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A energia da cana de açúcar ficou pelo caminho

As usinas de açúcar e etanol esperavam gerar energia equivalente a uma hidrelétrica de Itaipu usando o bagaço da cana como combustível — mas a crise no setor e a falta de competitividade nos leilões atrasaram os investimentos


	Colheita num canavial de São Paulo: fonte de energia mal aproveitada
 (Divulgação / EXAME)

Colheita num canavial de São Paulo: fonte de energia mal aproveitada (Divulgação / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 24 de abril de 2014 às 17h48.

São Paulo - Nos últimos 12 anos, a empresa de energia Raízen, uma sociedade entre a Cosan e a Shell, investiu 2 bilhões de reais na instalação de equipamentos para gerar energia com a queima do bagaço de cana em 13 de suas 24 usinas de açúcar e etanol.

A empresa tem hoje um parque gerador de 940 megawatts, o suficiente para abastecer uma cidade com duas vezes a população de Belo Horizonte. Os tempos de expansão, no entanto, ficaram para trás.

“Em 2013, concluímos projetos que estavam em andamento e suspendemos novos investimentos em energia”, diz Pedro Mizutani, vice-presidente de açúcar, etanol e bioenergia da Raízen. “Tínhamos planos de aplicar 1,7 bilhão de reais para aumentar nossa capacidade em 40%. Isso vai ficar na gaveta.”

O caso da Raízen é um exemplo da frustração que se abateu sobre os projetos de geração de energia da cana. Um estudo realizado há seis anos pela União da Indústria da Cana de Açúcar (Unica), entidade que congrega as usinas, estimava que, ao final de 2014, o setor teria uma capacidade de geração de 14 000 megawatts, o equivalente a uma hidrelétrica de Itaipu.

Hoje, as usinas de açúcar e etanol têm capacidade para gerar, juntas, 9 300 megawatts. É como se 70% da “Itaipu de cana” tivesse sido construída. Mas sua contribuição ainda é pequena. Em 2013, as termelétricas de bagaço geraram 35% menos do que o previsto no planejamento para o setor elétrico elaborado pelo governo.

“A maioria produz menos energia do que poderia”, afirma Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura. “O bagaço de cana é hoje uma fonte muito mal aproveitada.”

A falta de interesse na energia da cana pode parecer um contrassenso num momento em que o Brasil vive um cenário de escassez. Os reservatórios das hidrelétricas estão nos níveis mais baixos desde 2001, quando houve racionamento.

Por isso o governo põe em operação praticamente constante as termelétricas a gás e a óleo, mais caras e poluentes, cuja função deveria ser atender à demanda apenas em momentos de emergência.

Um dos entraves à expansão da energia do bagaço de cana é a crise que as empresas de açúcar e álcool atravessam — provocada pela política de controle de preços dos combustíveis praticada pela Petrobras, o que retirou competitividade do etanol.

Desde 2007, 58 usinas pediram recuperação judicial — seis delas neste ano. De acordo com a consultoria MBF Agribusiness, 60% das usinas hoje têm dívidas que superam o faturamento anual. 

Para deixar a o bagaço de cana atrativo, os usineiros pedem mudanças nos leilões de energia. Neles, ganha quem oferece o menor preço por megawatt, e nisso o bagaço está em desvantagem. Gerar energia de biomassa sai quase 40% mais caro do que numa central eólica. Mas há uma diferença importante.

Boa parte da energia dos ventos é produzida na Região Nordeste. E 85% das usinas de açúcar e etanol estão no centro-sul, onde se consome 60% da energia do país. A proximidade diminuiria os custos de transmissão em até 30 reais o megawatt-hora.

“Se isso fosse levado em conta nos leilões, a energia elétrica gerada com a cana voltaria a atrair investimentos”, diz Elizabeth Farina, presidente da Unica.

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