Revista Exame

A corrida à bolsa

Os menores juros da história do país estão levando centenas de milhares de investidores ao mercado de ações. A pandemia da covid-19 só ajudou

Por décadas, a bolsa de valores foi dominada por investidores homens, mais velhos e com muitos recursos. Agora é a vez de mulheres, jovens e quem tem menos dinheiro para comprar ações de empresas | Catarina Bessell (Catarina Bessell/Divulgação)

Por décadas, a bolsa de valores foi dominada por investidores homens, mais velhos e com muitos recursos. Agora é a vez de mulheres, jovens e quem tem menos dinheiro para comprar ações de empresas | Catarina Bessell (Catarina Bessell/Divulgação)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 4 de junho de 2020 às 05h55.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 12h42.

Tem assunto novo nas rodas de conversa (ao vivo, onde possível, e virtual, quando o distanciamento por causa do novo coronavírus se impõe) no Brasil. Além de futebol, das novelas e da política, os temas tradicionais, é cada vez mais comum a troca de ideias sobre empresas de capital aberto, ou seja, que têm ações negociadas na bolsa de valores. A Petrobras vai subir mais? Que companhias pagam bons dividendos? É hora de comprar Vale? Perguntas que antes só eram feitas por investidores com muitos recursos, principalmente homens mais velhos, agora estão na boca dos jovens, das mulheres e até de quem tem o orçamento mais apertado.

O brasileiro está interessado em aprender a aplicar melhor seu dinheiro e, com os juros mais baixos da história, a chamada renda variável vem ganhando terreno. De 2017 a 2019, 800.000 investidores pessoa física se registraram para começar a aplicar na B3, a bolsa brasileira. Neste ano, apesar da pandemia da infecção respiratória covid-19, outros 500.000 entraram no mercado, elevando para 1,9 milhão o contingente de brasileiros que investem em ações. É uma tendência que não tem volta e que deve transformar o país, e não apenas o setor financeiro.

Tornar o investimento em ações acessível a um número maior de pessoas físicas no Brasil é um objetivo perseguido por bancos, corretoras, empresas abertas e pela B3 há muito tempo. Em 2009, quando o contingente de investidores era de 552.000, a bolsa dizia que seria possível chegar a 5 milhões em cinco anos. Mas o Brasil passou seis anos desta década estagnado com 500.000 pessoas que tinham contas para negociar na bolsa, de 2011 a 2016. O principal impeditivo eram os juros altos: ganhar 1% ao mês com o Certificado de Depósito Interbancário (CDI), uma aplicação de baixo risco, era fácil demais. Somente quando a taxa de referência Selic começou a ser reduzida consistentemente, em 2016, o investidor resolveu considerar outras opções. De lá para cá, os juros foram cortados de 14,25% ao ano para 3%, e o brasileiro tomou gosto pela bolsa, como evidencia seu comportamento na atual crise.

O mercado esperava que a pessoa física seria a primeira a correr das fortes baixas que o Ibovespa, principal índice acionário da B3, teve entre fevereiro e março. No primeiro trimestre do ano, chegou a recuar 47,6%. Contra todas as expectativas, enquanto os estrangeiros vendiam seus papéis — num total de 76,9 bilhões de reais até 31 de maio —, os pequenos investidores brasileiros compraram 35,3 bilhões. Ainda mais interessante do que o aumento dos cadastros de pessoas físicas na bolsa é sua atividade.

Durante os anos de pasmaceira na base de investidores, apenas 100.000 pessoas faziam negócios pelo menos uma vez ao mês. Esse total passou para 500.000 no ano passado, subiu para 900.000 entre janeiro e fevereiro e alcançou 1,3 milhão em março — mês em que a bolsa precisou acionar o circuit braker, seu botão antipânico que paralisa as negociações quando a queda do Ibovespa ultrapassa 10%, 15% ou 20%, todos os dias em uma mesma semana. Esse movimento é fruto da mudança estrutural macroeconômica. O juro baixo surpreendeu a todos”, diz Gilson Finkelsztain, presidente da B3. “Esta é a primeira grande crise em que o investidor não tem a aplicação na taxa de juro do governo como saída, e isso está ajudando demais a educar o investidor.”

