Revista Exame

A China em reforma - vai diminuir o tamanho do Estado?

Às vésperas do encontro que definirá as metas econômicas dos novos líderes comunistas, aumenta a expectativa por mudanças que diminuam a presença do Estado

Escola para filhos de migrantes: sem teto e sem apoio (Huang Xiang/Xinhua Press/Corbis/LATIN STOCK)

Escola para filhos de migrantes: sem teto e sem apoio (Huang Xiang/Xinhua Press/Corbis/LATIN STOCK)

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Da Redação

Publicado em 8 de novembro de 2013 às 11h22.

São Paulo - Numa viagem à China na década de 90, o economista Milton Friedman, um dos ícones do pensamento liberal, deu um conselho aos membros do Partido Comunista sobre como adotar a disciplina de mercado numa economia dominada pelo Estado. “Não corte o rabo do rato de pedaço em pedaço. Corte o rabo inteiro de uma só vez.”

Um dos chineses presentes pegou carona na metáfora para explicar quanto era difícil colocar em prática as reformas defendidas por Friedman. “Meu caro professor, nosso rato tem muitos rabos e nós não sabemos qual deles cortar primeiro.”

A China optou por fazer pequenos ajustes de tempos em tempos e, com essa estratégia, deslanchou nas últimas duas décadas. Agora, com a desaceleração do PIB, seus líderes voltaram a falar sobre a necessidade de fazer grandes reparos no modelo de crescimento. O conteúdo da conversa lembra Friedman: diminuir a participação do Estado e elevar a eficiência da economia. 

A expectativa de que anúncios importantes sobre os rumos da economia estejam a caminho aumentou com a convocação da Terceira Plenária do 18º Congresso do Partido Comunista. O encontro acontecerá em Pequim a partir do dia 9 de novembro para definir as prioridades econômicas da nova liderança empossada no começo deste ano, o presidente Xi Jinping e o primeiro-ministro Li Keqiang.

Foi num evento semelhante em 1978 que Deng Xiaoping lançou as bases da modernização que abriu o país ao capital estrangeiro e às privatizações em alguns setores. “A expectativa em relação a essa plenária é muito grande. Alguns líderes do partido estão dizendo que será um marco similar ao do final da década de 70”, diz Cheng Li, diretor de pesquisa do Brookings Institution, centro de estudos de Washington, e considerado um dos maiores conhecedores da política chinesa.

Como as conversas nesses encontros são mantidas em segredo, será preciso esperar dias, meses ou talvez anos até que se saiba com detalhes quais reformas foram acordadas e a extensão de cada uma delas. 

De acordo com projeções do FMI, a economia chinesa deve avançar 7,6% neste ano. Se a estimativa se confirmar, será o pior desempenho desde 1990 — embora seja um número de fazer inveja a praticamente todas as nações do globo. O mais importante, porém, não é a queda de ritmo, uma decorrência quase inevitável à medida que a economia avança.


O que preocupa é a constatação dos desequilíbrios embutidos no modelo atual. Para bombar seu crescimento, a China tornou-se um país viciado em investimento — principalmente em infraestrutura e no setor imobiliário. No passado, Japão e Coreia do Sul adotaram uma estratégia semelhante, mas nenhum deles manteve uma taxa de investimento próxima a 50% do PIB como a China. 

Muito dinheiro, pouco resultado

Logo após a eclosão da crise mundial de 2008, o governo chinês decidiu abrir a carteira em grande estilo com uma dramática expansão do crédito. O endividamento passou de 130% do PIB para cerca de 200% hoje. Os maiores beneficiários foram as grandes empresas estatais e os governos provinciais e municipais. O risco, em momentos como esse, é que a qualidade dos projetos caia.

Recentemente, a prefeitura da cidade de Yangzhong, no leste do país, construiu uma estátua de um peixe gigante por 11 milhões de dólares. De acordo com a consultoria americana IHS, há dez anos cada iuane de investimento gerava cerca de 3 no PIB. Agora, 1 iuane contribui com cerca de 1  iuane para a economia.

“A China sofre com a má alocação dos investimentos”, diz Tony Nash, vice-presidente da IHS na Ásia. Como quase tudo acontece entre órgãos do governo — bancos estatais, grandes empresas estatais e governos locais —, alguns economistas dizem não haver motivos para preocupação.

