Publicado em 09/07/2025, às 06:40.
Última atualização em 09/07/2025, às 09:11.
Tudo é político. Até o Super-Homem
Rio de Janeiro (RJ)* - Em um mundo fictício, forma-se uma guerra entre duas nações. Uma delas chega ao campo de batalha com tanques e um exército equipado com armas de última geração. A premissa é “libertar” o país oposto, cujo povo está à espera com pedras, barras de ferro e armas brancas. No centro, antes do conflito começar, duas crianças rezam enquanto hasteiam uma bandeira improvisada, amarela e azul, sobre a qual se lê um único nome: Superman.
Se fosse na Terra, a cena do filme poderia ser mais uma manchete do New York Times sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia, ou sobre Israel e Hamas, no Oriente Médio. Mas no universo da DC, palco do novo “Superman”, agora escrito e dirigido por James Gunn, o momento marca o estopim da história de um super-herói em seu papel mais humano, vulnerável e romântico já adaptado para o cinema. Um protagonista mais Clark Kent, o homem de moral inabalável e apaixonado por Lois Lane, e menos Kal-El, o ser indestrutível que veio do espaço com potencial de aniquilar a humanidade.
O filme estreia nos cinemas brasileiros no dia 10 de julho e apresenta um elenco composto por David Corenswet (Super-Homem), Rachel Brosnahan (Lois Lane), Nicolas Hoult (Lex Luthor), Maria Gabriela de Faría (Engineer), Edi Gathegi (Mister Terrific), entre outros. Na superfície, não se leva a sério, traz uma diversão bem humorada do super-herói, faz inúmeras menções aos quadrinhos — e se sai bem na hora de adaptar as HQs para as telonas. No mar mais profundo, por outro lado, avança em questões mais políticas e age como o exemplo de super-herói necessário nos dias atuais.
Diferente dos tantos outros produtos audiovisuais sobre o personagem, o filme de Gunn não se atém às origens do Homem de Aço. E nem é necessário: a história já é quase conhecimento público para quem acompanha o gênero. Mas a evidente provocação política que o diretor aborda no roteiro — não só com as guerras ao redor do globo, como também com o poder dos bilionários diante delas (chegamos lá daqui a pouco) —, é uma novidade que pode dividir opiniões de uma audiência que já tem a fama de ser criteriosa com as novas roupagens dadas a seus heróis favoritos.
Para Gunn, não é que o filme seja politizado, porque o foco se mantém no personagem e no que ele representa. Mas o diretor acredita que toda obra audiovisual é, de alguma forma, política — e há maneiras de torná-la mais ou menos tendenciosa.
“Não importa qual crença você tenha, eu acho que, basicamente, esta é uma história sobre política, mas também sobre filosofia”, disse Gunn em resposta à EXAME durante conversa com jornalistas no Rio de Janeiro, ao fim de junho. “Obviamente, o DCU [Universo Cinematográfico da DC] não é o mundo real, mas há muitas semelhanças, e se o Superman realmente existisse, haveria muitos problemas. Claro, sabemos quem ele é, que sempre vai defender as pessoas que estão oprimidas, vai salvar uma vida, não importa o quê. Mas o que isso significaria se essas ações fossem contra o que certos governos acham que deveria acontecer? Enfim, é um filme de super-herói. Mas tudo tem, sabe, camadas políticas”.
Há quem defenda que não se mistura política e super-herói, suas pancadarias, cenas de ação e momentos de humor, mas a abordagem é, na verdade, extremamente autêntica à história do personagem. A primeira aparição do Super-Homem nos quadrinhos, em junho de 1938, posicionava-o como salvador da pátria em uma guerra na América do Sul, uma forma de mostrar o compromisso do herói com a justiça social em ação direta, mesmo que por vezes autoritária. A publicação foi feita um ano antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, que os Estados Unidos foram protagonistas e ditaram, querendo ou não, o destino das nações envolvidas. O Japão que o diga.
Nada mais justo, então, que um plano de fundo social, alinhado com a aparente autoridade do Super-Homem, fossem postos em xeque em um filme de 2025. No roteiro de Gunn, lutar pelo povo tem consequências governamentais, vai além da moralidade. E quando se é super-herói, como bem diz Lois Lane na brilhante cena em que entrevista o personagem — disponível nos trailers —, tomar um lado é uma decisão pública.
(Montagem EXAME/ Divulgação)
Antes de Superman, Clark Kent
Política à parte, o filme de Gunn traz uma coisa que os antecessores dos demais filmes do Homem de Aço pareciam ter esquecido: Clark Kent.
Pode ser uma constatação injusta a quem diz que todos os filmes apresentam, com mais ou menos tempo de tela, o jornalista cuja única diferença para o super-herói é um par de óculos — pelo menos o filme atual entra na brincadeira e se compromete a explicar a diferença. Mas na obra de Gunn, o ser-humano brilha mais forte do que o alienígena, até mesmo quando ele veste a famosa capa vermelha e a cueca por cima da calça.
