Revista Exame

Por que a Bovespa quer comprar a Cetip

Edemir Pinto sempre fez pouco caso do risco de surgir um concorrente para a BM&FBovespa. Agora, está disposto a pagar mais caro para comprar a Cetip


	 Edemir Pinto, da BM&FBovespa: com a Cetip, a bolsa dificulta a vida de possíveis concorrentes
 (Reuters/Paulo Whitaker)

Edemir Pinto, da BM&FBovespa: com a Cetip, a bolsa dificulta a vida de possíveis concorrentes (Reuters/Paulo Whitaker)

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Da Redação

Publicado em 16 de março de 2016 às 11h43.

São Paulo — Em momentos de absoluta incerteza, como no Brasil de Dilma Rousseff e companhia, as empresas têm um enorme incentivo a não fazer rigorosamente nada com o dinheiro que têm em caixa. Na dúvida, melhor esperar até que as coisas clareiem um pouco.

No mundo das fusões e aquisições, isso se reflete no seguinte estado das coisas: muita gente quer vender, até porque está em situação financeira difícil e precisa levantar dinheiro; pouca gente quer comprar. Arriscar para quê? É curioso observar que a bolsa de valores BM&FBovespa e a prestadora de serviços financeiros Cetip vivam hoje uma disputa que é o contrário de tudo isso.

A Bovespa, como a bolsa é mais conhecida, tenta, de todo jeito, comprar a Cetip — que, por sua vez, esmera-se em dizer “não, obrigado”. Desde novembro, quando o balé das duas companhias brasileiras começou, a Bovespa já fez duas ofertas pelo controle da Cetip.

Foi rejeitada em ambas. As negociações continuam e, até o fechamento desta edição, uma nova proposta de aquisição estava sendo estudada pela Bovespa. O que leva a Bovespa a ser tão agressiva enquanto o resto do Brasil corporativo pisa no freio? As razões são muitas.

A mais óbvia delas, no momento atual, é a chance de diversificar: quase 40% do faturamento de 2,5 bilhões de reais da bolsa depende do mercado de ações, que vai de mal a pior. A receita caiu 12% em dois anos, e não há perspectiva de melhora. As ofertas de ações estão paralisadas e quase 51.000 investidores individuais já deixaram os pregões.

Hoje, são pouco mais de 560.000 (a meta de chegar a 5 milhões de investidores, anunciada por Edemir Pinto, presidente da Bovespa, parece cada vez mais distante). O que garantiu o crescimento da bolsa foi o segmento de derivativos, impulsionado pela instabilidade do câmbio, que levou mais empresas a tentar proteger suas receitas.

Já a Cetip é especializada em renda fixa: 70% de suas receitas vêm do registro de títulos como CDBs e debêntures, e esse mercado está em expansão. A empresa também faz o registro dos financiamentos de veículos, que respondem por 30% do faturamento. Mas talvez a grande razão por trás do ímpeto seja defensiva. Bovespa e Cetip têm o monopólio de seus principais mercados.

Só é possível negociar ações na Bovespa, e a Cetip tem mais de 95% do segmento de renda fixa. De acordo com alguns acionistas da Bovespa, a direção da empresa temia que, com o real desvalorizado, bolsas estrangeiras tivessem um incentivo a mais para tentar comprar a Cetip, o que poderia dar fôlego à empresa para concorrer com a bolsa em segmentos como o de ações.

Além disso, nos últimos anos, as duas companhias começaram a concorrer em setores específicos. Em 2014, a Bovespa conseguiu uma autorização para fazer o registro de papéis de bancos e, de lá para cá, passou a deter 75% do mercado de letras de crédito agrícola.

Já a Cetip começou a fazer o registro de operações de derivativos. “Comprando a Cetip, a bolsa neutraliza um potencial competidor de peso”, diz Felipe Silveira, analista da corretora Coinvalores. Procuradas, Bovespa e Cetip não deram entrevista.

Tendência mundial

O ganho de escala seria providencial para a Bovespa. Analistas do banco Brasil Plural estimam que as sinergias geradas pela união poderiam chegar a 5 bilhões de reais em até nove anos, mais do que a soma do faturamento anual das duas empresas. É isso que está por trás da maioria das fusões e aquisições de bolsa ocorridas nas duas últimas décadas no mundo.

Os cinco principais mercados globais foram formados por meio da junção de 24 empresas. É o caso da ICE, que é dona de 11 bolsas, como a de Nova York, além de ser acionista da Cetip. A própria BM&F Bovespa foi criada após a fusão das duas empresas em 2008 (a BM&F e a Bovespa).

Em março, a ICE informou que avalia fazer uma proposta para a compra da bolsa de Londres — que está negociando uma fusão com a bolsa da Alemanha. Para empresas e investidores, o maior risco da consolidação é ver subir os preços que pagam para negociar. Na Europa e nos Estados Unidos, pesquisas mostram o contrário: o custo de operar diminuiu.

A razão é que o volume de margens de garantia exigido dos investidores é menor: em vez de ter de depositar as margens em várias bolsas, podem depositar em apenas um lugar. Essa vantagem poderia ser anulada se as bolsas aumentassem suas tarifas, mas não foi o que aconteceu. “Há várias bolsas na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos.

Lá, a consolidação não prejudicou a competição, pelo menos por enquanto”, diz Pedro Saffi, professor de finanças na Universidade de Cambridge. A situação é diferente no Brasil. Como há pouquíssima liquidez nos demais mercados da América Latina, a “BM&F Bovespa Cetip” teria mais espaço para aumentar preços do que seus pares no exterior.

Essa possibilidade levou os bancos que são grandes acionistas da Cetip a vetar a venda da empresa à bolsa no passado (segundo executivos próximos às duas companhias, a Bovespa tentou comprar a Cetip pelo menos cinco vezes). ­EXAME apurou que a bolsa fez uma série de reuniões com os bancos desde o fim do ano passado para convencê-los de que não elevaria os preços.

Agora a Bovespa tenta convencer os demais conselheiros e acionistas da Cetip a aceitar sua proposta. Nenhuma das empresas tem um dono: seu controle é pulverizado entre milhares de acionistas, e quem decide os rumos das companhias é o conselho de administração.

No dia 2 de março, o conselho da Cetip surpreendeu o mercado ao rejeitar a segunda oferta. Apesar disso, permitiu que as negociações continuas­sem, o que, na prática, significa que pode concordar com a venda se o preço subir.

Um grupo de fundos que têm cerca de 10% do capital da companhia havia enviado uma carta aos conselheiros recomendando que aceitassem a proposta da Bovespa, que previa pagar 41 reais por ação da Cetip — o que avalia a empresa em quase 11 bilhões de reais — e desembolsar 75% dessa quantia em dinheiro. A oferta anterior era de 39 reais por ação, com o pagamento de 50% em dinheiro.

“Nosso medo é que o negócio não saia por centavos, o que faria as ações das duas companhias despencar”, diz um acionista. Desde novembro, quando as negociações começaram, as ações da Bovespa subiram 35% e as da Cetip 18%, enquanto o Ibovespa valorizou 7%. Se os acionistas ficarem insatisfeitos, eles podem convocar uma assembleia. Nesse caso, a decisão da venda ocorreria na base do voto.

Se está difícil que acionistas e conselheiros se entendam, a polêmica deve ser maior se a aquisição for concluída. Advogados esperam uma longa e detalhada análise pelo Cade, o órgão regulador da concorrência, porque a nova empresa teria o monopólio de toda a cadeia de suporte ao mercado de capitais. “A partir de agora, temos de rezar”, diz um conselheiro da Bovespa. Os investidores também.

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