Revista Exame

500 000 dólares por cabeça na Madoff Securities

É quanto os investidores da Madoff Securities, que quebrou em 2008, já conseguiram recuperar. E há mais 8 bilhões de dólares a caminho. É o processo financeiro mais ágil dos Estados Unidos

Bernie Madoff, pouco antes de ser preso: retornos que não existiam   (Hiroko Masuike/Getty Images/Getty Images)

Bernie Madoff, pouco antes de ser preso: retornos que não existiam (Hiroko Masuike/Getty Images/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 11 de outubro de 2012 às 11h56.

São Paulo - "No fim dos anos 70, um amigo me apresentou a Bernie Madoff e passei a aplicar tudo o que tinha com ele — o que recebi depois de vender minha empresa, o que sobrava da aposentadoria. Em novembro de 2008, tinha 2,3 milhões de dólares. Esse dinheiro sumiu. Sobrevivo com 900 dólares mensais do seguro social. Lutei na Segunda Guerra Mundial, tenho câncer de pulmão e estou falido.”

A carta, assinada pelo aposentado Morton Chalek, de 86 anos, faz parte de um conjunto de 113 correspondências enviadas à Justiça americana por ex-clientes da Bernard Madoff Securities, que operou como corretora e assessora de investimentos por 52 anos nos Estados Unidos — período em que montou o maior esquema de pirâmide financeira da história.

A fraude foi descoberta em 2008, Madoff foi condenado a 150 anos de prisão e os 2 500 clientes da empresa perderam tudo o que tinham. Ao todo, o prejuízo chegou a 20 bilhões de dólares. Nos últimos meses, porém, parte do dinheiro surrupiado por Madoff e seus sócios começou a voltar aos investidores, em meio a um ruidoso processo judicial.

Se a fraude foi escandalosa e expôs a fragilidade da fiscalização nos Estados Unidos, a retomada dos recursos vem sendo considerada exemplar. Os advogados já retomaram 53% do que estava aplicado com Madoff — em nenhum outro esquema de pirâmide, a recuperação foi tão ágil.

A estratégia dos advogados dos ex-clientes é ir atrás dos bancos e das gestoras que usavam a Madoff Securities para fazer operações para seus clientes. Segundo eles, como essas instituições fizeram um trabalho malfeito ao analisar a empresa, ajudaram a acobertar os problemas.

Além disso, foram acionados os investidores que resgataram  seu dinheiro pouco antes de as contas serem bloqueadas e até gente que ganhou muito com Madoff. “Esse retorno nunca existiu. Eles só ganharam porque outros investidores colocaram dinheiro na empresa, então precisam ser solidários”, diz David Sheehan, sócio do escritório Baker Hostetler, que está à frente do processo.

Numa pirâmide, os recursos aplicados pelos investidores não são usados para comprar ações ou qualquer outro ativo financeiro. Vão para a conta do dono da empresa. Se alguém decide sacar, o dinheiro aplicado por outro cliente é usado para realizar o resgate. O rendimento que aparece nos informativos é falso — e, geralmente, chamativo, para atrair mais clientes e manter o esquema rodando.


Até antes de quebrar, a Madoff Securities era tida como um fenômeno no mercado: sua rentabilidade média era de 14% ao ano, quase sem oscilações. É por isso que entram na conta da recuperação os bens da família de Madoff, que incluem três iates e casas nos Estados Unidos e na França. Tudo somado, há documentos para recuperar 90 bilhões de dólares.

Para agilizar o processo, o juiz decidiu entregar 500 000 dólares a cada investidor, independentemente de quanto eles haviam investido na Ma­doff Securities (desde que, claro, tivessem mais que isso aplicado). O próximo passo é distribuir proporcionalmente os cerca de 8 bilhões já recuperados.

A agilidade é impressionante, sobretudo se contrastada com o histórico de recuperações em outras fraudes nos Estados Unidos. Os credores da empresa de energia Enron demoraram dez anos para receber de volta metade do que haviam perdido (a cúpula da companhia foi condenada por maquiar balanços e manipular os preços das ações, o que gerou, segundo a Justiça, perdas de 42 bilhões de dólares).

Quem tinha dinheiro no banco Lehman Brothers, que faliu em setembro de 2008, está em situação pior: só 8% do prejuízo foi ressarcido. Os antigos clientes do banco Santos, controlado por Edemar Cid Ferreira até falir em 2005, conseguiram 28% do dinheiro de volta.

Mas há um problema no caso Ma­doff. Mesmo que tudo o que os advogados planejam dê certo, a maioria dos ex-clientes deve continuar no prejuízo. Só consta do processo o dinheiro que esse pessoal depositou na empresa. Os rendimentos ficam de fora. Não é considerada nem mesmo a inflação — que foi de 680% desde 1960, quando a empresa foi fundada.

Sheehan diz que é impossível incluir os rendimentos porque eles nunca existiram. Há, claro, muitos investidores revoltados com a decisão. Um caso ilustre é o do ator John Malkovich, que briga na Justiça para receber os 2,3 milhões que apareciam em seu extrato, e não os 630 000 dólares determinados pelos advogados.

Uma crítica parecida é feita pelos credores do Santos. Os administradores da massa falida têm dado descontos de 40%, no mínimo, a empresas que tomaram dinheiro emprestado na instituição antes de ela quebrar e não pagaram. “Nosso objetivo é incentivar o pagamento”, diz Vânio Aguiar, ex-funcionário do Banco Central e administrador da massa falida do Santos. O que credor nenhum quer é dar desconto e ainda demorar para receber.

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