Revista Exame

A bilionária caça às pechinchas

Sites e aplicativos de comparação de preços chegam a nichos específicos, como seguros e criptomoedas. Mas dá para competir com o Google?

Bernardo Pascowitch, da Yubb (Germano Lüders/Exame)

Bernardo Pascowitch, da Yubb (Germano Lüders/Exame)

TL

Tais Laporta

Publicado em 4 de julho de 2019 às 05h30.

Última atualização em 8 de julho de 2019 às 15h08.

Os comparadores de preços apareceram quando a internet ainda era um terreno quase inabitado — mas só agora ficaram tão competitivos a ponto de penetrar em todo tipo de segmento. Hoje, a caça às barganhas é um mercado bilionário, que contrapõe gigantes a novatos e dá origem a uma variedade de sites e aplicativos que comparam não só produtos mas também serviços dos mais variados tipos.

Quem assiste à TV ou navega na internet invariavelmente dá de cara com anúncios de inúmeros comparadores: de hotéis, de seguros, de criptomoedas. O setor passa por um momento de consolidação mundial que começa a despontar no Brasil. Em maio, o comparador de preços Zoom acertou a compra do rival Buscapé, o mais antigo do país, num negócio que deverá gerar um fluxo de 5 bilhões de reais para mais de 2.000 lojas em 2019.

A consolidação é o ponto alto de uma evolução que começou 20 anos atrás. O tataravô dos comparadores de preços, o My Simon, surgiu no final de 1998 nos Estados Unidos. O My Simon sobrevivia com publicidade e taxas de parceiros, e depois passou a se rentabilizar por clique. Foi comprado por 736 milhões de dólares pela empresa de mídia californiana CNET em janeiro de 2000.

Por pouco, o primeiro comparador do mundo não surgiu no Brasil. O então estudante Romero Rodrigues começou a desenvolver uma ferramenta parecida em 1998 com os amigos Ronaldo Takahashi e Rodrigo Borges. Em 1o de junho de 1999 nasceu o Buscapé, o segundo comparador do mundo, com 35 lojas parceiras. “Tivemos de educar o brasileiro a comparar preços. Hoje isso é óbvio, mas naquela época ninguém tinha esse hábito”, diz Rodrigues. No auge, de cada 100 reais em compras pela internet no Brasil, 30 chegaram a passar por uma das 20 marcas do Buscapé, como Bondfaro, Ebit e Que Barato.

A mais recente geração de comparadores, voltada para serviços, só apareceu depois que os de varejo já estavam maduros. Assim como o Buscapé evoluiu na esteira do comércio eletrônico, os novos negócios vêm acompanhando o avanço das fintechs. Fundada em 2007 nos Estados Unidos, a Credit Karma foi uma das primeiras a comparar serviços financeiros e hoje, com 80 milhões de usuários, é avaliada em 4 bilhões de dólares.

À medida que as startups de serviços financeiros se multiplicaram, surgiram comparadores de diversas modalidades, de investimentos a maquininhas de cartão. No Brasil, é um mercado em franco crescimento. Há pelo menos oito comparadores de serviços financeiros, segundo a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs). O maior buscador de investimentos, o Yubb, tem 280.000 usuários e 9.000 opções para comparar. O Yubb foi criado em 2014 — pelo advogado Bernardo Pascowitch, que saiu do escritório Pinheiro Neto, onde assessorava startups, para abrir a empresa. Ele havia percebido que muita gente perdia dinheiro por investir errado. “Falta informação ao brasileiro e a ideia é sofisticar a ferramenta conforme esse conhecimento evolui”, diz Pascowitch, presidente do Yubb e diretor da ABFintechs.

Google: multa de 2,4 bilhões de euros na Europa por favorecer seu comparador | Christian Charisius/Picture Alliance/Getty Images

Os comparadores de nicho já são onipresentes em mercados muito competitivos. Um exemplo é o mineiro Melhor Câmbio, concebido em 2015 quando um de seus fundadores teve dificuldade em buscar a melhor cotação do euro. A startup montou um buscador que compara cotações de moedas em mais de 1 200 casas de câmbio do Brasil, com um mecanismo de “pechincha” do preço.

Nele, o usuário diz quanto quer pagar e o sistema dispara uma oferta para as casas de câmbio. A primeira a aceitar fecha a operação. “Qualquer casa de câmbio pode competir igualmente”, diz Alexandre Monteiro, um dos fundadores da fintech. O site já recebeu 3 milhões de usuários e cresce 80% ao ano. A “guerra das maquininhas” também abriu caminho para a criação do serviço de comparação Azulis, startup do grupo de investimentos Red Ventures. Desde dezembro, o serviço já recebeu mais de 100.000 pedidos de empreendedores, motoristas de táxi e autônomos indecisos entre tantos modelos. “Esse mercado ainda está se desenvolvendo no Brasil e tem muito potencial”, diz Daniel Miranda, diretor da Azulis. Os comparadores de crédito são outro nicho que deslanchou. A startup Finanzero, lançada em 2016, captou 42 milhões de reais em investimentos neste ano.

 

A julgar pelo que vem acontecendo no mercado americano, uma consolidação é inevitável. E há um candidato natural a consolidador: o Google, dominante nas buscas pela internet. O gigante de tecnologia vem sendo alvo frequente de reclamações por supostamente favorecer seu comparador de preços, o Google Shopping. Os critérios de destaque do buscador — quase onipresente, com 97,5% do mercado mundial, segundo a consultoria Statista — têm sido fortemente questionados.

Em 2017, a empresa foi multada em 2,4 bilhões de euros pela Comissão Europeia por favorecer seu comparador em detrimento da concorrência. O debate já chegou ao Brasil. A E-commerce Media Group Informação e Tecnologia, antiga dona do Buscapé e do Bondfaro, acusou anos atrás o Google de copiar suas- avaliações de produtos e exibi-las como conteúdo próprio no Google Shopping. Mas o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, órgão antitruste brasileiro, arquivou a denúncia em junho, sem encontrar provas da prática.

Contra o Google, é natural que comparadores se unam. No Reino Unido, o -MoneySupermarket, avaliado em 2,2 bilhões de dólares, engoliu concorrentes como o MoneySavingExpert.com em 2012 e passou a oferecer comparação de todo tipo, de serviços de energia elétrica a combustíveis. É a mesma lógica que fez Zoom e Buscapé se unirem. “O Google continuará como grande ameaça, mas sempre haverá demanda por serviços de nicho”, diz John Lopatka, professor na Universidade da Pensilvânia e especialista em conflitos concorrenciais. “As plataformas podem coexistir.” Melhor se assim for.

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