As perdas, dizem eles, resumem-se a um problema para o Tesouro, que conta com o apoio de uma boa posição fiscal. Pode fazer sentido no curto prazo — e, por isso, ninguém prevê um armagedom. Mas são crescentes as vozes dentro do próprio país sugerindo que o foco exagerado nos investimentos em algum momento trará complicações. Por isso mesmo, os olhos do mundo voltam-se agora para os líderes do país dono do segundo maior PIB do globo.

Em relação a esse diagnóstico, não há grandes discussões. O drama está em saber exatamente o que fazer agora. Uma alternativa seria reformar o sistema financeiro para elevar as taxas de juro cobradas nos empréstimos, o que faria a concessão de crédito ser mais criteriosa. Isso, porém, levaria a dívida existente, que não é pequena, a dar um salto.

Como parte do investimento é canalizada para os setores de infraestrutura e imobiliário, outra opção atualmente estudada pelo Partido é mudar as regras sobre o direito de propriedade das terras. Os que moram e produzem nas áreas rurais não costumam ter os títulos de posse.


A decisão sobre a venda e o preço é geralmente dos governos locais, na maioria das vezes interessados na concretização dos negócios. Isso explica o baixo custo das terras transformadas em áreas urbanas ou usadas em projetos de infraestrutura. Mudar a lei e aumentar o valor das propriedades tiraria parte dos estímulos indiretos que esses investimentos têm hoje.

Mas, como em qualquer lugar, é mais fácil falar em reformas do que executá-las. “Há muitos interesses escusos contrários às reformas”, diz o chinês Dali Yang, professor de ciência política na Universidade de Chicago. 

A mudança do sistema de registros de residências também está em estudo. Hoje, um trabalhador rural que chegue a uma cidade sem o documento local de moradia não tem acesso a serviços públicos, como saúde e educação. Por isso, acaba gastando 30% menos do que um cidadão da cidade para bancar as despesas. Ao legalizar a situação dos 220 milhões de trabalhadores sem documentação completa, o governo daria um forte incentivo ao consumo, um importante vetor do crescimento econômico que é represado na China.

Li-economics

Desde que assumiu no começo deste ano, o primeiro-ministro Li Keqiang, responsável pelos assuntos econômicos, deu sinais de que está mesmo disposto a aumentar a eficiência da economia. “Reformas importantes já foram anunciadas. A exigência de capital inicial para companhias privadas, por exemplo, foi abolida”, diz a chinesa Sophii Wegn, economista do banco Standard Chartered.

Há cerca de dois meses, o governo anunciou que pretende criar a Zona de Livre Comércio de Xangai. A ideia é que uma região de 11 quilômetros quadrados no distrito de Pudong, hoje ocupada por armazéns, torne-se o quartel-general de bancos, tradings e outras empresas do setor de serviços atraídas por um ambiente de negócios mais parecido com Hong Kong do que com o restante da China.

Trata-se da repetição da estratégia usada nas últimas décadas no processo de industrialização da costa. Na época, o governo fez inicialmente experimentos de liberalização dos investimentos externos em áreas menores para, aos poucos, repeti-los em outras partes. 

Melhorar o modelo econômico é crucial para manter a estabilidade política. Em maio de 1989, Jiang Zemin chegou a Pequim como o escolhido para liderar a China nos anos seguintes sem a menor pompa. No aeroporto, nada de limusine enfeitada com bandeiras vermelhas.

O carro que o esperava era um Santana, da Volkswagen, um dos veículos mais populares da época na China. Em vez de terno e gravata, Zemin usava roupas que não o diferenciavam da multidão. Tudo para não chamar a atenção de estudantes e trabalhadores que enchiam as ruas. (A história, como sabemos, acabou mal para os manifestantes: cerca de 3 600 morreram no episódio conhecido como massacre da praça da Paz Celestial.)

Desde então, a economia deslanchou e o enriquecimento dos chineses ajudou a evitar grandes convulsões. As reformas que se esperam para breve têm como meta manter o status quo: muito crescimento econômico e pouca contestação política.

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