Revista Exame

A corrida contra a seca

Uma nova semente de soja desenvolvida pela Embrapa coloca o Brasil na disputa mundial para lidar com a falta de chuva no campo

Américo Amano, produtor de Cambé (PR): no lugar da palha já deveria estar brotando a soja (Pedro Crusiol/EXAME)

Américo Amano, produtor de Cambé (PR): no lugar da palha já deveria estar brotando a soja (Pedro Crusiol/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 1 de dezembro de 2014 às 05h00.

Cambé e Londrina - O agricultor américo Amano, de 59 anos, cultiva soja desde a década de 70 em Cambé, município de 103 000 habitantes nas proximidades de Londrina, no norte paranaense. Amano fatura em média 720 000 reais numa área de 240 hectares a cada safra, plantada no início de outubro e colhida quatro meses depois, em meados de fevereiro.

Mas está cada vez mais difícil adaptar o ciclo da soja aos ditames da natureza. O motivo: a escassez de água nos períodos em que deveria chover na lavoura. Em janeiro e fevereiro deste ano, quando a soja de Amano estava se desenvolvendo no campo, caíram apenas 44 milímetros de chuva em suas terras, um sexto do volume normalmente registrado.

“A produtividade diminuiu e tive um prejuízo de 100 000 reais”, diz ele. “Foi um dos piores anos para a agricultura nesta parte do Paraná.” Na safra atual, a ser colhida no ano que vem, os problemas vieram mais cedo. Amano plantou em metade de suas terras no início de outubro — mas, como as chuvas não chegaram na época prevista, parte das sementes não germinou.

Por isso, ele decidiu adiar o restante da semeadura. No início de novembro, quando a reportagem de EXAME esteve na região, a maior parte da terra que deveria estar ocupada por brotos de soja ou pelas máquinas plantadeiras permanecia coberta apenas pela palha seca das lavouras de inverno, como o trigo. “Muitos agricultores estão, como eu, olhando para o céu à espera da chuva”, diz Amano.

A boa notícia é que, a apenas 30 quilômetros da fazenda de Amano, está em desenvolvimento uma tecnologia que promete diminuir os danos da seca. Numa propriedade de 300 hectares ocupada pela Embrapa Soja — um braço da estatal encarregada da pesquisa agrícola no Brasil —, um grupo de pesquisadores obteve os primeiros resultados com uma semente mais tolerante à escassez de água.

No início da década passada, um centro de pesquisas ligado ao governo japonês descobriu um gene de uma planta da família da mostarda capaz de proporcionar resistência a longos períodos de estiagem. Os japoneses fecharam uma parceria com a Embrapa para modificar o DNA da soja com a implantação do gene.

As sementes modificadas foram plantadas pela primeira vez num campo experimental na safra passada. Os resultados são promissores: a nova soja transgênica produziu de 240 a 300 quilos a mais por hectare do que as variedades convencionais. “Estamos no caminho certo”, diz Alexandre Nepomuceno, pesquisador da Embrapa Soja responsável pelo projeto. 

Casos como o do agricultor Amano não são isolados. A ocorrência de períodos de seca nas estações chuvosas está mais frequente no Brasil. Os especialistas atribuem o fenômeno às mudanças climáticas. No ano passado, as perdas causadas às lavouras de milho e de soja pela falta de chuva somaram quase 10 bilhões de reais — 66% mais do que os prejuízos com a seca de toda a década de 80.

Um levantamento do Instituto Nacional de Me­teo­rologia, que analisou dados sobre o clima no país desde 1961, mostra que houve diminuição na média anual de chuvas em áreas de produção agrícola, como a região do Mapitoba — formada pelo sul dos estados do Maranhão e do Piauí, pelo oeste da Bahia e pelo Tocantins — e também de Mato Grosso do Sul e do Paraná.

Na área de Londrina, os prejuízos causados pela escassez de chuva chegaram a 170 milhões de reais na safra passada, segundo os cálculos da cooperativa Integrada, à qual são associados 7 500 agricultores de 44 municípios paranaenses. 

