Pará: bioeconomia pode gerar 816 milhões de reais ao PIB estadual (Rafael Medelima/COP30/Flickr/Divulgação)
Publicado em 25 de setembro de 2025 às 22h00.
Desde que assumiu a presidência da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago vem sinalizando que o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) seria “um grande resultado” da conferência climática brasileira.
Às vésperas do evento em Belém, a aposta se materializa como a principal carta na manga para garantir entregas concretas durante a primeira COP realizada em uma região amazônica.
O mecanismo, apresentado oficialmente durante a Semana do Clima de Nova York, promete mobilizar 125 bilhões de dólares em capital permanente para distribuir 4 bilhões de dólares anuais a países em desenvolvimento com florestas tropicais.
Diferentemente de programas anteriores com base em doações voláteis, o TFFF opera como fundo de dotação perpétuo, transformando a lógica de financiamento climático ao remunerar diretamente a conservação florestal.
A ideia é relativamente simples, mas disruptiva: captar 125 bilhões de dólares com investidores e países desenvolvidos, aplicar esse montante no mercado financeiro e distribuir os rendimentos anuais de 4 bilhões de dólares exclusivamente para nações com florestas tropicais.
O cálculo de 4 dólares por hectare preservado supera o atual valor econômico da conversão florestal para agricultura, invertendo finalmente a lógica do desmatamento.
“Com o potencial florestal do Brasil, vamos ter uma receita para conservação nunca vista antes no mundo”, afirma o especialista em políticas públicas Marcelo Behar, enviado especial de bioeconomia da COP30.
Segundo ele, “a proposta é uma medida de proteção da natureza, com um ativo financeiro em que o rendimento vai para a manutenção das áreas verdes, independentemente do estoque de carbono”.
Diferentemente de outros mecanismos financeiros, o TFFF promete estabilidade perpétua. Ao desvincular a remuneração da complexa precificação de carbono e focar a manutenção física da cobertura vegetal, o modelo ainda deve eliminar burocracias que historicamente travaram outros programas.
Para Karen Silverwood-Cope,- diretora de Clima do WRI Brasil, “o fundo deve funcionar como um mecanismo de investimento que pode gerar retornos, criando incentivos econômicos positivos para a conservação florestal”. Ela considera o TFFF “uma parte importante do quebra-cabeça e será uma entrega essencial para manter a floresta em pé”.
A inovação vai além. Cada dólar público investido deve mobilizar 4 dólares privados, criando um efeito multiplicador que pode injetar recursos sem precedentes na bioeconomia.
Para o Brasil, isso significa transformar sua vantagem comparativa natural em receita, com projeções de movimentar até 140 bilhões de dólares anuais na economia verde nacional até 2032.
A obrigatoriedade de destinar 20% dos recursos diretamente aos povos tradicionais representa reconhecimento estratégico com base em dados empíricos: mais da metade dos defensores ambientais assassinados mundialmente é de lideranças indígenas, enquanto territórios sob gestão tradicional apresentam taxas de desmatamento consistentemente menores.
Essa cláusula de adesão ao TFFF institucionaliza uma abordagem de eficiência operacional, direcionando recursos para os atores que demonstram maior efetividade na preservação florestal.
O mecanismo também responde a crescentes demandas de investidores por critérios ESG que incluam justiça social em projetos ambientais.
Ao priorizar países emergentes com estoques florestais — Colômbia, Indonésia, Congo, Malásia —, o Brasil também articula uma necessária Coalizão do Sul Global, que redefine o poder de barganha climática.
Simultaneamente, atrai potências financeiras como Emirados Árabes Unidos e parceiros tradicionais europeus, criando uma ponte entre capital global e conservação tropical.
“Após três COPs seguidas com o mote do petróleo, esperamos uma COP da natureza no Brasil”, projeta Behar, lembrando que as últimas três COPs foram dominadas pela agenda de combustíveis fósseis. “Será um momento de virada, em que vamos apresentar soluções inovadoras”, acredita.
Embora otimistas, observadores veteranos em COPs e ambientalistas são unânimes quanto ao fato de um dos principais obstáculos ser justamente a captação.
Mobilizar 125 bilhões de dólares exige confiança internacional sem precedentes na governança brasileira e na estabilidade institucional de longo prazo. O contexto de oscilações de políticas ambientais torna tudo mais complexo.
Contudo, o TFFF oferece algo que mecanismos anteriores não conseguiram: previsibilidade financeira com base em retornos de mercado, não em boa vontade política.
Se bem-sucedido, pode finalmente criar o elo estrutural entre riqueza financeira global e preservação dos ecossistemas críticos para a estabilidade climática planetária.