Revista Exame

5 ideias para acabar com o caos dos impostos

Como o próximo presidente pode combater o inferno tributário? EXAME consultou especialistas e elencou um conjunto de medidas

Comércio em São Paulo: ser informado de quanto paga de impostos nos produtos é um direito do consumidor que ainda está só no papel (Germano Lüders/Site Exame)

Comércio em São Paulo: ser informado de quanto paga de impostos nos produtos é um direito do consumidor que ainda está só no papel (Germano Lüders/Site Exame)

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Da Redação

Publicado em 31 de maio de 2013 às 18h59.

O próximo presidente da república estará diante de uma oportunidade rara. Diferentemente do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não terá de enfrentar uma inflação galopante. Também não terá de lidar com a desconfi ança dos mercados que marcou o início da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por obra de seus antecessores, pegará um país em franco crescimento e terá condições de se dedicar aos problemas mais profundos da economia. Que problemas são esses? Quais temas devem constar de uma agenda de modernização? É isso que EXAME pretende responder nesta e nas próximas edições, a começar pelo caótico e torturante sistema de impostos que vigora no Brasil. A qualidade dos impostos costuma guardar uma relação direta com a força econômica dos países — onde eles são modernos, as empresas fl orescem, o empreendedorismo é a norma e há espaço para o desenvolvimento de longo prazo. Para dar suporte à reportagem, foi encomendado ao Núcleo de Estudos Fiscais, da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas um conjunto de medidas para melhorar o sistema já no primeiro ano do próximo governo. Não se trata da velha reforma tributária — tema discutido há décadas sem que nada de concreto tenha ocorrido. "A reforma tributária tradicional no Brasil é uma utopia", diz Eurico de Santi, coordenador do NEF. "Os inúmeros interesses em jogo impedem que ela aconteça." A seguir, as propostas.

1 - Mostrar quanto há de imposto no preço de cada produto ou serviço

É provável que a maioria dos consumidores brasileiros ficasse perplexa ao descobrir que 40% do preço do sabão em pó e mais de 60% da conta de luz referem-se a tributos. Uma pesquisa realizada nacionalmente sob encomenda da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo mostra que mais de 70% dos brasileiros ignoram quanto pagam de tributos ao comprar produtos de primeira necessidade. O pior: 12% dos entrevistados afirmaram que não pagam nada de imposto nas compras ou em suas contas de luz e de telefone. O cipoal de tributos, 92 ao todo — com inúmeras maneiras de calculá-los —, ajuda a esconder a voracidade dos Fiscos da União, dos estados e dos municípios brasileiros.

A transparência seria alcançável com uma medida simples: exigir que as notas fiscais tragam o valor correspondente aos impostos pagos em todas as compras, algo comum nos países europeus e nos Estados Unidos. Isso criaria uma espécie de conscientização coletiva dos absurdos de nosso sistema. "As pessoas precisam saber que pagam, e muito, ao governo em tudo o que compram", diz Isaias Coelho, pesquisador sênior do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV e exchefe da divisão de política tributária do FMI, em Washington. "Fatalmente, vão se perguntar o que está sendo feito com todo esse dinheiro." A obrigatoriedade de mostrar o valor dos tributos nas vendas do varejo já deveria ocorrer, como rege o parágrafo 5º do artigo 155 da Constituição. Um projeto de lei que regulamenta a medida foi aprovado no Senado e enviado à Câmara há mais de três anos. Falta aprovar e pôr em prática a regra, algo relativamente simples para um governo em início de mandato.


2 - Pôr fim à confusão de alíquotas do ICMS

Por que um pacote de pão de forma tradicional deve ser tributado em 7% de imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), enquanto outro com frutas deve recolher 18%? E por que diamantes e esmeraldas tiveram durante muitos anos apenas 8,3% de seu valor sujeito ao pagamento de ICMS? São alguns dos muitos mistérios do principal tributo que abastece o caixa dos governos estaduais. Na prática, a legislação do ICMS ao longo dos anos foi se moldando aos interesses dos diversos governos e às pressões de lobbies setoriais, que costumam sensibilizar governantes e parlamentares. O resultado é um emaranhado de remendos e jeitinhos em constante mutação.

