Revista Exame

COP26: os desafios dos países para transformar promessas em ações

A 26a Conferência do Clima, em Glasgow, na Escócia, terminou com a criação de um mercado global de crédito de carbono, essencial para reduzir as emissões de poluentes. O desafio, agora, é transformar promessas em ações concretas

A ativista indígena Txai Suruí, única brasileira a falar na abertura da COP26: povos vulneráveis devem estar no centro do debate (Karwai Tang/ UK Government/Divulgação)

A ativista indígena Txai Suruí, única brasileira a falar na abertura da COP26: povos vulneráveis devem estar no centro do debate (Karwai Tang/ UK Government/Divulgação)

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Rodrigo Caetano

Publicado em 18 de novembro de 2021 às 05h52.

Última atualização em 18 de novembro de 2021 às 13h22.

O holandês Frans Timmermans, primeiro vice-presidente da Comissão Europeia, conversava com alguns jornalistas quando foi surpreendido pelo ministro do Meio Ambiente brasileiro, Joaquim Leite, no último dia da 26a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP26, realizada entre os dias 1o e 12 de novembro em Glasgow, na Escócia. “Hei!”, exclamou ­Timmermans, responsável pelos planos ambientais da União Europeia. “Parabéns!”, disse o ministro brasileiro. Antes de colocar a máscara, levou a mão para trás e, num movimento amplo como se estivesse dando um abraço, esticou a mão num cumprimento afetuoso. “Obrigado”, disse Leite, abaixando a cabeça em sinal de respeito. Um tapinha nas costas de ambos selou o encontro.

Momentos antes, Leite e Timmermans assinaram um acordo histórico contra o aquecimento global. As autoridades presentes em Glasgow concordaram em criar um mercado global do carbono, um dos principais vilões do aquecimento global. O assunto está no artigo 6o do Acordo de Paris, de 2015, o primeiro pacto global para limitar as emissões desse tipo de gás, mas que demorou seis anos até ser acordado por todos os países com delegações nas COPs. As consequências desse acordo deverão ser amplas. A existência de uma bolsa mundial para compra e venda de títulos atrelados às emissões de carbono precifica uma substância com valor pouco mensurado até agora. 

Protesto em Glasgow, na COP26: cobrança por mais ambição das metas climáticas (Daniel Leal-OlivaS/AFP/Getty Images)

No longo prazo, o mercado global deve incentivar países poluidores a transferir recursos para países com florestas e tecnologias capazes de compensar a poluição alheia — e servir de pauta para a próxima COP, esperada para novembro de 2022 no balneário egípcio de Sharm el-Sheikh. O acordo assinado em Glasgow cria um mecanismo financeiro global aos moldes do já existente em algumas regiões do planeta, como a União Europeia, a China e o estado americano da Califórnia.

O alcance mundial do mercado de carbono e as metas cada vez mais ambiciosas contra o aquecimento global têm tudo para forçar uma valorização crescente desses títulos. Na prática, o sistema deve trazer uma avalanche de investimentos em alternativas aos combustíveis fósseis emissores de carbono, como carvão e petróleo. As minúcias desse mercado deverão ficar para a COP do ano que vem. Restam dúvidas sobre pontos fundamentais, como os padrões de transparência a ser respeitados por todas as partes envolvidas nesse tipo de negociação. “Daqui para a frente, o debate será sobre implementação e resultado”, diz Carlo Pereira, diretor executivo da Rede Brasil do Pacto Global, entidade ligada à ONU para reunir o setor empresarial na pauta climática. 

A ativista ambiental sueca Greta Thunberg: pressão por resultados concretos após as promessas da COP. A regulamentação do mercado de carbono animou lideranças do setor privado brasileiro presentes em Glasgow. “A regulamentação do mercado de carbono é uma das decisões positivas da COP26 e o Brasil só tem a ganhar, pois será um grande exportador de crédito de carbono”, diz Cristiano Teixeira, presidente da fabricante de papel e celulose Klabin. Para Walter Schalka, presidente da Suzano, outro gigante de papel e celulose, a implementação de um mercado de carbono destrava investimentos. “Essa decisão foi construída a partir da busca de um consenso, entre empresas, governos e sociedade civil, de que era preciso superar impasses presentes em oportunidades passadas para olhar para o futuro”, diz. 

A julgar pela maneira como as empresas brasileiras lidam com esse tema, o futuro da agenda climática segue ainda muito incerto. A realidade dos temas ESG segue distante do dia a dia das grandes companhias. Apenas 62% das empresas de grande porte com atuação no Brasil dizem sofrer pressões do mercado para adotar práticas verdes; 22% delas não sentem pressão alguma.

Os dados fazem parte de uma pesquisa exclusiva da consultoria Betania Tanure Associados (BTA), a pedido da EXAME.­ Entre os dias 8 e 10 de novembro, reta final da COP em Glasgow, foram ouvidas 280 das 500 maiores companhias brasileiras. “Em se tratando desse universo, é pouco quando apenas seis a cada dez companhias dizem que o mercado as pressiona por práticas ESG”, diz Betania Tanure, uma das consultoras em gestão empresarial mais influentes do país. “Essa percepção deveria ser de quase 100% do total, considerando o tamanho e o impacto dessas companhias.” 

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O desdém de parte relevante do empresariado brasileiro com a agenda ESG está longe de significar um vazio de ação. Entre as pesquisadas, 83% dizem ter práticas para compensar a poluição de suas atividades. Sete em dez empresas pesquisadas abastecem a produção com energias limpas, como solar e eólica. Tudo isso serve para melhorar a imagem da empresa (88% dos líderes entrevistados concordam com a afirmação) e os resultados financeiros (ponto citado por 72% deles).

E, por falar em reputação, a da política ambiental do governo brasileiro anda bem ruim na iniciativa privada. Entre as lideranças entrevistadas, 74% duvidam de ações concretas contra o desmatamento no país nos próximos cinco anos. Seis entre dez não acreditam na seriedade das políticas públicas brasileiras contra mudanças climáticas. No longo prazo, só metade aposta no sucesso do Brasil em neutralizar as emissões de carbono até 2050, como prometido pelo ministro Leite em Glasgow. 

A COP26 trouxe ao Brasil a volta de um protagonismo climático perdido no início do governo Jair Bolsonaro. No encontro anterior, em 2019, em Madri, a delegação chefiada por Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente, foi considerada uma das mais intransigentes entre os países presentes. Num momento de desmatamento em alta na Amazônia, Salles usou o desastre ambiental para exigir mais dinheiro de países ricos para reverter a tendência. Coube ao Brasil a imagem de vilão global da COP de Madri. Em Glasgow, a atitude foi diferente.

O ministro Leite adotou a postura de interlocutor entre países pobres e ricos. Um mês antes da COP, Leite esteve com embaixadores de 60 países. No primeiro dia em Glasgow, o ministro anunciou a revisão do prazo final para o país atingir a neutralidade de carbono, de 2060 para 2050, recolocando a meta brasileira de redução de emissões no mesmo patamar do combinado no Acordo de Paris, quando o Brasil foi um dos países mais ambiciosos a sentar à mesa de negociações. Mesmo sem grandes ambições, e disposto a recuperar a reputação perdida, o gesto do Brasil na COP de Glasgow foi suficiente para reabrir o diálogo. 

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Mais importante, no entanto, foi o abandono de um posicionamento histórico do Brasil na forma como os créditos de carbono vendidos por um país a outro são contabilizados — o chamado “ajuste correspondente”. Desde 2015, o Brasil tem sido contrário ao formato das contribuições nacionalmente determinadas, ou NDCs, compromissos voluntários criados por países signatários do Acordo de Paris. Pelo desenho inicial, o carbono emitido por um país e neutralizado em outro (por exemplo, no caso de uma indústria poluidora dos Estados Unidos comprar títulos de carbono emitidos por donos de florestas em países tropicais) deixa de contar na NDC do país onde a poluição foi gerada e passa para o país de destino daquela neutralização.

A consequência disso, no longo prazo, pode ser uma escalada no volume de carbono na conta de países com vocação para a venda desse tipo de crédito, como o Brasil — e levar a uma dificuldade crescente para cumprir os compromissos climáticos. Só que deixar de levar em consideração as NDCs no mercado global traz o problema da dupla contagem: como confiar num sistema global contra emissões de carbono em que uma mesma neutralização de gases do efeito estufa conta pontos para a meta dos dois países? Em Glasgow, o Brasil aceitou o entendimento global sobre o tema e, com isso, abriu caminho para o entendimento final na COP26. A nova postura justificou a animação de Timmermans com a delegação brasileira.

