Uma nova jornada
Ao pensar em tecnologia japonesa, a Sony certamente é uma das empresas que surgem à mente quase como um sinônimo. A marca, por muito tempo, representou o que de melhor existia em televisores, equipamentos de áudio e uma variedade de eletrônicos.
Mas falamos do passado. No presente, essa imagem se deteriorou junto da promessa de que a terra nipônica seria uma potência que guiaria o mercado de tecnologia global. Atualmente, a seara pela qual fundou seu negócio, que também inclui equipamentos de fotografia e ótica, não chega a 40% da arrecadação da empresa.
No lugar, a gigante se tornou, de forma improvável, uma especialista em filmes, séries, música e videogames. O entretenimento como um todo tomou corpo e representou quase metade dos US$ 76,2 bilhões da receita do último ano fiscal.
Dado o cenário, olhar para Joel e Ellie, os protagonistas de The Last Of Us, série da Sony sui generis celebrada pela crítica, pode ser uma forma de entender a mutação por qual passou a companhia nos últimos anos.
O título, que fala sobre um apocalipse causado por fungos que transformam pessoas em criaturas violentas, foi lançado pela primeira vez como um jogo do console PlayStation 3, em 2013, por um dos estúdios internos da empresa. No mesmo ano, o comando da empresa desceu a ordem de que era preciso se reinventar por novas frentes de negócios.
De lá pra cá, o título e suas diferentes versões venderam 37 milhões de cópias e criaram uma base de fãs que garantiram uma audiência global significativa para adaptação lançada este ano na HBO.
Tamanho o sucesso, lançou a série ao posto de ‘’Game of Thrones da Sony” e criou expectativas para futuras adaptações na TV de muitos outros jogos best-sellers da companhia. Isso inclui Horizon Zero Dawn, que está sendo produzido para Netflix, e God of War para Amazon Prime Video.
Apostando nos otakus
Mas essa transformação partindo dos videogames, atualmente um mercado de US$ 204,6 bilhões e no qual liderada com a série Playstation, a Sony chegou em um lugar muito improvável que engloba uma parcela dos fãs de jogos: os animes.
Os desenhos animados japoneses se tornaram globais depois do streaming e a gigante conseguiu uma posição dominante no setor ao realizar uma compra de US$ 1,2 bilhão do serviço de streaming dedicado da AT&T, Crunchyroll, no final de 2020. Com 10 milhões de assinantes pagos, o grupo construiu o que hoje é considerado o maior portfólio de animações do mundo.
E apesar da vantagem frente aos concorrentes, não se ateve em monopolizar as séries e as tem distribuído em várias plataformas rivais. Tudo para maximizar os lucros e ganhar aderência com novos espectadores do gênero, conhecidos pelo termo em japonês otakus.
Tal estratégia foi particularmente bem-sucedida durante pandemia, mostram os dados produzidos pela Associação de Animações Japonesas.
Capitaneados pela Sony, o mercado global de anime japonês atingiu um recorde de US$ 20 bilhões em receita no ano de 2021, com um crescimento anual próximo de 10%. Nessa entoada, deve atingir US$ 47,14 bilhões até 2028.
Mais importante, no entanto, é que o mercado fora do Japão representou metade do total arrecadado.
Nos próximos meses, dizem os analistas, a balança terá pendido definitivamente a favor do mercado global e, pela primeira vez, os animes vão gerar mais dinheiro no estrangeiro do que no mercado japonês.
Os desafios do CEO Totoki
Mas nem tudo são flores para a Sony. Suas ações, embora 10 vezes maiores do que no início do processo de transformação em 2013, agora estão 21,5% mais baixas do que no final de dezembro de 2021, quando atingiu uma alta recorde em 21 anos.
A queda deriva da percepção de que a escassez de chips estava atrasando a produção do PlayStation 5, e que os gastos do consumidor com jogos em geral cairiam após a pandemia.
É neste contexto que o atual diretor financeiro Hiroki Totoki será promovido a presidente e diretor de operações a partir de abril.
Entre os investidores, o experiente executivo de 58 anos é considerado o sucessor natural do atual CEO Kenichiro Yoshida, com a dupla desempenhando um papel fundamental na contenção de uma década de perdas nos negócios de eletrônicos do grupo.
Totoki é também conhecido por seu papel na criação do negócio bancário online da Sony, e já sinalizou que dará sequência a estratégia geral de Yoshida.
Embora haja ampla oportunidade para mais sinergia no estilo The Last of Us, a Sony ainda não tem uma abundância de boas ideias para disputar no insaciável mercado do entretenimento e corre o risco de ficar para trás por causa de seus negócios legados de eletrônicos.
Nas costas, gastos herdados de gestões anteriores que investiram em pequenos projetos. A empresa também queimou caixa a procura da próxima grande novidade ou o próximo Walkman para competir com gigantes que tomaram a frente como Apple e Microsoft.
Como inovações revolucionárias não caem do céu, as lições da Sony provam que tomar uma nova forma pode ser a melhor forma de sobreviver nos negócios.
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Créditos
André Lopes
Repórter
Com quase uma década dedicada à editoria de Tecnologia, também cobriu Ciências na VEJA. Na EXAME desde 2021, colaborou na coluna Visão Global, nas edições especiais Melhores e Maiores e CEO. Atualmente, coordena a iniciativa de IA da EXAME.