Em São Paulo, a tentativa de descobrir a alíquota de um produto faz com que até especialistas se atrapalhem ao consultar o extensíssimo regulamento do ICMS. Existem nada menos que 148 artigos para tratar apenas de isenções para diversos produtos. É um desses artigos que defi ne a isenção da farinha de mandioca, enquanto a de milho é taxada em 7%. Há, ainda, 52 artigos sobre reduções de base de cálculo, uma espécie de desconto no valor do produto para efeito fiscal. Dessa maneira, a alíquota original é aplicada sobre uma parcela reduzida do valor do produto, e o imposto pago ao fi nal das contas se torna menor. Para simplifi car o ICMS, será necessário atuar em duas frentes. Por um lado, é preciso acabar com a chamada redução da base de cálculo, mecanismo que cria um sem-número de exceções no sistema. Por outro, permitir a existência de apenas três ou quatro alíquotas para todos os produtos e serviços no país. “O resultado seria uma fabulosa limpeza nas regras do ICMS”, diz Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal e dono da consultoria Logos.

3 - Acabar com as surpresas tributárias

Nos seis primeiros meses do ano, o aparato tributário brasileiro ganhou mais de 4 000 novas normas, segundo o IOB, especializado em informações contábeis, tributárias e jurídicas. A tabela de imposto sobre produtos industrializados (IPI) sofreu 675 alterações em 2009. "Previsibilidade é uma palavra desconhecida para as empresas brasileiras", afirma André Montoro Filho, presidente do Instituto de Ética Concorrencial (Etco). A Souza Cruz, uma das associadas do Etco, faz em média duas mudanças por dia em seus sistemas fiscais. "Esse estado de permanente mudança prejudica o planejamento dos negócios", diz Montoro.


Um exemplo disso ocorreu em dezembro, quando a Receita Federal mudou o cálculo do imposto de renda das empresas. Uma subsidiária de multinacional podia, até então, deduzir o valor dos juros pagos por um empréstimo tomado da matriz. Com isso, recolhia menos imposto. A nova lei instituiu um limite para a dedução — e aumentou a arrecadação, claro. Na mesma tacada, a Receita incluiu a Suíça na lista de paraísos fiscais, uma medida suspensa semanas depois. Empresas
que pagaram rendimentos a companhias e bancos suíços durante a vigência da regra tiveram de reter IR de 25% em vez dos 15% anteriores. Com a mudança, uma exportadora de commodities perdeu 10 milhões de dólares. Uma maneira de aumentar a previsibilidade seria instituir uma data-limite anual para alterações em impostos. O governo só poderia propor mudanças até 30 de junho para vigorar no ano seguinte, o que daria seis meses para as empresas se planejarem. Seria uma boa também para o controle das contas públicas: os governos não poderiam criar novidades arrecadatórias no segundo semestre. Uma medida simples e poderosa.

4 - Unificar e realocar os tributos federais

Na confusçao tributária brasileira, a disputa de recursos entre União, estados e municípios tem gerado efeitos nefastos. Um deles é emperrar avanços no próprio sistema de impostos, já que um acordo entre as partes é dificílimo. Outro é a tendência de que a arrecadação cresça para acomodar os interesses das três esferas. Especialistas ouvidos por EXAME afirmam que o único jeito de melhorar o sistema é não tentar mexer no montante da arrecadação nem na divisão dos impostos, ao menos numa primeira fase. Um estudo do Movimento Brasil Eficiente, criado por 70 entidades da sociedade civil, defende a reorganização de oito tributos federais. As mudanças envolveriam o imposto de renda de cidadãos e empresas (IRPF e IRPJ), a contribuição sobre lucro líquido (CSLL), o imposto sobre produtos industrializados (IPI), o Programa de Integração Social (PIS), o imposto sobre operações financeiras (IOF), a contribuição para o financiamento da seguridade social (Cofins) e a contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide).