Operador de máscara na volta do pregão ao vivo da bolsa de Nova York após fechamento pelo novo coronavírus: a crise está testando os nervos dos investidores novatos | Brendan McDermid/Reuters

O impressionante resultado dessa corrida é que as transações da pessoa física já respondem por quase 20% de tudo o que é negociado na bolsa por dia; em maio, a média total foi de 11 bilhões de reais. O volume que essa classe de investidor tem aplicado diretamente em ações no momento equivale a quase 260 bilhões de reais, o que representa 14% de tudo o que está disponível para negociação na bolsa. O perfil do investidor também mudou bastante nos últimos anos, segundo uma pesquisa divulgada em maio pela B3. Em 2013, 56% dos investidores tinham acima de 60 anos. Esse percentual caiu para 23% agora. Enquanto isso, a fatia de aplicadores de 25 a 39 anos subiu de 19% para 49%. O investidor entendeu que não é uma questão de estar ou não aplicado na bolsa, mas, sim, de quanto do patrimônio está alocado. As mulheres investidoras em ações, apenas 100.000 em 2013, agora somam 500.000. Em março, 30% dos investidores que fizeram sua primeira compra de ações aportaram até 500 reais na bolsa. Outros 40% investiram de 500 a 5.000 reais, indicando que até o público de renda mais baixa começa a fazer suas aplicações. (Leia abaixo, as histórias dos novatos.)

Todo o ecossistema do mercado financeiro está sendo favorecido por essa onda. As centenárias corretoras de valores se transformaram em plataformas digitais de investimento, tomando para si também a responsabilidade de multiplicar conhecimento, disponibilizando para seus clientes notícias, cursos e análises de aplicações. A B3, por sua vez, oferece uma variedade muito maior de ativos que inclui os fundos de índice (ETFs, na sigla em inglês) e as cotas de fundos imobiliários. A bolsa está empenhada, agora, em liberar para o investidor de varejo o investimento em companhias internacionais que tenham registrados no país recibos brasileiros de ações, os BDRs. Atualmente, essa possibilidade está aberta apenas para investidores com patrimônio de, pelo menos, 1 milhão de reais aplicado no mercado financeiro. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado, realizou no início do ano uma audiência pública sobre o assunto, mas o colegiado da casa ainda não apresentou seu entendimento final para a regra.

Os intermediários na relação entre o investidor e a bolsa comemoram. Para a corretora e gestora XP Investimentos, pioneira na popularização da aplicação em ações no país, a expansão do começo deste ano é surpreendente e ao mesmo tempo esperada. Acreditar que o brasileiro teria de diversificar seus investimentos é o pilar da casa, fundada em 2001. Hoje, a XP tem em sua base 2 milhões de clientes ativos, somando quem aplica na plataforma de fundos e quem usa os serviços da corretora — ou ambos. “O número de 2 milhões de pessoas físicas cadastradas na B3 é bom, mas o espaço para crescimento ainda é enorme, considerando que mais de 50 milhões de brasileiros possuem algum tipo de poupança. Não me espantaria nada se nos próximos dois anos chegássemos a 10 milhões de pessoas cadastradas na bolsa”, diz Gabriel Leal, sócio diretor da XP Investimentos.

Marcelo Flora, sócio do banco BTG Pactual, conta que o banco também vislumbrava esse cenário ao apostar fortemente desde 2014 na criação da plataforma de investimentos BTG Digital, hoje a segunda maior do país. “No mundo todo, a migração de recursos para a renda variável está diretamente relacionada à queda da taxa de juro. Foi assim também nos Estados Unidos a partir da década de 1970. Hoje, 80% da riqueza das famílias americanas está aplicada em ações”, diz. “Aqui, isso deve ocorrer de forma mais acelerada ainda, pois acontece em um momento em que o universo digital favorece e facilita esse movimento.”

