Revista Exame

A ciência do meme na internet

Vídeos de gatos ao piano, bebês que riem descontroladamente, celebridades acidentais — como Luiza, que foi e voltou do Canadá. O que há em comum entre os grandes hits de internet?

Memes (Ilustração: Willian Knack)

Memes (Ilustração: Willian Knack)

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Da Redação

Publicado em 4 de fevereiro de 2012 às 07h00.

São Paulo - No intervalo médio de leitura desta reportagem, alguns milhões de piadas e imagens vão entupir redes sociais, como Facebook e Twitter. No tempo investido para ler toda a revista, o equivalente a nove meses de material de vídeo terá sido enviado ao YouTube.

Não há dúvida de que o grosso desse conteúdo será visto por pouquíssima gente antes de escorrer até o fundo do baú das coisas do mundo virtual. Uma pequena parte, porém, terá um destino mais memorável, o dos fenômenos instantâneos da internet. Mas qual parte será essa? 

Pode ser uma piada, uma foto engraçada, um vídeo acidental — nuances à parte, a história de virais de internet é mais ou menos a mesma. Sem nenhum esforço de marketing, eles surgem do nada para se espalhar como vírus, chegando a milhões de pessoas num piscar de olhos.

Virais, ou “memes” da web, estão entre os maiores fenômenos culturais da última década (“Você viu esse vídeo?”). A mecânica dos memes e as razões de seu sucesso, porém, são questões envolvidas por grande mistério. Como funcionam? O que há em comum entre um bebê que ri descontroladamente, um gato ao piano e um comercial sem Luiza, em viagem ao Canadá?

De autoria do zoólogo inglês Richard Dawkins, a definição de meme surgiu em meados dos anos 70. Para ele, os memes estariam para a cultura como os genes estão para a genética: uma ideia, um estilo ou um comportamento que se espalha de pessoa para pessoa.

Nesse sentido, muitas coisas podem ser memes, de seitas religiosas a uma piada entre amigos. Quase 40 anos depois, o conceito de Dawkins ainda dá nome aos bois. Mas pouco serve para explicar o fenômeno dos hits da web.

Autor de livros sobre internet e professor na Universidade de Nova York, Clay Shir­ky é um dos principais pensadores a estudar hoje o comportamento das massas em tempos de redes sociais. A web, obviamente, não é a primeira mídia a mudar a maneira como humanos se comunicam — basta pensar na chegada do rádio ou do telefone.


Mas ela possui particularidades. Como nenhuma outra mídia, ela é ótima em formar grupos — e estabelecer comunicação entre seus integrantes. Para pesquisadores como Shirky, essa combinação apresenta um novo padrão de consumo de mídia e ajuda a entender o caminho dos memes.

O ato de compartilhar transformaria consumidores passivos em produtores ativos. “Tamanha conexão transforma o tempo livre em um recurso global compartilhado”, diz Shirky.

A maior conectividade entre as pessoas talvez explique por que um vídeo de uma criança zonza depois de uma visita ao dentista tenha sido visto quase meio bilhão de vezes. Mas diz pouco sobre a natureza dos conteúdos que conseguem alcançar tanto sucesso. O mistério já mobilizou até mesmo pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Para desvendar a questão, eles foram ao maior celeiro de memes da internet: o fórum 4Chan. No estudo, os pesquisadores analisaram 5 milhões de mensagens de usuários, a maioria delas vídeos ou imagens candidatas a hits da web. Não há no site hierarquia sobre quem produz ou seleciona conteúdos — a decisão sobre o que é popular é definida por seus milhões de usuários.

Uma das descobertas do estudo é que virais aumentam sua chance de êxito quando incluem novos usuários na brincadeira, que, por sua vez, produzem versões e pastiches da mensagem original (horas depois do vídeo da paraibana Luiza, era possível encontrar centenas de novas versões na rede, de funks a paródias com o He-Man).

É aí, em tese, que um meme deixa de ser algo curioso para virar assunto público. “É como uma evolução morro acima”, diz Drew Harry, pesquisador do MIT. “Cada nova variação do tema faz o público crescer.” 

Até que ponto memes podem ser fabricados, porém, é uma questão que divide opiniões. Engenheiro de software­ e autoproclamado “cientista de internet”, o americano Jamie Wil­kinson ganhou reputação ao experimentar maneiras de forjar virais pela rede. Wilkinson é fundador do portal Know Your Meme, um catálogo de virais, e do Free Art & Technology Lab, laboratório que estuda novas mídias.

Um de seus experimentos mais conhecidos são as aulas de “Sucesso na internet”, na Universidade Parsons, em Nova York. Nelas, estudantes são avaliados exclusivamente por sua capacidade de alcançar fama na rede. Eles tentam de tudo: de vídeos a músicas feitos na improvisação.


Depois de dois anos, as classes chegaram a produzir sucessos eventuais. Mas não conseguiram provar seu ponto de partida: qualquer um é capaz de criar um hit da web. “Ninguém consegue forçar um meme a se espalhar”, diz Andrés Monroy-Hernández, do MIT. 

No futuro, todos serão famosos por 15 minutos, disse o artista americano Andy Warhol. “Na internet, todos serão famosos para 15 pessoas”, diz uma frase anônima do início dos anos 2000. Com a fragmentação de assuntos e públicos, o temor era que todos estivessem condenados a viver em seus quadrados virtuais.

O sucesso incontestável dos memes parece provar o contrário. “Existe um grande número de pessoas para quem a cultura de internet é a cultura pop”, diz Bia Granja, curadora do YouPix, maior festival de cultura de internet do país. O evento, uma celebração off-line do que faz sucesso na rede, reuniu 7 000 pessoas na última edição.

Nele, é comum ver ícones como Gilberto Gil sofrer tanto assédio quanto celebridades da web como “Vitinho”, autor do funk Sou f..., um dos vídeos mais vistos do YouTube no Brasil. Com a popularização da internet, linhas que hoje dividem cultura de cibercultura tendem a desaparecer.

“É apenas quando uma tecnologia passa despercebida que seus efeitos sociais começam a permear sociedades”, escreve Clay Shirky. No dia em que a internet deixar de ser algo à parte do mundo “real”, procurar razões para o sucesso de Vitinho será uma tarefa igual a tentar explicar o êxito de, talvez, um Paul McCartney.

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