Sigma Lithium: empresa investiu 1,5 bilhão de reais para montar duas plantas em MG, onde rejeitos são empilhados a seco, evitando riscos associados ao uso de barragens (Divulgação/Divulgação)
Editor de Macroeconomia
Publicado em 10 de novembro de 2023 às 06h00.
Última atualização em 13 de novembro de 2023 às 14h17.
A busca da neutralidade de carbono traz oportunidades para países como o Brasil, dono de recursos minerais-chave para a construção de um futuro sustentável, como o lítio, cobalto, níquel, cobre.
A demanda por lítio, por exemplo (essencial para a confecção de baterias com boa autonomia e longa vida útil), tende a aumentar dez vezes antes do final da década. De acordo com a Verified Market Research, a mineração de lítio deverá movimentar 5,4 bilhões de dólares em 2030 — 2 bilhões de dólares a mais do que em 2021. Isso porque cada vez mais montadoras — da Tesla à Volkswagen, da GM à Volvo — apostam em veículos movidos a eletricidade. O mineral é visto pelo Ministério de Minas e Energia brasileiro como uma oportunidade de inserção do Brasil como player de nível mundial em mais um mercado. O país ocupa a oitava posição em reservas e a quinta em produção mundial. O objetivo é, com pesquisas e projetos, elevá-lo à terceira colocação, declarou o diretor do Departamento de Geologia e Produção Mineral, da Secretaria Nacional de Geologia, Mineração e Transformação Mineral (SNGM), José Luiz Ubaldino, durante debate na Câmara dos Deputados em outubro.
A Sigma Lithium é uma das companhias do setor que se voltam para a mineração sustentável. Com papéis negociados na Nasdaq e na bolsa de Toronto, ela investiu 1,5 bilhão de reais para montar uma planta em dois municípios em Minas Gerais — falamos de Araçuaí e Itinga, no Vale do Jequitinhonha. O processo adotado recicla 100% da água utilizada, embora 10% acabe evaporando, e os rejeitos são empilhados a seco (todo mundo sabe quais são os riscos associados ao uso de barragens, principalmente nessa região do país).
Embora a Sigma Lithium faça a extração do minério, o foco da empresa está no processamento. Explica-se: o valor de mercado da matéria-prima bruta é de cerca de 60 dólares a tonelada. Já o valor estimado do lítio processado é 100 vezes maior — perto de 6 mil dólares a tonelada. Nas primeiras fases, a multinacional espera produzir 5,1 bilhões de dólares em lítio. Um dos clientes é a LG, fornecedora de componentes para Porsche, Audi e GM. Para manter o curso do Rio Piauí inalterado, a companhia diz ter aberto mão de 30% de suas reservas. Dos royalties estipulados, 60% serão repassados para os municípios que abrigam a planta. Com isso, estima-se, o PIB de Araçuaí deverá crescer 47%; e o de Itinga, 135%.
De acordo com a Agência Internacional de Energia, a IEA, o mercado dos produtos classificados como essenciais para a transição dobrou de tamanho nos últimos cinco anos. Envolve todos os minérios associados a veículos elétricos, turbinas eólicas, painéis solares e outras tecnologias cruciais para o adeus global à era do carbono.
De 2017 a 2022, além do lítio, cuja demanda triplicou, aumentou a busca por cobalto (crescimento de 70%) e por níquel (40% a mais). A expansão na procura é atribuída, principalmente, ao setor de energia. No ano passado, segundo a IEA, o mercado de minérios de transição energética movimentou 320 bilhões de dólares. Já os investimentos das empresas do setor cresceram 30% em 2022, depois de um aumento de 20% em 2021. O lítio parece ter emergido como a oportunidade da vez. Foi a matéria-prima que registrou maior alta de investimentos: 50% em 2022.
“Somos encorajados pelo rápido crescimento do mercado de minerais essenciais, que são cruciais para o mundo atingir seus objetivos energéticos e climáticos”, aponta Fatih Birol, diretor-executivo da IEA. “Mesmo assim, temos grandes desafios pela frente. É necessário fazer muito mais para garantir que as cadeias de abastecimento de minerais do tipo sejam seguras e sustentáveis."
Há algumas semanas, a agência de classificação de risco Fitch divulgou um relatório no qual alerta para o fato de que esses minerais essenciais para uma economia de baixo carbono — também chamados de críticos — estarão sujeitos, cada vez mais, a entraves regulatórios, de mercado e a questões sociais. “Fatores regionais, como a exposição a riscos climáticos e físicos e a prevalência da desigualdade social, podem agravar ainda mais a vulnerabilidade de certos minerais críticos”, escreveram dois analistas da agência, Jonathon Smith e
Tamara Tisminetzky. Em algumas regiões do globo, questões geopolíticas também ameaçam o acesso a esses itens estratégicos.
Mais oportunidades
O Brasil também dispõe de reservas significativas de níquel (a terceira maior do mundo) e de outros minérios-chave para um futuro mais sustentável, como a bauxita e o manganês. A primeira corresponde a 2,6% do volume de pedras extraídas no país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Mineração, o Ibram, que representa empresas e instituições que atuam no setor. O níquel equivale a 1,4% das extrações, enquanto o manganês, 0,1%. A dianteira é ocupada pelo minério de ferro, com 58,5%, e o segundo lugar pertence ao ouro, com 9,4%.
“O país possui elevada vocação mineral, com províncias minerais espalhadas por todo o território”, declarou Raul Jungmann, diretor-presidente do Ibram, na última convenção anual da Prospectors and Developers Association of Canada. “Embora o país já tenha destaque como player para diversas commodities, seu verdadeiro potencial mineral ainda não é totalmente conhecido”. A demanda crescente pelas matérias-primas críticas, na avaliação de Jungmann, abre oportunidades que merecem uma política nacional própria. “Estamos trabalhando para isso”, registrou. De acordo com o Ibram, o setor mineral nacional faturou 120 bilhões de reais no primeiro semestre deste ano — petróleo e gás não entram nessa conta. Já as exportações do segmento totalizaram 19,85 bilhões de dólares no mesmo período.
Com o objetivo de criar novas soluções para o setor — associadas, principalmente, a fontes de energia renovável, eficiência operacional e gestão de água, resíduos e rejeitos —, o Ibram montou, em 2019, ao lado de várias mineradoras brasileiras, o Mining Hub. Trata-se de um centro de inovação para startups que agrega, em um mesmo espaço físico, empreendedores e empresas integrantes da cadeia de fornecimento da indústria de minérios.
Anglo American, AngloGold Ashanti, ArcelorMittal, Bahia Mineração, Bemisa, CSN, Gerdau, Mineração Morro Verde, Samarco, Usiminas e Vale são algumas das empresas associadas ao centro de inovação, que já mapeou 270 desafios do setor e contratou 17 startups.
Uma delas é a Indwise, cuja razão de ser é aumentar a produtividade na indústria 4.0. Fundada em 2017, ela foi apadrinhada pela mineradora Ferrous. No Mining Hub, a startup criou uma solução que permite que as usinas façam a gestão em tempo real da captação da água, do reservatório principal e do abastecimento em geral. Inclui alertas em caso de situações críticas e relatórios gerenciais para entender consumos setoriais, taxa de reaproveitamento de água e de utilização.
Também de 2017, a startup Prronto nasceu com o intuito de capacitar mulheres em situação de vulnerabilidade social para atuarem no mercado da construção civil. Em 2020, ela passou a se dedicar à inovação e à economia circular, com o objetivo de valorizar os rejeitos da extração mineral. Apadrinhada pela CBA no Mining Hub, ela foi instada a criar uma solução para um problema enfrentado pela gigante do alumínio.
Na Zona da Mata mineira, a companhia extrai bauxita. O rejeito derivado desse processo é composto de alumina, sílica e ferro. O desafio era transformá-lo em matéria-prima de um produto útil com viabilidade técnica e econômica — e que, de quebra, fosse efetivamente sustentável e gerasse impacto social na comunidade.
O que a Prronto desenvolveu foi um aglomerado ecologicamente correto, produzido a partir daquele rejeito. Trata-se de um substituto da brita e da argila expandida. Pode ser produzido localmente e escoado para regiões longínquas. Com a solução, a CBA tornou mais sustentável sua produção de bauxita — um dos minérios, convém lembrar, essenciais para a transição energética.
• 5,4 bilhões de dólares. Esse é o montante que a mineração de lítio de que o Brasil dispõe deverá movimentar em 2030 (2 bilhões de dólares a mais do que em 2021)
• 320 bilhões de dólares foi o valor movimentado, no ano passado, pelo mercado de minérios de transição energética no Brasil
• 120 bilhões de reais foi quanto faturou o setor mineral no primeiro semestre deste
ano no país
• 19,8 bilhões de dólares representam o volume das exportações do segmento no Brasil no primeiro semestre deste ano