Quando um investidor aplica na bolsa, nem sempre ele tem consciência do que isso significa para o país. Na prática, ajuda as empresas a se financiarem. Capitalizadas com o dinheiro da venda de suas ações, as companhias conseguem investir mais, gerar mais emprego e renda, num ciclo virtuoso para o país. Desde que a revitalização do mercado brasileiro ocorreu, já foram realizadas 365 ofertas de ações — dessas, quase 190 foram aberturas de capital, operação universalmente conhecida pela sigla em inglês IPO. Essas operações movimentaram um total de 625 bilhões de reais e, desse volume, quase 410 bilhões de reais­ foram recursos que as companhias conseguiram obter dos investidores para pagar dívidas, investir em crescimento orgânico ou na compra de outras empresas (a diferença são ações que eram dos donos ou sócios e foram vendidas no mercado, sem resultar em dinheiro para o caixa dos negócios). A turbulência causada pela covid-19 fez com que as empresas que tinham programado abrir o capital no primeiro semestre deste ano adiassem um pouco os planos, mas não desistissem. Há 18 companhias na fila para fazer um IPO.

O aumento da participação da pessoa física na bolsa traz desafios, em especial para as empresas, que precisam saber se comunicar de forma compreensível com esse público. Quem vem chamando a atenção nessa frente é a JHSF, companhia dedicada ao mercado de luxo que é dona, entre outros, dos shoppings Cidade Jardim e Catarina, do empreendimento imobiliário Fazenda Boa Vista, dos restaurantes e hotéis Fasano e do primeiro aeroporto privado do país, a cerca de 60 quilômetros da cidade de São Paulo. Avaliada em 3 bilhões de reais na B3, a JHSF tinha 30.000 investidores em sua base de acionistas no fim de dezembro e agora já tem mais de 100.000. As pessoas físicas têm uma fatia de quase um terço do capital da empresa em circulação na bolsa. “Eu mesmo escrevo os fatos relevantes da empresa. Quero uma comunicação que minha mãe possa entender”, diz o presidente da JHSF, Thiago Alonso de Oliveira. Outra ferramenta poderosa que o executivo decidiu utilizar é a comunicação direta. Tem uma conta no Twitter com mais de 11.700 seguidores. “Em agosto do ano passado, eram pouco mais de 200”, diz. O balanço do primeiro trimestre da JHSF estava disponível para os investidores, de forma quase simultânea, no site da CVM e na conta do executivo na rede social.

O batismo de fogo pelo qual os pequenos investidores brasileiros passaram neste ano lhes deu grandes lições de resiliência, mas a continuidade da migração para o mercado acionário depende também de a economia brasileira se recuperar. Neste ano, o produto interno bruto deverá sofrer um tombo de 6,25% por causa do novo coronavírus, segundo a pesquisa semanal Focus do Banco Central com analistas de mercado. A atividade precisa se acelerar logo para que as empresas vendam mais, lucrem e distribuam parte dos ganhos a seus acionistas. O Ibovespa tem um limite para subir antes de os resultados começarem a aparecer, e os investidores novatos podem se frustrar se os ganhos ficarem empacados. Mas o cenário dos juros, que são a variável decisiva para o mercado de ações, continua favorável. A projeção dos analistas é que a Selic seja reduzida a 2,25% ainda ao final deste ano. Essa expectativa positiva tem impulsionado a criação de novos produtos e serviços nesse mercado, como as unidades de análise de investimentos (Re­search) e educação (Academy) da EXAME. “A bolsa brasileira voltou a subir nos últimos dias por causa da perspectiva de arrefecimento da pandemia e retomada da economia”, diz Renato Mimica, diretor da EXAME Research. “Para quem quer começar a investir na bolsa, dá para escolher algumas empresas que se saem bem mesmo durante crises.” Ao que tudo indica, a lição de como aproveitar as oportunidades o brasileiro está aprendendo bem.


CORAGEM PARA INVESTIR MAIS NA CRISE

Para tentar recuperar as perdas da pandemia quando a crise acabar, o investidor aumentou  o montante aplicado em sua carteira de ações

Raphael Cezari: esforço para passar ao filho ensinamentos sobre finanças pessoais | Leandro Fonseca

