Revista Exame

A corrida da Eletropaulo para evitar (outro) caos

Depois de enfrentar um apagão de quase 60 horas em São Paulo, a AES Eletropaulo revê seus investimentos, mas permanece sob a ameaça de perder a concessão

A cidade de São Paulo no escuro: a energia elétrica só foi restabelecida pela Eletropaulo após 40 horas (Antonio Milena)

A cidade de São Paulo no escuro: a energia elétrica só foi restabelecida pela Eletropaulo após 40 horas (Antonio Milena)

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Da Redação

Publicado em 18 de julho de 2011 às 16h42.

Para cerca de 2 milhões de pessoas que vivem em São Paulo, a noite do dia 7 de junho será lembrada com um misto de ansiedade e perplexidade. A ansiedade ficou por conta da despedida do craque Ronaldo da seleção brasileira. O palco escolhido para a última partida de sua carreira, realizada contra a Romênia, havia sido o septuagenário Pacaembu, na zona oeste da cidade — e, para angústia de muitos torcedores, ele não marcou nem um gol sequer nos 15 minutos em que esteve em campo.

A perplexidade — que para alguns transformou-se em desespero — materializou-se em escuridão. No final da tarde, um blecaute generalizado atingiu os 24 municípios da região metropolitana da maior cidade do país. A passagem de um ciclone extratropical pelo sul do estado naquele fim de tarde trouxe ventos de até 120 quilômetros por hora — o suficiente para derrubar 260 árvores e interromper o fornecimento de energia a cerca de 600.000 imóveis.

A chuva que se seguiu durante 10 horas quase ininterruptas transformou o que já seria uma situação de calamidade no mais absoluto caos — os 185 quilômetros de congestionamento que se formou praticamente bloquearam o acesso de técnicos da AES Eletropaulo, a concessionária de energia elétrica responsável pela região, a uma centena de cabos e postes danificados.

Resultado: parte da população de municípios como Osasco, Cotia, Barueri e Itapevi só tiveram a eletricidade restabelecida 60 horas depois. Na cidade de São Paulo, a luz só voltou a 100% dos bairros após 40 horas. "Casos como esse fogem a nosso controle", diz Britaldo Soares, presidente da AES Eletropaulo. "Fizemos o possível dentro das condições disponíveis."


Poucas horas após o apagão, a AES Eletropaulo, maior concessionária de energia elétrica do país, com faturamento na casa dos 9 bilhões de dólares, deu início à formação de uma força-tarefa para lidar com a pane. As equipes de emergência, encarregadas da retirada de árvores caídas e do conserto de postes, foram triplicadas para 1 800 técnicos — cerca de 30 engenheiros que trabalhavam nos escritórios da empresa foram convocados para ajudar nos trabalhos.

Ao mesmo tempo, 400 funcionários de áreas como a de ouvidoria foram destacados para reforçar o call center — em apenas quatro dias, a Eletropaulo recebeu 1,6 milhão de telefonemas, 20 vezes mais que o verificado em um período comum. Tais medidas, no entanto, não foram suficientes para livrar a concessionária de uma crise de imagem sem precedentes em sua história.

Com todas as linhas telefônicas congestionadas por quase dois dias, a AES Eletropaulo ficou entre as mais reclamadas da Fundação Procon de São Paulo. Entre 7 e 10 de junho, foram 900 queixas, ante uma média de 40 nas semanas anteriores. A piora na qualidade do serviço já havia feito com que a concessionária fosse multada em 4,7 milhões de reais pelo Procon em março.

Com os problemas do apagão de junho, a autarquia pediu à Aneel, agência que regula o setor, uma intervenção na Eletropaulo, retirando-lhe a concessão. Ao mesmo tempo, o Procon uniu-se à Procuradoria Geral do Estado para entrar com uma ação civil pública contra a empresa, acusando-a de má prestação do serviço e ineficiência no atendimento.

"É, de fato, uma medida extrema. Mas foi a única forma que encontramos de obrigar a Eletropaulo a melhorar seus serviços", diz Carlos Coscarelli, assessor-chefe da presidência do Procon de São Paulo. (Até o fechamento desta edição, o caso ainda estava sendo analisado pela Aneel.)  

