Revista Exame

A confiança tem o poder de gerar mais lucro, diz pesquisador

Segundo o economista americano Paul Zak, a produtividade é maior nas empresas em que as pessoas confiam umas nas outras

Paul Zak: o segredo está em criar situações que estimulem a produção de ocitocina (Marc Piron/Divulgação)

Paul Zak: o segredo está em criar situações que estimulem a produção de ocitocina (Marc Piron/Divulgação)

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Aline Scherer

Publicado em 15 de fevereiro de 2018 às 05h00.

Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 08h20.

O economista americano Paul J. Zak, diretor do centro para estudos em neuroeconomia da Universidade Claremont, na Califórnia, tornou-se um dos mais conceituados pesquisadores do mundo no campo da neurociência aplicada ao comportamento social. Nas duas últimas décadas, ele se dedicou à descoberta da química cerebral que estimula a confiança mútua entre integrantes de uma mesma equipe. Na investigação em campo, ele constatou: ambientes em que as pessoas confiam umas nas outras tendem a ser mais produtivos.

A lógica se explica pela biologia: a sensação de confiança estimula a produção natural de ocitocina, hormônio que torna as pessoas mais empáticas, colaborativas e predispostas a compartilhar metas. Forma-se um ciclo virtuoso em que essas atitudes geram mais confiança. A tese está em seu livro Trust Factor: The Science of Creating High Performance Companies (algo como -“Fator confiança: a ciência da criação de empresas de alto desempenho”, sem versão para o português), lançado no ano passado. Em visita ao Brasil, Zak falou a EXAME.

Qual foi seu ponto de partida no estudo da relação entre os hormônios e o sentimento de confiança entre as pessoas?

Já havia estudos sobre o papel da ocitocina no comportamento social dos roedores. Mas pouco se sabia sobre a associação desse hormônio com a confiança entre as pessoas. Em laboratório, eu e meu time de pesquisadores descobrimos que há uma correlação direta entre a ocitocina e as relações de confiança.

O mesmo fenômeno se verifica nas empresas?

Sim. Com base em nossos experimentos científicos em campo e em laboratório, testamos os mesmos conceitos em empresas que nos procuraram interessadas nessa investigação e constatamos a mesma correlação entre a cultura de confiança e a produção de ocitocina. Fomos, por exemplo, à varejista online Zappos [desde 2009 controlada pela Amazon], na qual a cultura organizacional é levada muito a sério, tiramos amostras de sangue e medimos a atividade cerebral dos funcionários durante o expediente. Na fabricante de móveis Herman Miller fizemos experimentos para entender o impacto da arquitetura dos escritórios em fatores como inovação, colaboração e produtividade. Também estivemos em algumas empresas do mercado financeiro durante a crise de 2008, como contraponto.

Como a confiança entre as pessoas impacta nos resultados?

Com níveis mais altos de ocitocina no cérebro, as pessoas ficam mais empáticas e dispostas a ajudar os outros, o que tende a aumentar a colaboração e a produtividade no trabalho. Num estudo realizado com 300 grandes empresas nos Estados Unidos, identificamos que as empresas que evoluíram para um patamar elevado de confiança aumentaram a receita gerada por empregado em 10 000 dólares por ano. Ou seja, numa empresa que tenha 5 000 funcionários, aumentar o ambiente de confiança vai trazer 5 milhões de dólares aos resultados. O retorno é altíssimo.

Quais são os gatilhos existentes nessa “cultura de confiança” que estimulam a produção de ocitocina?

Identificamos oito fatores principais: reconhecer o resultado; proporcionar desafios e dar feedbacks; mostrar empatia e consideração; conceder autonomia; ser transparente; incentivar interações sociais; e apoiar o crescimento pessoal e profissional (veja quadro na pág. 32). Testamos todos esses elementos no laboratório e em campo — com 50 das maiores empresas dos Estados Unidos e numa tribo em Papua Nova Guiné.

Por que também em Papua Nova Guiné?

Fomos até uma localidade distante da cultura ocidental para ter certeza de que o efeito da ocitocina era universal. E chegamos à conclusão de que, de fato, é. No grupo que analisamos, existe uma dinâmica interessante. O chefe não é o homem mais forte ou mais esperto da tribo, e sim o que se dedica mais a ajudar os outros membros do grupo.

Há diferenças entre homens e mulheres quanto à produção de ocitocina?

As mulheres naturalmente produzem mais ocitocina. Sob a perspectiva de liderança, isso significa que elas tendem a estabelecer relacionamentos e a ler as emoções ao redor com mais facilidade. E, se alguém quer ser o melhor gestor, precisa do máximo de informações, muito além de números. Nos experimentos que realizamos, demos a alguns grupos doses extras de testosterona e eles se tornaram mais egoístas e menos capazes de ler as emoções alheias. A testosterona e também o cortisol — hormônio liberado em situações de estresse — inibem a produção de ocitocina. No setor financeiro é comum encontrar níveis elevados de testosterona, o que faz com que as pessoas gostem de correr riscos e ter status. O ideal é buscar um equilíbrio entre a ação que a testosterona proporciona e a cooperação e a empatia estimuladas pela ocitocina.

Como iniciar uma transição bem-sucedida para uma cultura de confiança?

O principal requisito é que a presidência da empresa abrace a necessidade de mudança e informe os funcionários a respeito do projeto. Com dados, é possível fazer um diagnóstico. Mas não adianta coletar dados e depois não fazer nada com eles. Se os funcionários responderem a questionários e depois nada acontecer, os líderes vão perder a credibilidade. É preciso um planejamento para implementar a mudança do início ao fim, dizer quem vai conduzi-la e, durante o processo, enviar toda semana lembretes aos funcionários com exemplos de novos comportamentos desejados.

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