O comprador Raphael Cezari, de 38 anos, investia na poupança e em um plano de previdência privada havia cerca de 15 anos. Recentemente, conheceu os títulos de dívida privada, como LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) e LCAs (Letras de Crédito Agrícola). Sua primeira experiência com ativos de renda variável foi em 2017, quando investiu em um fundo de ações de um grande banco que seguia o Ibovespa. Até que, no ano passado, influenciado por amigos do trabalho, Cezari decidiu investir pela primeira vez diretamente na bolsa de valores. “Meus colegas, incomodados com o salário, começaram a falar sobre o investimento em ações como uma fonte de renda extra”, diz. Usando um home broker simples, Cezari começou investindo 50 reais, depois 100 reais, e foi aumentando a aplicação aos poucos. Inicialmente, seu foco eram aplicações de curto prazo. “Quando encontrava uma brecha no trabalho, tentava montar uma posição e colocava um preço-alvo para encerrá-la. Cheguei a ganhar 30% em uma delas. Mas logo vi que não conseguiria fazer isso com um emprego no expediente comercial. Desisti de ser day trader”, conta.

O comprador resolveu, então, se tornar um investidor de longo prazo na bolsa. “Vi que o valor de algumas ações cresce 300% ao longo dos anos. Adotei a estratégia de comprar e esperar muito”, diz. Hoje, 15% de sua carteira de investimentos está na bolsa e divide-se entre fundos imobiliários (15%), ETFs (25%) e ações (70%). No médio prazo, o objetivo é ter 50% da carteira de investimentos na bolsa. Cezari foi diversificando sua carteira aos poucos, tanto por meio de ações diferentes quanto de segmentos de atuação diferentes. “Passei a analisar melhor as empresas. Comecei comprando os papéis da empresa de telefonia Oi. Vinha muita gente dizendo que, caso a empresa fosse vendida, a cotação explodiria. Paguei 1,20 real pelos papéis, e hoje eles não valem nem 70 centavos. Agora vou segurar até vender. Mas aprendi com o erro”, afirma.

A pandemia foi uma prova de fogo para a estratégia de longo prazo de Cezari. “A rentabilidade da minha carteira chegou a ficar 49% negativa. Contudo, foi um susto que não tirou meu sono, porque não era um dinheiro de que eu precisava agora. Não vendi nada.” Valeu a pena esperar: as perdas já foram reduzidas a 23%. Além de não ter realizado o prejuízo, Cezari ainda dobrou o valor que tinha aplicado na bolsa. “Foi a forma que encontrei para equilibrar um pouco do que perdi na crise quando o mercado recuperar”, explica. Seu principal incentivador é o aumento de informações sobre ações disponível na internet. “Perdi muito tempo. Se soubesse, teria começado a investir com 18 anos”, diz. Hoje, ele faz questão de passar noções de educação financeira para seu filho de 9 anos. “Quero que crie essa consciência.”

FONTE DE RENDA NA PANDEMIA

Investidora pulou da renda fixa diretamente para as ações, e busca controlar o risco que corre em operações de curto prazo

Thamyris de Moraes: incentivada pela mãe | Leandro Fonseca

Thamyris de Moraes, de 26 anos, formou-se em comunicação e marketing. Sua mãe sempre trabalhou em bancos, e não faltaram noções de economia em sua casa. “Com 17 anos comecei a guardar dinheiro. Guardava metade do salário, e aplicava em poupança e CDBs [Certificados de Depósito Bancário]”, lembra. Contudo, a comunicadora demorou para entrar na bolsa: faz apenas um ano que aplica em ações. “Sempre tive curiosidade, mas não tinha coragem. Então resolvi pesquisar bastante sobre o mercado para ganhar confiança”, diz. Sua mãe, que investe na bolsa, foi seu principal incentivo.

“Não conheço muita gente que invista. Só uma amiga, mas bem pouco. E com homens não converso sobre isso.” A confiança também veio após a pesquisa sobre o investimento na internet. “De uns tempos para cá finalmente cresceu o número de pessoas que falam sobre aplicações e dão cursos. Isso me ajudou e comecei a investir aos poucos”, conta. Moraes não viveu uma transição entre a renda fixa e a bolsa, como costumam funcionar as aplicações em fundos de ações ou multimercado. “Comecei a comprar ações diretamente.” Mas o investimento foi gradual. “Tinha medo e era muito cautelosa. Ainda compro poucas ações, mas, perto de quando comecei, já é um valor bem maior. Nunca investi em ações de uma só empresa. Aplico em pelo menos cinco empresas diferentes", afirma. Resultado: no início correspondendo a 20% do total de seus investimentos, a aplicação em ações passou a representar 70% de suas reservas. A pandemia acelerou os investimentos nos papéis. “Apliquei mais após a desvalorização das ações como uma forma de compensar perdas. Comprei muita coisa na alta. Então, busco fazer com que o tíquete médio fique abaixo do que comprei antes da crise”, explica. Moraes diz que uma ação que comprou por 13,90 reais anteriormente foi comprada  agora por 6 reais. “Dessa forma, conseguirei recuperar o que perdi quando o valor chegar a cerca de 9 reais.” Além de compensar perdas das ações que já tinha na carteira, Moraes comprou ações diferentes na crise.

