tendo suas próprias práticas submetidas à avaliação de consultoria especializada (MOSS) que mensurou suas metas a partir de viagens realizadas, consumo de energia elétrica e número de funcionários, entre outros quesitos. A meta de carbono zero foi estimada e alcançada por meio de compra de créditos de carbono que hoje são negociados como criptomoedas (MCO2 Token), informa o CEO da Neo, Marcelo Cabral.

O executivo explica que esse passo faz parte do programa interno criado pela gestora chamado Neo Verde, que visa a racionalização da utilização de recursos e da geração de resí­duos. Troca de lâmpadas, pilhas recarregáveis e copos biodegradáveis são exemplos de outras iniciativas adotadas pela instituição que acaba de concluir o primeiro ano de um projeto a ser desenvolvido em três anos de práticas ESG.

Na ponta do atendimento, a gestora exclui de seu portfólio empresas que possuam trabalho escravo ou trabalho infantil e empresas de setores como tabaco, armas e jogos de azar. Em contraponto, a Neo Investimentos orienta sua política de investimento e análises para tomada de decisão levando em conta ajustes financeiros e econômicos que contemplem critérios ambientais, sociais e de governança. E adotou como prática a divulgação de relatórios perió­dicos com a evolução da implementação da agenda ESG entre as empresas investidas.

Quanto ao processo de migração para a nuvem verde, Cabral relata que a Neo opera em um ambiente híbrido e tem um ambiente de contingência 100% em nuvem, capaz de assumir toda a operação da instituição em caso de inoperância do site local — instalado na capital paulista. “A ideia é ficar 100% em nuvem ao longo do tempo, conforme o hardware local for se tornando obsoleto. Mas ainda conseguiremos operar nesse ambiente misto por mais dois ou três anos”, explica o CEO.

Para desenvolver o processo de migração, a gestora contratou a Atual-IT, que já era prestadora de serviços da empresa, procedimento que ajudou muito na superação de dificuldades. “Enfrentamos questões de performance porque inicialmente o ambiente rodava em um site nos Estados Unidos e possuía uma latência alta. Após mudarmos para um site no Brasil, essa questão tornou-se imperceptível”, afirma Cabral, para quem os ganhos obtidos por trabalhar com dados na nuvem já são mensuráveis. “Praticamente não temos mais investimento em hardware há pelo menos três anos. E os custos da nuvem, que até pouco tempo atrás eram muito elevados, agora estão bastante competitivos.”

Acompanhe tudo sobre:CarbonoEfeito estufaexame-ceoPegada de carbonoSustentabilidade

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda