Revista Exame

Colômbia é exemplo de boa política para a América Latina

O país manteve a política econômica no prumo, aproveitou a alta de preços das commodities para crescer e agora está forte para enfrentar tempos mais difíceis


	Bogotá: a queda da criminalidade ajudou a atrair investimentos externos para a capital da Colômbia
 (Pedro Felipe/Wikimedia Commons)

Bogotá: a queda da criminalidade ajudou a atrair investimentos externos para a capital da Colômbia (Pedro Felipe/Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 31 de agosto de 2015 às 05h56.

São Paulo — A história recente da Colômbia tem muito em comum com o que se viu no Brasil nos últimos anos. Lá, como aqui, a renda dos mais pobres cresceu de forma mais acentuada do que a do restante da sociedade. Programas sociais ganharam escala e fizeram o número de pessoas que vivem na pobreza cair.

Como a vida melhorou também no topo da pirâmide social, lojas de grifes e carros de luxo se tornaram comuns em bairros ricos. Tudo, lá e cá, embalado pelo superboom de commodities, período em que a fome chinesa por produtos primários elevou a demanda e o preço de uma série de matérias-primas. No Brasil, principalmente soja e minério de ferro. Na Colômbia, basicamente petróleo.

Infelizmente para os brasileiros, as semelhanças param por aí. Isso porque a Colômbia aproveitou muito mais a onda externa. De 1997 a 2006, a economia dos dois países cresceu exatamente no mesmo ritmo: 2,7% ao ano, na média. A partir de 2007, a Colômbia descolou. Nos últimos oito anos, o PIB colombiano acelerou num ritmo médio de 5,8%, enquanto o do Brasil não passou de 3,3%.

Pior: o contraste entre os dois países deve aumentar neste ano. A previsão do FMI é que a Colômbia cresça 3,4% e o PIB brasileiro encolha 1% (previsão, aliás, que já começa a soar otimista).

Quando o assunto é inflação, também há uma diferença favorável aos colombianos. Lá, a inflação acumulada em 12 meses em qualquer período de janeiro de 2010 a maio deste ano chegou, no máximo, a 4,5%. No Brasil, o percentual bateu em 8,5%. Como os governos colombiano e brasileiro conseguiram resultados tão distintos tendo ambos um ambiente externo bastante semelhante?

Equilíbrio macroeconômico

Em uma frase: a Colômbia não cometeu os erros crassos vistos em série por aqui. “Eles mantiveram o equilíbrio macroeconômico: perseguiram as metas de inflação e a disciplina fiscal. E apostaram na abertura comercial e na melhoria do ambiente de negócios”, diz Gino Olivares, professor de economia da escola de negócios Insper.

Recentemente a Colômbia passou do 53o para o 34o lugar no ranking Doing Business, elaborado pelo Banco Mundial como uma medida da facilidade de fazer negócios em cada país. Já o Brasil... Bem, estamos em 120o lugar de um total de 189. Todos esses avanços, embora cruciais, teriam tido um efeito menos impressionante caso a Colômbia não tivesse melhorado na questão da segurança pública.

As negociações de paz entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em andamento em Cuba, diminuíram os embates entre os dois lados e dissiparam a sensação de “Holocausto bíblico”, termo usado na década de 90 pelo colombiano Gabriel García Márquez, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, morto no ano passado.

García Márquez empregou a expressão para descrever o dia a dia sangrento em seu país. Desde o começo da década passada, o número de homicídios caiu pela metade. Os sequestros, usados pelas Farc e outros grupos como fonte de receita, também tiveram redução. Em 2002, foram registrados 2 880. Em 2014, não passaram de 288 casos. Mais recentemente as negociações de paz emperraram em um dos pontos mais espinhosos do processo — como desmobilizar os rebeldes e que tipo de punição adotar.

As Farc quebraram um cessar-fogo autoimposto, os embates voltaram a aumentar um pouco, mas a situação atual ainda é tranquila para os padrões do conflito. Com a melhora na segurança pública, o crescimento econômico e o bom ambiente de negócios, não demorou para que empresas estrangeiras passassem a se interessar — inclusive as brasileiras.