A empreendedora, que começou fazendo investimentos de médio prazo com ações, passou também a fazer operações de curto prazo na bolsa, como day trade e swing trade. Para isso, tem uma planilha onde anota todos os valores das ações de sua carteira. “Há dias em que as operações são ótimas e outros nos quais não acerto. Faz parte. O que busco é correr um risco controlado. Na pandemia, essas operações se tornaram uma fonte de renda. Tenho um site, mas esse trabalho não está rendendo agora. Tive de apelar para a bolsa.”

DA FAVELA À BOLSA

Durante a faculdade de ciências contábeis, o morador da periferia aprendeu a ler os balanços das companhias abertas

Murilo Duarte: segurança que vem da informação | Leandro Fonseca

Favelado Investidor. É assim que Murilo Duarte, de 25 anos, se apresenta no YouTube. O jovem, que faz sucesso nas redes sociais com mais de 80.000 seguidores, ensina que para investir na bolsa de valores não é necessário ter uma grande quantia de dinheiro. Morador de um bairro da periferia de São Paulo, ele começou a investir na bolsa há cinco anos com apenas 100 reais. Na época, comprou três ações da Itaúsa, holding que controla o Itaú Unibanco. “Eu queria aprender a investir. Queria saber como funcionava a compra de ações. Era mais um teste.” Apesar do interesse pelo mercado acionário, Duarte deixou a bolsa para segundo plano e optou por montar sua reserva de emergência investindo mensalmente no Tesouro Selic. “Ali eu sabia que eu tinha segurança e rentabilidade”, diz. Na época, a taxa Selic estava em 14,5% ao ano e os investimentos em renda fixa eram atraentes ao investidor. A reserva demorou dois anos para ser finalizada. Nesse período, o jovem que estudava ciências contábeis na faculdade aprendeu a ler balanços financeiros de empresas e passou a estagiar na área de auditoria fiscal. “Minha segurança veio quando eu peguei o balanço da Itaúsa e entendi. Muito diferente do que aconteceu quando comprei ações pela primeira vez”, lembra. Com o conhecimento como aliado, Duarte passou a ler livros sobre o mercado financeiro e a acompanhar vídeos pela internet.

Munido de informações, começou a investir em ações mensalmente. Do salário, ele separava de 500 a 800 reais para comprar papéis dos setores da construção civil, varejo e elétrico. “Eu deixava o dinheiro separado em caixa. Quando o papel que eu estava acompanhando desvalorizava, era a hora de comprar”, afirma. Com a bolsa em alta e as empresas divulgando bons resultados, a carteira do jovem chegou a 13.000 reais. “Recebia pouco de dividendos, mas aproveitava para comprar mais ações.” Enquanto investia, o jovem postava vídeos ensinando desde a abrir uma conta na corretora até a se livrar das dívidas. Com o jeito despojado das redes sociais e com uma linguagem direta, o youtuber ganhou mais seguidores.

Foi então que decidiu vender todas as ações que tinha e montar uma carteira do zero. O objetivo era ensinar a montar uma carteira que alcançasse os 100.000 reais nos três anos seguintes. “Eu só tenho esta carteira. Deixei a carteira pública para poder ensinar que todo mundo pode investir. Todo mundo pode ser sócio de uma grande empresa”, diz. O primeiro vídeo foi postado em julho do ano passado e o jovem comprou cerca de cinco ações de empresas como Klabin, Via Varejo, Trisul, Bradesco e Wiz. Todas as ordens de compra e venda são gravadas e publicadas por meio de vídeos na rede social. Até agora, ele tem 14.193 reais em ações. A carteira tem 11 empresas e, destas, em sete ele já investia anteriormente. Quem segue o investidor acompanhou a estratégia adotada por ele na derrocada da bolsa no início do ano com a crise do novo coronavírus e a queda no preço do petróleo. A carteira chegou a cair 20%, mas ele não se desesperou. Aproveitou a oportunidade para comprar as ações que queria, entre elas papéis da metalúrgica Schulz e da têxtil Pettenati. “A crise não me assusta. Sempre olho para os fundamentos da empresa”, diz Duarte.


