Revista Exame

A anti-política falhou, diz autor de polêmico livro sobre Trump

Para autor do livro sobre os bastidores do governo Trump, Michael Wolff, eleger um antipolítico é mais problemático do que parece

Michael Wolff, autor de Fogo e Fúria: "Nunca vi tantas vertentes do sistema político americano tão determinadas a retirar um presidente" (Gabriel Bouys/AFP Photo/Exame)

Michael Wolff, autor de Fogo e Fúria: "Nunca vi tantas vertentes do sistema político americano tão determinadas a retirar um presidente" (Gabriel Bouys/AFP Photo/Exame)

FS

Filipe Serrano

Publicado em 15 de março de 2018 às 06h01.

Última atualização em 2 de agosto de 2018 às 15h45.

Quando chegou à casa branca no começo de 2017, o presidente americano, Donald Trump, prometia devolver o poder político de Washington ao povo dos Estados Unidos. O discurso demagógico o ajudou a atrair o apoio da população que se sente esquecida pelos políticos da capital do país. Passado um ano e dois meses, as sucessivas polêmicas envolvendo o presidente — como a recente imposição de tarifas de 25% sobre as importações de aço e de 10% sobre as de alumínio — vêm deixando claro como pode ser contraproducente eleger uma figura fora do ambiente político, sem experiência na administração pública e, no caso de Trump, sem disposição e paciência para entender temas complexos, como o comércio exterior. Essa é a visão do jornalista americano Michael Wolff, autor do polêmico livro Fogo e Fúria, que acaba de sair em português.

Publicado em janeiro nos Estados Unidos, o livro retrata os bastidores da Casa Branca e um cenário caótico em que Trump é visto pelos próprios assessores como alguém incapacitado para comandar o país. O livro irritou o presidente, que ameaçou entrar com uma ação para impedir a publicação — o que só ajudou a impulsionar as vendas. Em apenas uma semana, foram mais de 2 milhões de cópias vendidas e encomendadas. Em entrevista a EXAME, o autor Michael Wolff reafirma sua visão de que existe um ambiente completamente disfuncional na Casa Branca. “Todo mundo faz um esforço para encontrar alguma racionalidade. Porque se trata da Casa Branca, se trata do governo americano, é a maior economia do mundo etc. etc. etc. A verdade é que não há racionalidade”, afirma ele, que falou a EXAME por telefone. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Dois acontecimentos marcaram a política americana no início de março: A aprovação de tarifas de importação de aço e alumínio e o convite da Coreia do Norte para um encontro com Donald Trump. Que conclusões o senhor, que acompanhou os bastidores da Casa Branca, tira desses episódios?

A conclusão que eu tiro é que, como sempre nessa Presidência, tudo gira em torno da figura de Trump. Não há nenhum fundamento em suas estratégias políticas, e não existe nem mesmo um programa político claro. Tudo se resume à pessoa de Donald Trump e às decisões que ele toma em cada momento. Se Trump inicia uma guerra comercial contra outros países é porque ele decidiu isso em sua cabeça. Se, de repente, Trump muda completamente sua política em relação à Coreia do Norte — se é que ele chegou a ter uma política estruturada de verdade —, novamente é porque ele decidiu que assim o seria. Trump existe no momento. Para ele, não existe contexto. Não existem planos. Ele toma decisões pensando no que vai gerar a maior quantidade de atenção para ele a cada momento.

A imagem que o senhor descreve é a de uma pessoa despreparada que faz tudo por atenção. Não acha que Donald Trump deveria ser levado mais a sério?

Sabe, o que eu tento apontar é que não existe um lado bom nessa história. Veja, por exemplo, o caso do ex-presidente George W. Bush. Ele tomou a decisão de entrar em guerra com o Iraque e com o Afeganistão depois de levar em consideração uma série de fatores e de consultar diversas instâncias do governo. Donald Trump não tem nem esse tipo de iniciativa. Ele faz tudo da sua cabeça.

Ainda que Trump aja dessa forma, algumas pessoas poderiam argumentar que, no final, é possível que as ações dele levem a bons resultados. O senhor concorda?

Bem, até um relógio quebrado acerta duas vezes ao dia. Mas eu não consigo ver bons resultados de suas ações. Acho que ele nem está interessado nos resultados. Ele está interessado em levar vantagem a cada momento. Para ter resultado, é preciso ter um plano ou uma estratégia. Ou querer um resultado.

Gary Cohn, ex-chefe da assessoria econômica da Casa Branca: em pouco mais de um ano, Trump já perdeu quase duas dezenas de assessores de alto escalão | Kevin Lamarque/Reuters

Mesmo se as medidas criarem empregos ou se a Coreia do Norte aceitar se desnuclearizar? Esses não são bons resultados?

Essas coisas não vão acontecer. Os empregos simplesmente não são criados assim. Nem me parece que Trump queira chegar lá. Isso é uma ilusão.

Como os assuntos de comércio exterior são tratados na Casa Branca?