Estima-se que o Brasil seja, entre os grandes produtores de grãos, o segundo colocado na lista de países com maior prejuízo causado pela seca, atrás dos Estados Unidos. Os danos acabam diluídos pelos sucessivos recordes de produção obtidos com a abertura de novas fronteiras agrícolas e com o uso de mais tecnologia no campo.

Embrapa Soja, em Londrina: esforço para desenvolver soja resistente à seca (Ronaldo Ronan/Divulgação)

No ano passado, o país colheu 190 milhões de toneladas de grãos, 16% mais do que em 2012. Um estudo do Banco Mundial mostra, porém, que os efeitos das mudanças climáticas podem fazer o Brasil perder 11 milhões de hectares de terras adequadas à agricultura até 2030.

As implicações são globais. Desde 2009, a participação brasileira na produção mundial de soja e milho passou de 10% para 13%. “A ocorrência de secas mais frequentes em países produtores pode colocar em risco a oferta de alimentos”, diz Oscar Rojas, pesquisador da FAO, órgão das Nações Unidas dedicado a agricultura e alimentos. “Precisamos de prevenção contra as secas.” 

Tecnologia

Uma das formas de fazer isso é desenvolver plantas mais resistentes à falta de água. A soja tolerante à seca insere o Brasil na corrida tecnológica para combater os efeitos das mudanças climáticas na agricultura. A disputa é acirrada. O Sistema de Informação para Biotecnologia americano registrou no ano passado a aprovação de 117 testes de campo para sementes resistentes à estiagem.

As empresas e os centros de pesquisa passaram a se concentrar com mais afinco nessa linha de trabalho após a seca de 2012, que foi a pior nos Estados Unidos desde a década de 50 e causou prejuízos de 23 bilhões de dólares aos agricultores.

Em 2013, a Monsanto foi a primeira companhia a pôr no mercado uma variedade de milho transgênica capaz de suportar a estiagem — não há previsão de quando a semente chegará ao mercado brasileiro. 

O Brasil está avançando no caso da soja, mas pode ficar no meio do caminho por causa de entraves já conhecidos. O primeiro deles: a falta de recursos. Para a primeira fase do projeto da soja tolerante à seca, que começou em 2009 e vai até o ano que vem, a Embrapa Soja tem um orçamento de 4,5 milhões de dólares, sem contar os recursos dos parceiros japoneses, cujo montante não é divulgado.

A quantia está longe de ser suficiente para levar uma semente geneticamente modificada do laboratório ao mercado. De acordo com a consultoria americana Phillips McDougall, desenvolver, testar e produzir uma planta transgênica custa em média 136 milhões de dólares.

“Nos Estados Unidos, os agricultores direcionam um valor de cada saca de grãos vendida para um fundo de pesquisa e desenvolvimento”, diz Nepomuceno, da Embrapa. “Se um modelo semelhante fosse adotado no Brasil, teríamos mais recursos, e as pesquisas avançariam mais rapidamente.”

Há por aqui também um problema institucional. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão oficial responsável por aprovar o comércio de variedades transgênicas, exige que testes sejam feitos em todos os lugares onde elas serão usadas. Isso exige mais tempo e aumenta os custos de pesquisa.

Nos Estados Unidos, basta fazer experimentos em uma só região. Além disso, a comissão brasileira leva em média 18 meses para dar um veredito sobre a liberação comercial de uma nova semente transgênica. Nos Estados Unidos, a média é de 12 meses.

“O orçamento da CTNBio não acompanhou o aumento da demanda por seus serviços nos últimos anos”, diz Adriana Brondani, diretora executiva do Conselho para Informações de Biossegurança, entidade que reúne especialistas em biotecnologia. “Isso causa atrasos nos trabalhos.” Além das intempéries, os agricultores brasileiros têm de lidar com a velha praga da burocracia.

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