A FORMAÇÃO DE INVESTIDORES É PROCESSO DE LONGO PRAZO

Para o chefe do órgão regulador do mercado financeiro, o esforço de educação deve unir o poder público e o setor privado | Natália Flach

Marcelo Barbosa, da CVM: o objetivo agora é encorajar a inovação no mercado | Edilson Rodrigues/Agência Senado

Nem só de regras e supervisão vive o xerife do mercado. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) dá seu tiro mais arrojado em prol de um ambiente mais inovador com o lançamento do sandbox, uma espécie de laboratório de testes para novas tecnologias que podem trazer benefícios para todo o mercado, inclusive para as pessoas físicas que estão investindo pela primeira vez em renda variável. Para Marcelo Barbosa, presidente da CVM, esse cenário torna ainda mais patente a necessidade de levar educação financeira a todos os cantos do país e de uma redobrada vigilância. “A atividade normativa e a de desenvolvimento do mercado têm de caminhar lado a lado”, diz.

Qual é o papel da CVM na regulação e no desenvolvimento do mercado?

As facetas do regulador se completam. Quando estabelecemos uma regra que cria valor mobiliário e que disciplina a oferta e a distribuição, estamos desenvolvendo o mercado. A atividade normativa e a de desenvolvimento têm de caminhar lado a lado. Lançamos recentemente o sandbox, e a ideia é que funcione como um ambiente controlado, no qual os agentes possam usar tecnologias inovadoras ou uma tecnologia existente de forma inovadora. Ao longo do processo, eles fornecem informações e, ao final, migram para regime comum. Com isso, esperamos impulsionar a inovação no mercado, o que resultará em maior concorrência e mais benefício para os participantes.

Por falar em concorrência, houve aumento do número de investidores, corretoras e gestoras. No entanto, a B3 continua sendo a única bolsa. Isso é um empecilho?

A regulação tem de ser neutra, de modo a não criar incentivos artificiais nem barreiras para frear a concorrência. O fato de haver apenas uma bolsa, no entanto, não significa que o mercado seja subdesenvolvido. Em março, autorizamos a atuação de um novo prestador de serviço [Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia] para atuar como mercado balcão e comercializar e liquidar derivativos de energia. Assim, o mercado ganha um novo incentivo.

Qual é o papel da educação financeira nesse contexto de mais participantes?

Temos o desafio de levar conhecimento financeiro a todo o Brasil, daí a importância dos cursos de formação que as plataformas oferecem. Temos um portal com conteúdo de educação financeira. O Banco Central e as secretarias de Educação, além de diversos entes privados e instituições sem fins lucrativos, também têm papel importante. A formação de investidores é um processo de longo prazo, por isso existe uma comunhão de esforços públicos e privados.

Em um país cuja economia não cresce há anos, faz sentido diferenciar os investidores pelo patrimônio disponível para investimento?

Acho que é um ponto que poderia ser revisto, mas não está no nosso planejamento. Estamos sempre revendo questões. Por exemplo, passamos a permitir o registro de oferta em caráter reservado e dispensamos a aprovação prévia de material publicitário usado em ofertas. Temos discutido iniciativas para que empresas de médio porte acessem o mercado de capitais e de dívida.

O que mudou na atuação da CVM com o isolamento social?

Nossas preocupações foram com o bem-estar dos colaboradores e com a continuidade do trabalho. O resultado foi um aumento de produtividade em alguns casos. Também entendemos que era necessário dar conforto a investidores, agentes fiduciários e empresas. Nesse sentido, liberamos as assembleias digitais e, passada a pandemia do novo coronavírus, as companhias poderão decidir se voltarão a realizar assembleias presenciais ou não.

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