Sempre houve vários lados, entre aqueles que são contra o livre comércio e aqueles que são favoráveis. Acho que Trump vem prestando pouquíssima atenção nos argumentos favoráveis. Ele tem uma ideia simplista sobre o comércio exterior. Ele acabou formando essa opinião em algum momento da vida dele, e não se preocupou em compreender melhor o tema. É uma ideia que grudou em sua cabeça. Ele não desenvolveu uma visão complexa de mundo ao longo do tempo. Tenho certeza de que Gary Cohn [ex-chefe da assessoria econômica da Casa Branca, que anunciou sua renúncia no dia 6 de março] ameaçou renunciar se as tarifas fossem adotadas e que Trump deve ter respondido: “Que se dane, vou fazer isso mesmo”. Ele não se importa com as consequências.

Falando da saída de Gary Cohn, Trump já perdeu quase duas dezenas de assessores de alto escalão. Que análise o senhor faz disso?

Durante toda a carreira de Trump, as pessoas que trabalham com ele acabam criando uma aversão a ele. E a verdade é que Trump acaba detestando todas elas também. Isso é uma das coisas mais constantes na vida dele. Ninguém permanece trabalhando com Trump por muito tempo, exceto algumas poucas pessoas. É impossível trabalhar junto ele. Ele quer constantemente toda a atenção para si. Exige lealdade, mas ele mesmo é desleal. Grita, deprecia as pessoas, não as escuta. Aqueles que são remotamente profissionais, que se preocupam em construir uma carreira, não conseguem trabalhar com esse cara.

Em relação ao seu livro, o que mais o surpreendeu em suas visitas à Casa Branca?

Uma das coisas mais marcantes era assistir à desilusão de todas as pessoas que estavam perto do presidente. Elas co-meçaram a trabalhar ali com muita confiança. Mas, aos poucos, a confiança se transformou em perplexidade, instabilidade, desilusão, incredulidade, medo. E na crença de que Trump simplesmente não tem a habilidade necessária para o trabalho de presidente.

Do jeito que o senhor fala, nem parece que se trata da Presidência dos Estados Unidos. Não há certo exagero nesse quadro de desorganização?

Sabe, todo mundo faz um esforço para encontrar alguma racionalidade. Porque se trata da Casa Branca, se trata do governo americano, é a maior economia do mundo etc. etc. etc. A verdade é que não há racionalidade. É apenas um homem que não deveria estar nessa posição, que não pode ser ensinado, cujo comportamento não se pode mudar. Ele é exatamente o que ele é. É apenas uma pessoa que, literalmente, não tem o conhecimento de como comandar um país. Não há como impor isso. Não há como chamá-lo e dizer: é isso que você deveria fazer.

Nos países democráticos, é normal os governos enfrentarem crises e pressões políticas. Os problemas de Trump não são uma característica da democracia?

Sim, há crises na maior parte dos governos. Existem escândalos e todas essas coisas. Mas a virtude do governo americano e da democracia americana é que essas questões sempre foram tratadas dentro de uma estrutura política e institucional muito definida. Trump é um homem que se propôs a romper essa estrutura política, a “drenar o pântano”, como ele diz, e a reduzir o poder de setores com muita influência em Washington. Muitos de seus eleitores foram atraídos por essa ideia. Mas as pessoas estão começando a ver o outro lado da moeda. Há uma maior repressão quando uma pessoa que não deveria estar na Presidência consegue chegar lá. Veja o que aconteceu com o FBI. Trump demitiu o diretor do órgão pensando que simplesmente poderia fazer isso. Bem, obviamente, ele não podia, e isso o atormenta até hoje.

Dado o que vemos na Casa Branca, em que direção o senhor acha que a política americana está indo?

Acho que está indo em direção a um confronto. A política americana se resume à tentativa de derrubar Donald Trump. As coisas estão caminhando para isso. Obviamente, há uma parte do eleitorado que defende Trump, mas a tendência é essa. Não sei se isso acontecerá por meio da investigação de Robert Mueller [que lidera o comitê especial que investiga a influência da Rússia nas eleições]. Ou por meio das próximas eleições legislativas, em novembro. Eu vivi muitas presidências e nunca vi tantas vertentes do sistema político americano tão determinadas a retirar um presidente.

Seria uma surpresa se acontecesse.

Eu diria que acontecerá. Não acho que ele possa sobreviver a isso. Donald Trump está numa posição intratável. A única coisa que o sustenta, em termos políticos, é sua base eleitoral. Ele não pode perdê-la. E mesmo essa base não é grande o suficiente para salvá-lo.

Dito tudo isso, o que fica de lição deste primeiro ano e dois meses do governo Trump?

A lição é que os eleitores podem até não gostar de política, podem até não gostar dos políticos. Mas Trump é o exemplo de que a alternativa diametralmente oposta é muito pior. Afinal, ele é uma pessoa que não tem nada em comum com um político tradicional, que não sabe nada de política, não segue os padrões da polí-tica, não fala como um político e é temperamentalmente diferente de um político. Ele é exatamente o oposto. Acho que, no futuro, as pessoas vão perceber que Trump foi um grande experimento, uma tentativa de seguir um modelo extremo, e a conclusão será de que esse experimento deu errado.

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