Entre os países da América Latina, o Brasil é o segundo maior investidor estrangeiro na Colômbia. A construtora Odebrecht participa da segunda etapa da construção da Ruta del Sol, rodovia que corta o país entre Puerto Salgar e San Roque, por onde passa mais de 70% do PIB colombiano. O investimento total na obra é superior a 2 bilhões de dólares. De acordo com o contrato, a empresa brasileira vai poder explorar a concessão por 20 anos.

A Stefanini, empresa brasileira de TI, abriu seu primeiro escritório em 2004. Em 2011, comprou a concorrente colombiana Informatica & Tecnologia. “Nosso objetivo é transformar o centro de desenvolvimento de Bogotá em regional para atender os países da América Central”, diz Marcelo Ciasca, presidente da Stefanini na América Latina.

Para este ano está prevista a abertura do quarto escritório no país, desta vez em Cáli, a terceira cidade mais populosa. Entre as grandes brasileiras, também estão presentes a Petrobras, a fabricante de ônibus Marcopolo, a construtora Camargo Corrêa, a fabricante de material para construção Duratex e o banco BTG Pactual, que adquiriu, há pouco mais de dois anos, a corretora Bolsa y Renta, com sede em Medellín e escritórios em Bogotá e Barranquilla.

“A imagem das empresas brasileiras na Colômbia é, em geral, positiva”, diz Alejandro Peláez, diretor em São Paulo da Procolombia, o escritório de promoção do país no Brasil. Atraída pelo enriquecimento da população, a rede de cafeterias americana Starbucks abriu sua primeira loja em Bogotá há menos de um ano, um prédio de três andares na badalada região do Parque de la 93.

Foi a primeira do mundo a usar café 100% nacional. Hoje já são nove lojas pela cidade, e há planos de ampliar a rede ainda mais. A joalheria Cartier e a grife de roupas e acessórios Dolce & Gabbana estão entre as marcas de luxo europeias que recentemente chegaram ao país.

O que esperar do futuro

Como a maior parte dos países exportadores de commodities, a Colômbia precisa lidar com uma perspectiva mais difícil daqui em diante. O preço do petróleo, que responde por metade das exportações do país e cerca de 10% do PIB, despencou nos últimos tempos. O barril valia mais de 100 dólares há um ano.

Agora orbita no patamar dos 60 dólares. Com isso, a economia começou a desacelerar, mas não há desespero. Numa entrevista recente à imprensa internacional, Mauricio Cárdenas, ministro da Fazenda colombiano, disse que o país se preparou bem para o fim do ciclo de preços altos das matérias-primas. Nos anos de alta valorização do petróleo o governo controlou os gastos e manteve as contas equilibradas. Agora, diferentemente do Brasil, não precisa fazer um ajuste fiscal.

Com a inflação sob controle, os juros também estão estáveis. Sem grandes sobressaltos, o país pode adotar uma política anticíclica. O foco é infraestrutura, com ênfase em concessões na área de transportes. “O projeto que a Colômbia está colocando em prática tem boas chances de sair do papel e ser bem-sucedido”, diz João Pedro Bumachar, economista responsável pela análise das economias da América Latina no banco Itaú Unibanco.

Uma das vantagens da Colômbia é ter acesso ao mercado americano. O acordo de livre comércio em vigor desde 2012 fez um número crescente de médias empresas passar a exportar para o maior mercado do mundo. Os setores mais beneficiados até agora foram os de autopeças, confecções de roupas, máquinas e flores. A venda externa dessas empresas ajudou a contrabalançar as perdas do país com a queda do preço do petróleo.

Somente no ano passado, as receitas com a venda de seu principal produto para os Estados Unidos tiveram queda de quase 4 bilhões de dólares. A expectativa é que, com a recente desvalorização do peso colombiano diante do dólar, o país ganhe mais competitividade nos mercados internacionais. Ao examinar o exemplo colombiano fica claro que adotar as políticas certas é vantajoso e não tão difícil assim. Pena que o Brasil jogou essa oportunidade fora — vai demorar para arrumar a casa por aqui.

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