Embora quase sempre desastrosos, blecautes como os que aconteceram em São Paulo são relativamente comuns em grandes centros do mundo todo. Só neste ano, estima-se que 30 cidades dos Estados Unidos à Austrália tenham sofrido algum tipo de corte de eletricidade — a maior parte provocada por fenômenos naturais como tornados ou pequenos tremores de terra.


O que chama a atenção no caso de São Paulo, portanto, não é tanto o apagão em si, ocorrido logo após um fenômeno climático atípico, mas a demora da Eletropaulo em restabelecer o serviço. Poucos meses antes, em 21 de fevereiro, a cidade havia passado por uma situação igualmente calamitosa: uma tempestade derrubara 120 árvores e deixara cerca de 400.0000 imóveis sem energia durante um dia.

As medidas tomadas pela Eletropaulo para o que até então havia sido um dos maiores blecautes dos últimos anos na cidade não foram muito diferentes daquelas adotadas agora. A equipe de técnicos nas ruas passou de 600 para 1 500 e o número de atendentes no call center aumentou 15%. O problema é que, de lá para cá, quase nada foi feito para evitar que o estrago se repetisse.

O plano de investimentos da empresa, que previa a instalação de 1.000 religadores automáticos no primeiro semestre deste ano, algo que permitiria o restabelecimento do serviço de forma remota, permaneceu intacto — muito embora esse número estivesse muito aquém do que seria necessário para uma cidade do porte de São Paulo.

Segundo estimativas conservadoras, para evitar o caos do dia 7, a Eletropaulo deveria ter instalado pelo menos três vezes mais aparelhos.  "É óbvio que não há condições mínimas de atendimento rápido ao usuário nem de prevenção a problemas como tempestade e vento, que todo mundo sabe que acontecem o tempo todo", afirmou na ocasião o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.

Depois do apagão do início de junho — e devido ao enorme mal-estar que se seguiu entre a Eletropaulo e as autoridades do governo —, a empresa começou a rever seus investimentos. Desde então, uma equipe de 50 executivos e engenheiros tem se reunido duas vezes por semana para reavaliar a injeção dos 350 milhões de reais que a empresa ainda tem para investir neste ano (metade dos 740 milhões previstos para 2011).


Entre as medidas estudadas estão aumentar o número de funcionários responsáveis pela poda das árvores e dobrar a quantidade de religadores automáticos na rede — atualmente, existem 1 300 em operação. Eles têm até o final de julho para apresentar uma nova proposta à presidência da empresa.

"Não é uma questão de dinheiro. Nos últimos dois anos, investimos metade do lucro para a melhoria da infraestrutura", diz Soares, da Eletropaulo. "Mas vamos repensar a alocação do capital. É provável que encontremos formas mais eficazes de fazer valer o investimento."
Resolver de vez os gargalos da rede elétrica de uma cidade como São Paulo, no entanto, exigirá mais do que podas de árvores.

A solução, segundo especialistas, passa pela instalação de cabos subterrâneos de energia, que chegam a custar dez vezes mais que a fiação aérea, sustentada por postes. Estima-se que, para cobrir a maior cidade do país, sejam necessários 100 bilhões de reais.

"A discussão gira em torno de quem deve pagar essa conta, se as empresas ou o poder público," diz Eduardo Bernini, ex-presidente da AES Eletropaulo e sócio da consultoria Tiempo Giusto, especializada no setor elétrico. "Essa conversa já se arrasta há mais de uma década, sem nenhuma perspectiva de solução rápida."

Enquanto a resposta não vem, a Eletropaulo se vira como pode para tentar melhorar sua imagem perante o consumidor. Desde o dia 17 de junho, uma equipe de 100 funcionários da empresa tem percorrido ruas das cidades da região atrás de consumidores que tiveram prejuízos com o apagão — e os orienta sobre como pedir indenização.

Com isso, o número de reclamações registradas no Procon caiu para "apenas" 100 nas duas semanas seguintes. É um paliativo. Em breve, as chuvas de verão voltarão a provocar o caos em São Paulo. Se outros apagões como o de junho voltarem a acontecer, pedir desculpas pode não ser o suficiente.
 

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