Já nos primeiros minutos, e isso não é nenhum spoiler, o filme mostra um Superman derrotado, que perdeu a primeira batalha e precisa ser resgatado por Krypto, o cão bonitinho que carrega boa parte do humor do longa. Para se recuperar, como já é de conhecimento de quem leu os quadrinhos, basta uma boa dose de vitamina D: recarregar as energias no Sol (fica aí o incentivo para tomar aqueles 15 minutos diários que os médicos tanto falam, inclusive).
Eis aqui um Superman que não é indestrutível, que precisa ouvir a voz dos pais para se sentir melhor enquanto é metralhado com raios ultravioletas para recuperar a superforça. Um herói apaixonado pelas figuras paternas que criou na Terra, que se conecta com a cultura que encontrou no planeta e ama a humanidade. Que cria empatia, porque está mais próximo do público. Tem “mais coração”, como tantos outros jornalistas disseram ao sair do cinema dias antes da estreia do filme.
Diversos elementos do roteiro e da produção ajudam a construir esse 'coração' do Superman. O filme tem cores vibrantes, fotografia ampla e bonita, trilha sonora dinâmica e tão atual que dá até vontade de dançar na cadeira. Os efeitos são bem factíveis dados os últimos filmes do DCU. E o elenco é a cereja do bolo.
O brilho do Superman, além da mão do diretor, claro, também tem nome e sobrenome: David Corenswet. O ator, antes reconhecido por papéis menores, como em “Era uma Vez em Hollywood..”, se equipara sem muito esforço ao Superman clássico, Christopher Reeve, tido pela crítica especializada como o melhor intérprete do herói. E reluz a ouro quando acompanhado da segunda maior estrela do filme, Lois Lane, de Rachel Brosnahan — essa bem diferente de todas as atrizes anteriores que a interpretaram.
Se Clark tem coração no novo filme, Lois tem maturidade. Ela é a voz da razão, inteligente, segura de si. Não precisa ser salva pelo Superman, e também não anuncia isso às pessoas em volta, tampouco ao espectador do filme. Está longe da condição de vítima indefesa. Mas é a namorada secreta do super-herói mais famoso do mundo, e sabe quando é necessário agir com ética.
A representação da Lois como uma autêntica jornalista, fruto de uma pesquisa tanto de Brosnahan quanto de Gunn com profissionais reais, foi um dos pontos de partida para a criação da personagem.
"Rachel e eu estávamos muito cientes desde o início de que poderíamos criar uma jornalista no centro da história. Lois Lane sempre foi jornalista, mas nem sempre ela foi realmente uma jornalista nos filmes e nas séries. É como se ela estivesse apenas usando óculos nas fotos”, brincou Gunn quando questionado pela EXAME sobre a construção da personagem. “No filme, parte foi escrita com ela, a partir de conversas que tive com amigos jornalistas e Rachel com os amigos jornalistas dela. O apartamento da personagem, todas as coisas nas paredes, o que ela fez, no que ela se concentra, como ela tem uma especialização em escrever sobre a corrupção e as corporações, isso tudo foi pensando nos profissionais com quem falamos”.
A conexão da personagem mais madura com um personagem tão moralmente correto que se torna quase inocente foi um ponto de partida para que o relacionamento dos dois fosse central na história — e mais um componente para a aproximação do público. Superman vê as coisas como cada vida sendo sagrada. Já Lois acredita que é necessário salvar o maior número de vidas possível e ser o melhor que você puder.
“Isso é interessante em um nível filosófico, mas também é interessante no nível de relacionamento. A cena em que Lois entrevista o Superman sem o disfarce de Clark é a minha favorita do filme. Em termos da minha intenção, era realmente assim: eu queria ousado, não queria hesitar. Porque é muito incomum ter uma cena de 12 minutos de conversa em um filme de super-herói. Era arriscado. Mas pensei: 'eu gosto disso. Não vou cortar”, argumentou o diretor.
A cena em questão, comentou Gunn, demorou dois dias para ser gravada e foi o teste para a escolha dos dois atores.
(Montagem EXAME/ Divulgação)
No filme do super-herói mais famoso do mundo, o vilão é um bilionário. Coincidência?
O vilão da vez, nada desconhecido aos quadrinhos, é Lex Luthor, que ganha aqui uma baita interpretação de Nicolas Hoult. E se na Marvel é o bilionário quem perece na tentativa de salvar o mundo do supervilão, na DC, é o ricaço quem destrói o universo.
As intenções de Luthor são bem claras: trata-se de um bilionário hiper-inteligente, com acesso ao Governo dos Estados Unidos (fictício), que produz uma tecnologia super-avançada com a capacidade de evoluir a humanidade. O arqui-inimigo dele é o Superman, que frustra suas estratégias de negócios quando luta para garantir a paz no mundo — em especial a de vender armas para aquela nação citada lá no começo do texto, armada para invadir o país vizinho.
Quando consegue uma prova, depois de muito “fuçar” na base privada do herói, na Antártica, Luthor não hesita em ir à mídia expor o que encontrou que possa manchar a honra do Superman. E é claro que, no filme, tudo é ficção. O personagem é bastante estilizado, ao nível cômico às vezes. Mas a premissa parece um certo bilionário, dono de empresas de carros autônomos, redes sociais e satélites, que recentemente ameaçou um certo presidente com uma certa lista à qual somente ele teria acesso e poderia derrubá-lo do poder… Não?
Provocação direta ou não, nas mãos de Gunn, o personagem é mais frio do que nas demais adaptações audiovisuais antes feitas. No total oposto ao Superman, não tem apreço algum à vida — e nisso se difere do bilionário real que temos na Terra. A mensagem que ele passa, no entanto, é clara e pode, sim, ser transportada para fora das telonas: o poder na mão de quem tem muito dinheiro pode se tornar perigoso. Não porque, do dia para a noite, pode explodir cidades e dizimar nações inteiras. Mas por que tem o potencial de, aos poucos, levar a decisões narcisistas que têm como preço a vida das pessoas.
Uma curiosidade é quem já jogou “Injustice”, jogo da DC para PlayStation, vai se deliciar com as cenas de ação do vilão: os comandos de ataque são um tanto quanto parecidos aos do videogame.
(Montagem EXAME/ Wikimedia Commons)
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Seria James Gunn a força para ‘salvar’ a DC?
A repercussão das escolhas ousadas de Gunn para “Superman” tem duas possíveis reações. Ou vai agradar (e muito) quem cansou da figura engomadinha do personagem e precisa de algo mais profundo, ou vai incomodar quem só queria a parte da pancadaria e das explosões. A título de curiosidade, o filme tem as duas coisas. E também tem easter eggs aos montes, referências a outras séries e filmes do DCU, apresentação de personagens, introdução de novos atores, um cachorrinho fofo para a criançada. É evidente: James Gunn aprendeu bem a como construir um universo cinematográfico conectado durante a estadia na Marvel. A questão é saber se isso será a salvação da DC.
O filme chega aos cinemas brasileiros no dia 10 de julho, sob a tensão das expectativas, tanto do público quanto dos investidores. Marca o início de um novo momento de esperança para o DCU após uma série de bilheterias fracassadas em 2023, a exemplo de "Besouro Azul", "The Flash" e "Shazam! Fúria dos Deuses", todos com bilheteria abaixo dos US$ 270 milhões. Em 2024, “Coringa: Folia à Dois”, que visava repetir o sucesso do antecessor, seguiu no desânimo: foram US$ 207,5 milhões arrecadados, prejuízo diante dos US$ 200 milhões gastos só para a produção do filme, sem contar custos com marketing.
Em outubro de 2022, pouco depois do lançamento de “Adão Negro” — outra bilheteria que não agradou tanto, com US$ 393 milhões, diante do orçamento de US$ 200 milhões —, James Gunn se tornou co-chair e co-CEO da DC Studios. À época, o diretor ainda estava envolvido na produção de “Guardiões da Galáxia: Volume 3”, que foi lançado em abril de 2023 e arrecadou mais de US$ 845,5 milhões em bilheteria.
A ideia de trazer Gunn para o comando pode ter sido vista justamente sob a perspectiva de realinhar os lançamentos da DC, que segue presa em um barco que tenta não afundar. A Warner Bros Pictures é hoje uma das empresas mais endividadas do setor de entretenimento, e recentemente anunciou a divisão com a Discovery para ganhar mais fôlego nas contas.
No cinema, os filmes do estúdio variam entre boas performances e outras medianas. Mas pela DC, que vem se arrastando nas bilheterias, resta a esperança de bons momentos. E eles têm vindo nos filmes do estúdio mais “surpreendentes”, quase sempre menos presos à “fórmula Marvel”, que também enfrenta a estafa do público.
“The Batman” (2022) é um bom exemplo. O filme, estrelado por Robert Pattinson e dirigido por Matt Reeves, arrecadou mais de US$ 772 milhões nos cinemas ao contar a história de um Batman mais jovem, ansioso e impulsivo.
Com “Superman”, Gunn tenta uma mistura do que aprendeu sob o guarda-chuva de Kevin Feige, ao mesmo tempo em que traz o próprio DNA ao DCU. O resultado, ao menos sob o olhar da crítica, agrada.
“Ele é o primeiro super-herói de todos os tempos. Então eu achei que seria apenas, sabe, razoável, quando entrei na DC, que Superman fosse o primeiro filme dessa nova fase, porque simplesmente faz sentido”, disse o diretor durante evento no Rio de Janeiro, que a EXAME participou.
Com um orçamento de US$ 225 milhões, 'Superman' precisa atingir boas bilheteiras para garantir o sucesso da DC sob a direção de Gunn. Se vai soprar ventos a favor nas velas do barco da Warner, resta acompanhar a bilheteria dos próximos dias para saber.
*A jornalista viajou ao Rio de Janeiro à convite da Warner Bros. Pictures Brasil.
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Créditos
Luiza Vilela
Repórter de POP
Formada em jornalismo pela PUC-SP e cursa pós-graduação em Gestão da Indústria Cinematográfica pela FAAP. Trabalhou para Record TV, Revista Consumidor Moderno e outros veículos de cultura brasileiros. Escreve sobre cinema e streaming.