Revista Exame

Ricardo Salles: “A Amazônia continua miserável”

Para o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o governo está aberto ao debate, mas são poucos os interessados em entender o tamanho real do problema

Ricardo Salles: em 20 anos de gestão, os ambientalistas não exploraram a biodiversidade  (Nacho Doce/Reuters)

Ricardo Salles: em 20 anos de gestão, os ambientalistas não exploraram a biodiversidade (Nacho Doce/Reuters)

AJ

André Jankavski

Publicado em 15 de agosto de 2019 às 05h48.

Última atualização em 15 de agosto de 2019 às 10h40.

ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, admite que o Brasil enfrenta uma crise na Amazônia. Ele, no entanto, diz que os maiores responsáveis pelos problemas presentes foram as antigas gestões, que prometeram soluções que não saíram do papel. Mais do que causar o aumento do desmatamento, o ministro afirma que as últimas “administrações ambientalistas” deixaram que a região continuasse “miserável”. O ministro concedeu a seguinte entrevista por e-mail.

Qual é o plano do Ministério do Meio Ambiente para a Amazônia? É possível o desenvolvimento econômico com respeito ao meio ambiente?

É necessário. Para isso, é preciso estabelecer parâmetros de uso sustentável de recursos naturais, que ao mesmo tempo proporcionem dinamismo econômico para a região e não coloquem em risco a floresta.

Na visão do ministério, o desmatamento na região da Amazônia está aumentando ou está controlado?

O aumento vem desde 2012 e se acentuou a partir de 2015. Nesse meio-tempo, não houve nenhum movimento eficiente de ONGs ou ambientalistas para dar dinamismo econômico aos mais de 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia.

Após as polêmicas envolvendo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), qual será o papel do órgão no controle do desmatamento?

Os sistemas Prodes e Deter, ambos do Inpe, seguem trabalhando. Agregaremos a eles imagens de alta resolução, com muita precisão e em tempo real para orientar a fiscalização.

Como o ministério pretende combater a ação de grileiros e de mineradores ilegais na Amazônia?

Formalizar, regular e fiscalizar de forma rigorosa. Fingir que eles não existem e que não estão lá há anos ou décadas não se mostrou eficiente. Foi a política do avestruz. Vamos dar oportunidade para que atuem dentro da lei, seguindo parâmetros ambientais adequados. Quem descumprir deve sentir a mão pesada do Estado.

Em abril, foram contingenciados 89 milhões de reais do Ibama. A medida está afetando a capacidade do Ibama de combater o desmatamento?

Contingenciamentos sempre afetam. Estamos colhendo a herança maldita do PT, que quebrou o país. Agora temos de consertar, mas são 20 anos de incompetência e roubalheira. A solução é eficiência e gestão.

Como o senhor vê a mineração em terras indígenas?

Primeiro é preciso conhecer a realidade, entender o problema e ouvir os índios. Há muitos que dão palpite em coisas que não sabem ou que não têm comprometimento com a solução do problema, só com o discurso.

E quanto à exploração em terras não indígenas? Como controlar o garimpo para não afetar o bioma?

Para isso existem regras de licenciamento ambiental e formas rígidas de fiscalização. Fingir que não estão ocorrendo há décadas só serviu para jogá-los na ilegalidade e com isso incentivar o absoluto desrespeito ao meio ambiente e às regras de preservação, perder arrecadação, aumentar a criminalidade e o descontrole.

Especialistas afirmam que, a partir de determinado ponto de desmatamento, cerca de 25%, os danos causados serão irreversíveis. Como evitar isso?

Não sou cientista, mas me parece uma visão coerente e que deve ser respeitada e considerada. Justamente por isso o debate deve ser feito de maneira racional, comprometida e realista. Como conservar a floresta e ao mesmo tempo dar dinamismo econômico aos mais de 20 milhões de brasileiros que lá vivem?

A exploração da biodiversidade é vista como uma oportunidade para desenvolver a região mantendo a floresta em pé. Qual é a visão do governo?

Em tese, é verdade. A pergunta que fica, contudo, é: por que não fizeram isso até hoje? Passados 20 anos de administrações ambientalistas no ministério, até hoje essa ideia não se concretizou. A região continua miserável e só quem ganhou dinheiro com essa tese foram as ONGs. Sem o desenvolvimento, a pressão de atividade ilegal vai continuar.

Como está a relação do ministério com organismos internacionais, assim como com os países que apoiam ações contra o desmatamento na Amazônia?

Estamos, desde o princípio, abertos ao debate. Porém, há muita gente para fazer discurso e dar lição de moral. Para pôr a mão no bolso e pagar que é bom, quase nada. Vamos fazer um crowdfunding internacional para levantar dinheiro para a Amazônia? Quero ver quantos ativistas se disporiam a doar, por exemplo, 100 dólares por metro quadrado ao ano para conservar a floresta, ou seja, bem menos do que o preço do iPhone que eles usam para criticar. Só nisso a gente levantaria 500 bilhões de dólares por ano. Aí, sim, a conversa é outra.

O senhor acredita que as atuais polêmicas estão afetando a reputação do Brasil na área ambiental?

Há muito barulho e isso atrapalha. Lamentavelmente, poucos se dispõem a conhecer o problema e a ajudar de verdade, inclusive com dinheiro. Discurso de graça é fácil, mas quero ver a turma colocar a mão no bolso. É um debate que devemos travar aqui e lá fora. Faremos isso sem esconder nada e dizendo a verdade.

Há iniciativas para reforçar o combate ao desmatamento criminoso nas florestas?

Estamos preocupados e agindo dentro de nossas possibilidades logísticas, orçamentárias e legais. Mas o problema é complexo e exige solução estrutural, e não apenas fiscalização, embora ela seja importante.

Para melhorar a imagem no exterior, o governo não deveria mostrar que está empenhado em combater a devastação?

Está empenhado. Mas, pela primeira vez, vem suscitando as causas do desmatamento. Até hoje jogaram o debate sobre as causas para debaixo do tapete.

Lideranças do agronegócio estão preocupadas com eventuais boicotes por causa das polêmicas do governo sobre o tema. Qual é sua opinião?

As tradings têm seus próprios interesses, nem sempre alinhados com os dos brasileiros. De qualquer forma, estamos atentos ao problema e, se for necessária alguma correção de rumo ou postura, nós a faremos. Não temos dogmas ou compromisso com o erro. O curioso é que alguns dos que criticam a postura do governo, quando se trata de seus interesses pessoais ou de suas empresas, ficam pedindo audiência para criticar multas ou atuações do Ibama, consideradas infundadas ou excessivas. São as contradições brasileiras. 

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