Revista Exame

A China pode estar na rota da crise — para azar do Brasil

Para Arthur Kroeber, da Gavekal Dragonomics, é grande o risco de a economia chinesa ficar presa numa armadilha de alto endividamento e baixo crescimento

Arthur Kroeber: “O Brasil não terá outro produto com a importância do minério de ferro” (Divulgação/Exame)

Arthur Kroeber: “O Brasil não terá outro produto com a importância do minério de ferro” (Divulgação/Exame)

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Da Redação

Publicado em 17 de março de 2016 às 05h56.

São Paulo — Desde que criou a consultoria Dragonomics em Pequim em 2002, o americano Arthur Kroeber tem se firmado como uma das vozes mais respeitadas quando o assunto é analisar e prever o desempenho da economia chinesa. Em 2011, a Dragonomics fundiu-se com a Gavekal Research; e Kroeber, além de assumir o cargo de presidente, continuou à frente da equipe de pesquisa.

Hoje, a maior preocupação de Kroeber é que a China esteja, em cinco anos, numa situa­ção semelhante à do Japão nos anos 90. Para evitar esse final, segundo Kroe­ber, o presidente Xi Jinping precisa diminuir o peso das estatais.

“Não sabemos se ele é um reformador ou um político interessado apenas em concentrar poder”, diz. Após uma palestra a clientes do banco Itaú BBA, Kroeber concedeu a seguinte entrevista a ­EXAME. 

Exame - O ritmo do crescimento econômico da China está caindo, enquanto o endividamento aumenta. A economia chinesa está caminhando para uma crise parecida com a do Japão nos anos 90?

Kroeber - Há uma probabilidade considerável de que em cinco anos a China tenha uma dívida superior a 300% do PIB e um crescimento econômico de 3% ao ano, o que seria muito baixo para os padrões chineses. Caso isso aconteça, a situação será muito semelhante à do Japão na década de 90. Claro que há diferenças.

No Japão, a crise foi causada por uma bolha nos preços de ativos, seguida de um ajuste rápido das empresas que se apressaram a pagar suas dívidas. Mas no final foi o governo que ficou com um endividamento crescente. Na China, a história é outra.

As empresas se endividam cada vez mais ,e o Estado está tentando manter sua dívida estável. Embora as dinâmicas sejam distintas, caso não mude o rumo, a China acabará também presa numa armadilha, uma situação em que o crescimento do PIB não é suficiente para reduzir a dívida.

Exame - Qual é a probabilidade de que a China se encontre nessa armadilha em cinco anos?

Kroeber - Estimamos que os riscos são de aproximadamente 30%. Ainda estamos confiantes de que o governo fará as reformas estruturais necessárias para tirar o país dessa rota.

Exame - Que reformas estruturais o senhor considera as mais importantes?

Kroeber - Algumas coisas já estão sendo feitas. É razoável dizer que já vimos alguns progressos na liberalização do setor financeiro e na reestruturação das finanças de governos locais. Mas a questão mais crucial é diminuir a presença das estatais — e nesse ponto muito pouco andou. É muito difícil fazer com que o país cresça a taxas elevadas sem reduzir o tamanho do Estado.

Precisamos saber se o presidente Xi está mesmo disposto a manter somente o que for realmente estratégico e fazer uma limpa no restante. Estima-se que um terço do PIB chinês seja produzido por empresas estatais, uma fatia muito grande em comparação ao que acontece em outros países. Os bens das empresas estatais equivalem a 150% do PIB, a maior proporção do mundo.

Na Índia, o segundo país nesse ranking, o percentual é de 70%. No Brasil, é de cerca de 50%. O problema é que, além de grandes, as estatais chinesas são ineficientes. No setor industrial, o retorno das empresas privadas é o dobro do das estatais. É preciso fazer um downsizing.

Exame - O presidente Xi é considerado um dos mais poderosos do país em muitos anos. Ele tem condições de executar essa reforma?

Kroeber - Especula-se que Xi talvez não execute as reformas por duas razões. Uma é porque não terá condições. Se for esse mesmo o caso, poderemos dizer, então, que ninguém vai conseguir. Xi reuniu muito mais poder do que seus antecessores recentes. Seu fracasso provaria que os interesses dentro da estrutura do partido são imbatíveis.

A outra razão para a China não fazer reformas é que talvez Xi não esteja interessado nelas. É possível que ele tenha o foco no poder do Estado e ache que o único objetivo válido seja maximizar o controle do Partido Comunista, mesmo que para isso tenha de sacrificar a economia.

No atual momento, não está claro se Xi é um verdadeiro reformador à espera do melhor momento para dar início ao processo de transformação ou se é uma espécie de Vladimir Putin chinês.

Exame - Quando saberemos se Xi é um Putin?

Kroeber - No final do ano que vem, quando acontece o próximo congresso do Partido Comunista. Ao final de seu quinto ano no poder, Xi terá a chance de mudar cinco dos sete membros do conselho que governa o país e 70% dos membros do comitê central. Até lá também terá trocado a maioria dos governadores de províncias e dos ministros. Terá um firme controle sobre toda a estrutura do partido.

Exame - Qual é sua previsão de crescimento econômico caso a China tenha condições de fazer as reformas necessárias?

Kroeber - O cenário positivo, com o aumento da eficiência do setor estatal, a redução da dívida e uma transição bem-sucedida para uma economia baseada em consumo, é de um crescimento econômico de 5% ao ano sem aumento da dívida a partir de 2025 por um prazo de cinco anos ou mais.

Qualquer previsão acima de 5% ao ano no longo prazo é irrealista. Se Xi for uma espécie de Putin, o crescimento deverá ficar entre 2% e 3%.

Exame - O senhor se diz mais preocupado com o que pode acontecer na próxima década do que com o curto prazo. Por quê?

Kroeber - Não acreditamos na tal aterrissagem forçada da economia chinesa. Há muita vitalidade nos setores de serviço e consumo. Fora isso, o governo parece disposto a proporcionar as condições fiscais e monetárias para manter o crescimento econômico acima de determinado nível. Os retornos no setor industrial nos últimos dois anos foram terríveis e talvez não haja muito o que piorar.

Se não tivermos nenhum grande choque externo, a economia doméstica tem plenas condições de manter um crescimento de cerca de 6% no curto prazo. Em 2015, o país cresceu 6,9%. Neste ano deverá fechar em torno de 6,5%. No ano que vem, mais perto de 6% e, no seguinte, meio ponto percentual a menos.

Exame - Caso essa desaceleração paulatina se confirme, quais serão os efeitos no Brasil?

Kroeber - A demanda por commodities da China já passou de seu ápice. Isso não vai mudar. Não quer dizer que vai despencar mais ainda. Mas não vai voltar a crescer como antes.

Exame - Com a elevação da renda dos chineses, muitos preveem que as exportações de carne brasileiras aumentem. A carne poderá ser o novo minério de ferro para o Brasil?

Kroeber - Examinamos esse tema com atenção e, infelizmente para o Brasil, a res­posta é não. A dieta dos chineses já é muito boa e o consumo de carne é alto em comparação com seus vizinhos.

Claro que os chineses podem decidir comer mais carne do que os coreanos e os tailandeses, mas acho difícil que um eventual aumento leve a uma enorme elevação das exportações brasileiras. Os chineses têm um dos maiores rebanhos do mundo. 

Exame - A China pode estar desacelerando, mas ver a segunda maior economia do mundo crescer no ritmo atual não é nada desprezível. Um ritmo de 6% ao ano hoje não gera mais riqueza do que 10% há dez anos?

Kroeber - É verdade que a base sobre a qual calculamos a geração de riqueza é muito maior agora. Mas, quando avaliamos o impacto da China na economia global, precisamos medi-lo em dólares. É o que dá a dimensão do poder de compra do país no mercado internacional.

A contribuição chinesa para o crescimento global hoje é um terço do que era há quatro anos em termos nominais, ou seja, sem descontar a inflação do perío­do. Isso aconteceu, entre outros fatores, pelo fortalecimento do dólar e pela queda no ritmo de crescimento chinês. Negar isso é uma falácia.

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