O governo unificaria PIS, Cofins, IPI, IOF e Cide num imposto sobre valor agregado federal. Esses tributos, que atualmente vão para o caixa da União (à exceção de IOF e Cide), passariam a ser repartidos também com estados e municípios. Por outro lado, o governo central deixaria de repartir o IRPF e o IRPJ (este absorveria a CSLL). "É uma nova partilha de impostos, que não tiraria recursos de nenhuma esfera", diz o economista Paulo Rabello de Castro, um dos autores da proposta do MBE. A unificação reduziria o custo das empresas na gestão dos tributos. Hoje elas têm de lidar com  oito leis, fazer pagamentos em várias datas e manter registros de que o imposto foi pago. Pelo novo sistema, restariam apenas dois tributos federais. A mudança seguiria o caminhodo Simples Nacional, o sistemapara micro e pequenas empresas que reuniu tributos em uma só via de recolhimento.


A segunda parte da mudança viria com a realocação da arrecadação federal. Em vez de cobrir os buracosda Previdência com pedaços de tributos diferentes, os déficits seriambancados com o imposto de renda de pessoas e empresas e pela contribuição previdenciária do empregador. A mudança faria com que todos soubessem que é o imposto de renda descontado do salário oudo lucro das empresas que custeia os benefícios do INSS. "Quando as pessoas acham que quem paga algo é o governo, tendem a achar que o dinheiro nasce em árvore", diz Rabello de Castro. "No Brasil, um populista pode propor aumentos exorbitantes aos aposentados e ser aplaudido. Isso só ocorre porque o brasileiro ainda não entende que é o dinheiro dele que sustenta o Estado e a Previdência."

5 - Criar metas para as despesas da União

No ano passado, durante a crise, o brasileiro sentiu o gostinho de pagar menos impostos e foi às compras, estimulado pela redução do IPI de carros e eletrodomésticos. Se o governo começasse a fazer o que os quase 200 milhões de brasileiros fazem em casa — controlar as despesas —, conseguiria abrir espaço para aliviar permanentemente o peso dos impostos sobre os cidadãos e as empresas. É importante esclarecer que a proposta é reduzir o ritmo do crescimento do gasto, não cortar despesas já existentes. "Tentar controlar o gasto na marra, sem uma estratégia bem defi nida, pode gerar fraturas sociais e riscos eleitorais muito altos, que obviamente os políticos não assumiriam", afirma o economista Raul Velloso. Um bom começo seria limitar, de forma efetiva, e de preferência a zero, o crescimento real de despesas com pessoal. Caso houvesse estouro do limite em um ano, os governos seriam obrigados a compensar o gasto excedente no ano seguinte. Atualmente, 25% das despesas correntes da União, aquelas obrigatórias, referem-se ao pagamento de salários de servidores. Em valores de 2010, a despesa com salários passou de 101 bilhões de reais, em 1995, para 184 bilhões neste ano. Também seriam obrigatórias mudanças no sistema previdenciário, como a instituição de idade mínima para todas as aposentadorias e a criação de um programa de previdência complementar para funcionários públicos.

Esse tipo de medida abriria caminho para a redução gradual da carga tributária e o consequente aumento de competitividade das empresas brasileiras, com mais geração de emprego e consumo. O sistema de controle de despesas seria combinado a metas de redução de carga tributária. Dessa forma, quando a arrecadação de um ano fosse superior à média dos três anos anteriores, o governo devolveria o excedente arrecadado na forma de corte de alíquotas. Nas contas do economista Paulo Rabello de Castro, um bom programa de controle de despesas permitiria a redução da carga tributária dos atuais 37% do PIB para 30% em dez anos. Quem acha que a missão é impossível, basta lembrar que no início dos anos 90 parecia impossível dominar a inflação e estabilizar a economia.

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