Revista Exame

A cartilha de Cuba

Sobre a origem do novo programa de alfabetização

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Da Redação

Publicado em 24 de março de 2011 às 10h42.

Os oráculos da educação já decretaram. Para alfabetizar adultos ou crianças, o professor deve preparar seu próprio material, pois livros e cartilhas são manifestação autoritária de um poder central. Só há um problema. Lemos nos jornais que o Ministério da Educação acaba de acertar um acordo com Cuba, que passará a nos oferecer seu método de alfabetização de adultos.

.No evangelho da esquerda, se é de Cuba, só pode ser bom. Mas o método cubano consiste numa cartilha bem detalhada, aulas em vídeo, treinamento, tudo empacotadinho. Ironia do destino, é exatamente o que detestam os oráculos. E agora? Colide a pureza ideológica de Cuba com a pureza das religiões pregadas pelos educadores de esquerda. Os dois métodos são frontalmente opostos.

Para infiéis como eu, a origem em Cuba não garante qualidade. Mas o método cubano tem méritos. Ele é praticamente igual ao Telecurso 2000, um programa já cursado por milhões de brasileiros com sucesso. É formado por livro com passo-a-passo, vídeos, monitores e programas de treinamento para monitores.

Só não sei se Cuba tem o refinamento televisivo da Globo. A opção pelo material cubano em detrimento do nacional seria até engraçada se não envolvesse dinheiro público na solução de um falso problema.

Durante o regime militar, quando havia muito mais analfabetos do que hoje, o governo criou o Mobral. Já se sabia de antemão que não ia dar certo, apesar de rico e organizado. Após 30 anos, foi-se a memória do fracasso e evaporou-se grande parte do estoque de analfabetos. Já faz tempo que o país praticamente parou de produzi-los, pois a escola recebe quase toda a população em idade escolar.

No total, os analfabetos são 10% da população com mais de 10 anos, mas a imensa maioria deles (68%) tem mais de 40 anos. Paulo Freire achava que não valia a pena investir em gente com idade avançada.

Para piorar, sabemos que são necessários cinco anos de escolaridade para que a educação possa aumentar a produtividade dos trabalhadores. Exumar a meta do Mobral em tais campanhas não leva a nada. Ou não aparecem os alunos. Ou aparecem e abandonam o curso no meio. Ou se formam com muito menos do que é necessário para beneficiar sua vida profissional. A alfabetização não passa do domínio da mecânica de decifrar um texto. A educação vem bem depois, quando tal técnica é usada para abrir a cabeça do aluno e ensinar coisas úteis.

Nada contra programas tópicos. Mas, quando o MEC fala em alfabetizar 20 milhões de adultos, suspeitamos que alguma coisa está profundamente errada nas nossas políticas educativas. Onde está a prioridade obsessiva pela qualidade do ensino das crianças?

Os estudos mostram que mais da metade das crianças que atingiram a 4a série tem nível "crítico" ou "muito crítico" de leitura. Só conseguem compreender frases simples. É vital cuidar da escolarização inicial. E fica a questão: se em quatro anos os jovens não dominam a leitura, os adultos vão ter mais sucesso em um par de meses?
 

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