Publicado em 12/09/2025, às 07:48.
Última atualização em 12/09/2025, às 07:57.
O pai do vaporware
A Oracle anunciou nesta semana que sua carteira de contratos de infraestrutura em nuvem cresceu 350% e alcançou US$ 455 bilhões. O dado surpreendeu Wall Street, fez as ações dispararem 40% em um único pregão e adicionou US$ 200 bilhões em valor de mercado à companhia, que se aproxima do valor de mercado de US$ 900 bilhões. Por algumas horas em setembro, o fundador Larry Ellison superou Elon Musk e se tornou o homem mais rico do mundo.
O salto financeiro reforça uma transformação que vinha sendo subestimada por analistas: a migração de escopo de uma empresa associada a sistemas de banco de dados tradicionais para fornecedora de infraestrutura crítica de inteligência artificial generativa. Mas também levanta dúvidas: a Oracle consegue entregar tudo o que promete?
Essa não é primeira vez que Ellison se lança ao ponto mais alto de uma onda tecnológica de forma inesperada. Nos anos 1970, autodidata em programação, conseguiu emprego na Ampex, onde trabalhou em projetos de banco de dados para a CIA. Ali conheceu Bob Miner e Ed Oates, parceiros na criação da Software Development Laboratories em 1977. O produto principal recebeu o nome de Oracle, em referência ao sistema de consulta a grandes bases de informação desenvolvido para o governo americano.
Desde os primeiros anos, Ellison cultivou uma postura diferente da de concorrentes como Bill Gates ou os executivos da IBM. Mais do que vender sistemas, sua Oracle vendia promessas de tecnologia que, muitas vezes, ainda não estavam prontas. Essa prática, conhecida como vaporware, marcou a imagem da empresa: ousada, mas também arriscada. No fim dos anos 1980, a estratégia quase levou a Oracle à falência.
A recuperação veio com cortes em massa e uma cultura de meritocracia rígida, descrita por ex-funcionários como “gestão pelo ridículo”. A companhia sobreviveu e, nos anos 1990, tornou-se líder global em softwares corporativos, rivalizando com Microsoft, SAP e IBM em contratos milionários.
O bilionário Larry Ellison, que já ironizou a nuvem, hoje disputa contratos globais de infraestrutura para IA
De vilã da nuvem à nova fase
Nos anos 2000, a Oracle cresceu por aquisições, como PeopleSoft, Siebel, Hyperion e Sun Microsystems, esta última em 2009, por US$ 7,4 bilhões. Com isso, ganhou o controle do Java e reforçou o portfólio de servidores e softwares corporativos. O resultado foi uma base global de clientes, mas também a percepção de que a empresa se tornara um “dinossauro corporativo”, dependente de sistemas legados.
Nos anos 2010, Ellison ironizou a computação em nuvem, chamando-a de “jogada de marketing”. Enquanto isso, Amazon, Microsoft e Google acumulavam vantagens. A virada começou em 2017, quando ele decidiu investir em infraestrutura de bare metal, contratou engenheiros vindos da Amazon e orientou a empresa para disputar contratos de alta performance.
A guinada ganhou força em 2025, com contratos de grande porte assinados com TikTok, Uber, Zoom, Nvidia e, sobretudo, a OpenAI. A parceria com a criadora do ChatGPT envolve compromissos que chegam a US$ 300 bilhões em cinco anos e inclui o projeto Stargate, mega data center de US$ 500 bilhões em construção no Texas com SoftBank e Blue Owl Capital.
A aposta arriscada na OpenAI
O peso da OpenAI no novo portfólio da Oracle é tão grande que analistas passaram a dizer que a companhia virou “uma aposta de mão única” na capacidade da startup de levantar centenas de bilhões de dólares em capital. Se a OpenAI não conseguir financiar seu crescimento, a Oracle também pode ficar exposta.
Outros contratos, com Meta, xAI e Anthropic, ajudam a diversificar, mas não reduzem a concentração. Para Charles Fitzgerald, ex-executivo da Microsoft e hoje investidor-anjo, “a dúvida é se a Oracle conseguirá margem suficiente em um mercado tão competitivo, onde basicamente aluga clusters de GPUs da Nvidia como qualquer outro provedor”.
Se Ellison ainda é a face pública e estratégica, a CEO Safra Catz é quem segura as contas no dia a dia. Ela admitiu que os detalhes sobre como a Oracle vai financiar o salto em investimentos — previstos em US$ 35 bilhões neste ano fiscal, 65% acima do anterior — ainda não estão claros. Nos últimos seis anos, o capex já se multiplicou por seis.
O ponto de venda da Oracle é a posição de player “neutro”: sem modelos próprios de IA, aparece como parceira confiável para laboratórios independentes e até para concorrentes. Microsoft, Amazon e Google permitem que bancos de dados da Oracle rodem em suas clouds, enquanto a própria Microsoft utiliza servidores da empresa para alimentar o Bing com IA.
Esse pragmatismo é reforçado por outro fator: a Oracle tem conseguido oferecer preços mais baixos que rivais e aproveitar gargalos de capacidade de empresas como Microsoft, que chegou a redirecionar contratos para provedores menores como a CoreWeave.
Donald Trump: aposta em em infraestrutura de IA com Masayoshi Son, presidente e CEO da SoftBank Group Corp, Larry Ellison, presidente executivo da Oracle, e Sam Altman, CEO da Open AI, na Sala Roosevelt da Casa Branca
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Entre entusiasmo e ceticismo
O avanço recente lembra episódios anteriores de euforia. Em 1999, as ações da Oracle subiram 33% em um único dia, apenas para devolver os ganhos após o estouro da bolha das ponto-com. Hoje, investidores estão mais atentos a riscos: os contratos são reais, mas a execução ainda precisa ser comprovada.
“É como se a Oracle dissesse: ‘nós vamos construir isso, confiem em nós’”, resume Brent Thill, analista do Jefferies. A diferença é que, desta vez, a demanda por infraestrutura de IA já se apresenta concreta, com dezenas de bilhões comprometidos por empresas globais.
Aos 80 anos, Ellison segue ativo como presidente do conselho e CTO. Mantém o estilo combativo e divide opiniões. Conhecido por iates e mansões, também aderiu ao Giving Pledge, comprometendo-se a doar 95% da fortuna para pesquisa médica e causas sociais. Seus filhos, Megan e David, comandam a Skydance Media, produtora responsável por filmes como Top Gun: Maverick.
Mais do que um trimestre de bons números, a Oracle entrou em uma segunda fase: deixou de ser vista como herdeira de um passado lento e passou a disputar o posto de oraculo do setor de tecnologia.
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Créditos
André Lopes
Repórter
Com quase uma década dedicada à editoria de Tecnologia, também cobriu Ciências na VEJA. Na EXAME desde 2021, colaborou na coluna Visão Global, nas edições especiais Melhores e Maiores e CEO. Atualmente, coordena a iniciativa de IA da EXAME.