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Daqui para a frente, os efeitos das mudanças climáticas poderão nortear metas cada vez mais ambiciosas no tema. Em Glasgow, a previsão era de chuva contínua durante a COP26. Os dias de céu azul, seguidos por tardes de frio cortante e rajadas de vento que estremeciam as coberturas provisórias instaladas nas áreas abertas do centro de convenção, lembraram aos presentes que o aquecimento global já está por aí e afeta o mundo inteiro. Um saldo positivo do evento na Escócia foi a proliferação de anúncios na agenda climática.

Os países ricos prometeram transferir 200 bilhões de dólares ao ano aos países pobres para financiar a transição para a economia de baixo carbono, o dobro da cifra anunciada no Acordo de Paris, em 2015. Outros 232 milhões de dólares deverão ser destinados para resolver os danos causados pelas mudanças climáticas. Uma série de países acordou a redução das emissões de metano, outro gás responsável pelo efeito estufa, e a inclusão de temas como diversidade nas discussões climáticas. O esforço, contudo, esteve longe de agradar a todo mundo.

Os países africanos, por exemplo, pediram 700 bilhões de dólares por ano, a partir de 2025, para financiar o combate ao aquecimento global. Por lá, até 38,5 milhões de pessoas poderão ser obrigadas a abandonar suas casas em razão de secas ou outras intempéries causadas pelas mudanças climáticas. “Todos vão sentir o impacto das mudanças climáticas, mas os mais vulneráveis vão pagar o preço se nada for feito”, disse Patrick Ver­kooijen, presidente da Global Center on Adaptation, organização holandesa de adaptação de clima. 

Expressão repetida aqui e ali nos corredores do Scottish Events Campus e do Glasgow Science Centre, dois pavilhões no centro da maior cidade da Escócia, sede dos principais fóruns da COP26, a chamada “justiça climática” deverá ganhar força nas discussões no ano que vem, no Egito.

O termo vem sendo utilizado com frequência para designar a importância de a atual geração colocar políticas climáticas em operação quanto antes, de modo a minimizar o impacto do efeito estufa sobre as gerações futuras e também as populações mais vulneráveis, como mulheres, indígenas, negros, quilombolas e pessoas em condição de pobreza. “Justiça climática faz com que a gente desenvolva adaptação, mitigação e resiliência olhando para os que mais sofrem com a crise climática, mas não somente eles, pois isso vai chegar a todo mundo”, diz Flávia Bellaguarda, da LaClima, organização de advogados latino-americanos dedicados à pauta climática.

De modo geral, esses grupos têm carregado a bandeira ambiental com afinco. “Para sairmos dessa crise, o mundo precisa ouvir e entender que as discussões não podem acontecer sem nós”, diz Txai Suruí, ativista indígena e única brasileira a participar da abertura da COP26, ao lado de figuras como o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson. 

O presidente americano Joe Biden: à frente de acordo global contra as emissões de metano (Yuri Mikhailenko/TASS/Getty Images)

Em outra frente, o movimento jovem Fridays for Future levou milhares de pessoas às ruas de Glasgow na sexta-feira, 5, e terminou com a ativista Greta Thunberg chamando a COP26 de mais um blá-blá-blá. O desafio, agora, é levar em consideração demandas diferentes entre grupos de regiões diferentes do planeta. “O Fridays for Future com sede em Estocolmo tem demandas diferentes do Brasil, onde os jovens precisam sair correndo dos atos climáticos para trabalhar e ter o dinheiro do aluguel no fim do mês”, diz Marcelo Rocha, do Fridays for Future Brasil e do Instituto Ayika, que dividiu o palco com Thunberg.

A COP de Glasgow mostrou o potencial de consenso da humanidade, mesmo em situações adversas, como a pandemia e a divergência de visões sobre a pauta climática — muitas vezes exacerbada pela cacofonia das redes sociais. A torcida, agora, é para a próxima conferência, no Egito, conseguir canalizar o pragmatismo visto na Escócia em medidas práticas, e metas ambiciosas, para o clima.  

(Arte/Exame)

Colaboraram Fabiane Stefano e Maria Clara Dias


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