Revista Exame

23 médicos têm o destino do Fleury nas mãos. Por que vender?

Um grupo de médicos, entre eles professores universitários, tem o destino do mais conceituado laboratório do país, o Fleury, nas mãos - por que eles decidiram vender agora?

Laboratório do Fleury: clientela de alta renda (Germano Lüders/EXAME)

Laboratório do Fleury: clientela de alta renda (Germano Lüders/EXAME)

DR

Da Redação

Publicado em 22 de novembro de 2013 às 05h33.

São Paulo - Os vestibulares da universidade Federal de São Paulo (Unifesp) estão entre os mais concorridos do país, especialmente para o curso de medicina. Em 2012, havia 115 estudantes fazendo as provas para tentar conseguir cada vaga disponível. É comum que ex-alunos virem professores, mais pelo prestígio do que pelo dinheiro.

O salário médio de quem fez concurso para trabalhar em período integral na escola de medicina é de 5 500 reais. Se fosse disciplinado e poupasse um terço da renda, um professor desses levaria uns 25 anos para se tornar milionário. Mas um grupo muito particular de professores da Unifesp tem vida bem diferente.

Seis deles são sócios do Fleury, o mais conceituado laboratório de análises clínicas do país. Como sócios, recebem dividendos periodicamente, um valor que ficou em torno de 49 000 reais por mês nos últimos quatro anos. Só que, agora, essa turma está querendo ganhar dinheiro para valer.

Os donos do Fleury (23 médicos e uma administradora de empresas) contrataram o banco JP Morgan para achar um interessado em comprar a parte deles na empresa, conforme EXAME­ antecipou há um mês. Pelo valor de mercado atual do Fleury, a fatia deles corresponde a 1,2 bilhão de reais — o que, numa conta simples, dá quase 50 milhões de reais para cada um (eles receberiam valores diferentes, porque suas participações variam). 

O processo foi iniciado em outubro, quando o banco JP Morgan procurou potenciais interessados em fazer uma oferta pelo Fleury. Fundos de private equity, como Carlyle e KKR, estão analisando os números para fazer uma proposta. O Bradesco, dono de 16% do capital da empresa, é outro candidato, já que tem o direito de preferência na compra das ações.

Além disso, os laboratórios americanos Quest Diagnostics, que contratou o banco Morgan Stanley para procurar empresas para comprar no Brasil, e o LabCorp foram procurados (os bancos, os fundos e as empresas americanas não comentaram). 

O Fleury foi fundado em 1926 por um médico paulistano e, durante quase 40 anos, sua operação se resumiu a um laboratório em São Paulo. A expansão começou na década de 70 e ganhou força nos últimos dez anos, quando o Fleury comprou 27 marcas em cinco estados.

Hoje, o grupo fatura 1,6 bilhão de reais e vale, na bolsa, 3 bilhões de reais. Com o passar dos anos, o Fleury foi adotando um mecanismo peculiar para remunerar seus funcionários e absorver os donos das empresas compradas — à medida que crescia, dava aos médicos uma participação na Core, holding que, junto com o Bradesco, controla o laboratório.


Hoje, alguns são amigos, outros mal se conhecem. Poucos trabalham na mesma especialidade, e apenas sete se envolvem no dia a dia da empresa. Por que eles decidiram vender agora?

Uma explicação é uma mudança prevista no acordo de acionistas que rege a Core. Até o início do ano, os sócios eram impedidos de transformar suas ações na Core em papéis do Fleury. Quem quisesse vender sua participação e transformá-la em dinheiro precisava oferecê-la aos demais sócios. A regra mudou em fevereiro.

Agora, de tempos em tempos, os médicos podem “migrar” para ações do Fleury. O que isso tem a ver com a venda? Tudo. Se forem se desfazendo de suas ações separadamente, os médicos vão minar o poder de controle da Core, que tem cerca de 40% das ações do Fleury.

À medida que essa participação diminuísse, um investidor poderia fazer uma aquisição hostil comprando as ações em circulação no mercado. Aproveitando o momento atual para vender suas ações, os médicos da Core esperam conseguir obter um prêmio pelo controle, algo que poderia se tornar inviável no futuro. 

Segundo o próprio Fleury, o processo é natural. Na abertura do capital da empresa, em 2009, nenhum dos sócios vendeu ações — e muitos querem aproveitar o momento atual para fazer isso e embolsar o dinheiro. “A média de idade dos sócios é superior a 60 anos.

Alguns já disseram que querem usar melhor seu patrimônio”, diz o endocrinologista Omar Magid Hauache, sócio da Core e presidente do conselho de administração do Fleury. Até agora, o único que vendeu foi o médico Jorge Moll, que se tornou sócio do Fleury em 2011 ao vender seu laboratório à companhia. Em abril, os demais acionistas gastaram 200 milhões de reais, numa operação financiada pelo Banco do Brasil, para comprar as ações de Moll. 

14 000 laboratórios

O mercado brasileiro de laboratórios está mais competitivo do que nunca. Há mais de 14 000 laboratórios no país,­ e os hospitais vêm criando ou melhorando os próprios centros de diagnósticos. Foi o que fez o hospital Albert Einstein, que, como o Fleury, atende a alta renda.


Para não perder espaço, o Fleury usou uma parcela dos 630 milhões de reais captados com a abertura do capital para comprar empresas e abrir unidades pelo país. Boa parte dessas novas marcas foi abrigada sob a bandeira a+, lançada em 2011 para atender às classes B e C.

Mas a estratégia teve como efeito colateral a queda na rentabilidade, já que a participação dos clientes de alta renda (mais lucrativos) diminuiu. A margem de lucro da empresa, de 18%, é a menor desde 2009. “Vamos investir mais no segmento de alta renda daqui para a frente”, diz Vivien Rosso, presidente do Fleury e única sócia da Core que não é médica. 

Os controladores do Fleury atribuem o processo de venda a uma tentativa de “perenizar” a empresa — um sócio capitalizado poderia dar novo fôlego aos investimentos da companhia. Se sair do papel, esse poderá ser um dos maiores negócios do setor de saúde no Brasil.

O maior foi a venda da operadora Amil, do médico Edson Bueno, para a americana UnitedHealth, por quase 10 bilhões de reais, em 2012. Segundo executivos de empresas que estão negociando a aquisição, o risco, por se tratar de um grupo de 24 acionistas, é que não haja consenso na hora da ­assinatura.

Ainda que 23 dos 24 sócios da Core sejam médicos, o perfil — e o interesse — de cada um é bem diferente. Segundo um membro da cúpula da Core, alguns dos sócios mais jovens têm ressalvas quanto à ideia de vender hoje — as ações do Fleury caíram 14% em 2013, mesmo com a alta de 9% no dia 14 de novembro, quando o Fleury confirmou que estava à venda.

Esse grupo poderia propor um aumento de capital que garanta o controle do ­Fleury à Core, mesmo que outros acionistas decidam vender sua participação — ou sugerir uma associação com uma empresa do setor. Qualquer que seja a decisão final, ela só deverá ser conhecida no ano que vem.

Acompanhe tudo sobre:AmilBancosBradescoCarlyleEdição 1054EmpresasEmpresas abertasEmpresas americanasEmpresas brasileirasFleuryHospital Albert EinsteinKKRSaúdeServiçosSetor de saúdeSóciosVendas

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil