A música mais famosa dos Racionais MC's, “Vida Loka (Parte II)”, tem cerca de 7 minutos e é um dos maiores sucessos do grupo de rap, mantendo alta popularidade por duas décadas.
Publicado em 03/06/2025, às 06:01.
Última atualização em 03/06/2025, às 08:13.
A revolução dos hits
Um hit pode dominar as paradas musicais antes mesmo do café expresso esfriar na sua xícara.
Em 2024, quatro nomes mostraram que a fórmula da música pop está mudando: Charli XCX, com seu álbum “Brat”, Sabrina Carpenter e seu “Short n’ Sweet”, Gracie Abrams, com o single “That’s So True” e ainda Billie Eilish, que há tempos já explora faixas curtas em seu repertório.
Cada uma delas apostou em canções curtas e precisas que capturaram fãs no mundo todo e reforçaram uma tendência que vem crescendo há décadas.
Enquanto o álbum “Brat” traz faixas de cerca de dois minutos, o hit "Espresso”, de Sabrina Carpenter, tem 2 minutos e 55 segundos e acumulou bilhões de streams, e “That’s So True”, de Abrams, dura apenas 2 minutos e 35 segundos, alcançando mais de 1 bilhão de reproduções e posições de destaque nas paradas globais. Além, é claro, de terem viralizado no TikTok.
A duração dos hits é uma mudança clara em relação aos anos anteriores. A duração média das canções que lideram as paradas caiu cerca de 18% entre 1990 e 2024, passando de 4 minutos e 22 segundos para 3 minutos e 34 segundos — o nível mais baixo desde os anos 1960 —, segundo dados compilados pela The Economist.
O impacto do streaming
O crescimento dos serviços de streaming revolucionou a indústria musical e influencia diretamente a duração das faixas.
Plataformas como o Spotify remuneram artistas com base no número de reproduções, contando como uma “execução” o ato do usuário ouvir pelo menos 30 segundos da música.
Esse modelo incentiva artistas e produtores a criarem canções mais curtas, que podem ser ouvidas repetidamente, aumentando o total de streams e, consequentemente, a receita gerada.
Além da remuneração, a duração reduzida facilita a inclusão das músicas em playlists, atualmente o principal meio de descoberta e consumo musical nas plataformas digitais.
Dados do Chartmetric, no relatório Year in Music 2024, mostram que a duração média das músicas que entraram nas paradas do Spotify em 2024 foi de cerca de três minutos — quase 15 segundos menos que em 2023 e 30 segundos menos que em 2019.
Há um aumento significativo de músicas muito curtas (abaixo de três minutos), com quase 20% das canções indicadas ao Grammy de 2024 nessa faixa. Hits como “Poland”, de Lil Yachty, com 83 segundos, exemplificam essa tendência.
No entanto, especialistas ressaltam que qualidade e intenção artística continuam fundamentais; músicas mais longas e de forte engajamento também apresentam sucesso, como “Blinding Lights”, de The Weeknd.
Métricas de popularidade do Spotify tendem a favorecer músicas curtas pela rapidez com que acumulam streams por meio de reproduções repetidas, o que tem levado à discussão sobre ajustes que considerem o tempo total de audição e normalizem a duração para avaliar justamente as canções mais longas.
Estudos indicam que, nas últimas duas décadas, a duração média dos hits diminuiu significativamente: no Reino Unido, os números 1 caíram de cerca de 4 minutos e 16 segundos em 1998 para 3 minutos e 3 segundos em 2019, possivelmente influenciados por algoritmos de streaming.
O álbum "Brat", de Charli XCX, ilustra bem essa tendência.
Com cerca de 41 minutos distribuídos em 15 faixas, a maioria dura menos de três minutos, e várias estão próximas ou abaixo de dois minutos.
A escolha é intencional e alinhada ao projeto artístico, que se inspira na cena rave inglesa dos anos 2000 para criar um “club record” com pegada agressiva, minimalista e dinâmica — músicas curtas, diretas e impactantes que funcionam bem no consumo rápido e repetido, especialmente nas plataformas digitais.
“Em geral, quanto mais curta for a música, mais streams ela vai receber”, afirmou Bart Schoudel, produtor e engenheiro que trabalhou no álbum "Brat" de Charli XCX, em entrevista à The Economist.
Charli XCX: cantora viralizou com álbum "Brat"
Os ouvintes mudaram
O público moderno vive uma era de multitarefas e exposição constante a informações, o que reduz a capacidade de concentração e a paciência para músicas longas.
Isso leva os ouvintes a preferirem faixas que vão direto ao ponto, com eliminações de longas introduções e pontes musicais, segundo especialistas do setor.
A cultura das playlists reforça essa preferência, pois músicas curtas facilitam a criação de listas mais dinâmicas, que mantêm a atenção e incentivam a repetição do conteúdo.
A estrutura tradicional das canções também tem sido comprimida: muitos hits atuais começam diretamente com o refrão ou gancho, evitando versos extensos.
Historicamente, a duração das músicas sempre esteve relacionada à tecnologia disponível. Nos discos de vinil e fitas cassete, os limites físicos do suporte impunham músicas com duração entre três e cinco minutos.
Um disco de vinil padrão, tocando a 33 1/3 rotações por minuto, comporta cerca de 20 minutos de música por lado, totalizando aproximadamente 40 minutos por disco. É possível estender esse tempo para até 22 a 26 minutos por lado, mas isso compromete a qualidade sonora devido à compressão das ondas nas ranhuras do vinil.
A duração média das músicas dos Beatles, geralmente entre 2 e 3 minutos, está diretamente relacionada à capacidade física dos discos de vinil da época, especialmente os LPs de 12 polegadas.
Os álbuns da era dos Beatles, que geralmente tinham entre 12 e 14 faixas com duração média de 2 a 3 minutos, encaixavam-se perfeitamente no limite físico, resultando em discos com cerca de 30 a 40 minutos no total.
Entre os extremos da discografia de uma das bandas mais populares do mundo, destacam-se “Her Majesty”, com apenas 23 segundos, como a música mais curta, e “I Want You (She’s So Heavy)”, com 7 minutos e 47 segundos, como a mais longa.
Nos anos 1980 e 1990, com a popularização do CD, canções mais longas foram frequentes — sucessos como “Hotel California” (quase com 7 minutos), da banda Eagles, e “November Rain” (cerca de 9 minutos), da banda Guns N' Roses, são exemplos dessa fase.
The Beatles: banda também fazia parte da tendência de músicas curtas — antes de ser tendência
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A influência do TikTok
Outra força propulsora dessa tendência é a popularidade do TikTok, que valoriza conteúdos em vídeos curtos, geralmente de 15 a 60 segundos, levando artistas a adaptarem suas composições para criar ganchos musicais que funcionem bem nesses formatos rápidos.
O relatório oficial de impacto musical do TikTok de 2024 revela que a maioria dos grandes sucessos da música pop ganha tração inicialmente na plataforma, o que incentiva a produção de faixas com início imediato e refrões marcantes.
Com mais de 1 bilhão de fãs usando o TikTok para descobrir, compartilhar e se expressar por meio da música, a rede social se tornou um ambiente que cria momentos culturais e impulsiona tanto artistas emergentes quanto consolidados.
As 10 músicas mais populares globalmente na plataforma geraram mais de 200 milhões de vídeos e ultrapassaram 8 bilhões de streams no Spotify, segundo o relatório.
O hit de reggaeton Gata Only foi o mais popular do ano, com mais de 50 milhões de criações no TikTok e 1,3 bilhão de streams. Em 2024, 13 das 16 músicas que alcançaram o topo da Billboard Hot 100 tiveram seu primeiro grande sucesso no TikTok.
Um estudo realizado pelo TikTok em parceria com a Luminate, empresa americana especializada em dados e pesquisas sobre entretenimento, mostrou que 84% das músicas mais ouvidas no mundo viralizaram primeiro no TikTok antes de chegarem às paradas oficiais.
Um exemplo claro dessa dinâmica é o sucesso de “That’s So True”, de Abrams. A música viralizou especialmente no final de 2024 e virou trend no TikTok. Além dos vídeos de pessoas dublando a canção, versões acústicas e covers proliferaram na plataforma, incluindo uma versão de um duo pai e filha que ultrapassou 12,9 milhões de visualizações.
Além disso, usuários do TikTok têm 74% mais chances de descobrir e compartilhar músicas novas, gastam 46% mais dinheiro com música e têm 68% mais probabilidade de assinar serviços de streaming pagos do que os usuários de outras plataformas, segundo o estudo.
O viral é bom também para os cantores, de acordo com a pesquisa. Artistas com alto engajamento no TikTok apresentam crescimento semanal de streams de cerca de 11%, contra 3% para artistas menos presentes na plataforma.
O sucesso no TikTok impulsionou Abrams ao reconhecimento mainstream, tornando “That’s So True” seu maior hit até hoje.
Gracie Abrams: cantora bateu recordes com hit mais curto que viralizou no TikTok
Os hits e os hit makers
No ano de 2024, a média das músicas que entraram nas paradas de sucesso ficou próxima a três minutos, mas com variações significativas.
“Espresso”, da Sabrina Carpenter, com 2 minutos e 55 segundos, se destacou como um dos maiores hits do ano, acumulando mais de 2,27 bilhões de streams desde seu lançamento em abril. O single foi o terceiro mais rápido da história a alcançar 1 bilhão de reproduções no Spotify, mantendo-se no topo por semanas.
“That's So True”, de Gracie Abrams, tem 2 minutos e 35 segundos e ultrapassou 1 bilhão de streams, alcançando o sexto lugar na Billboard Hot 100 e liderando as paradas do Spotify nos Estados Unidos em novembro de 2024. A música também chegou ao top 10 global e conquistou prêmios de reconhecimento por sua composição.
A cantora Billie Eilish também reforça essa tendência, com várias faixas curtas em seu repertório, como “hotline (edit)” (1 minuto), “goodbye” (1m59s) e, mais recentemente, em “Guess” (2m23s), música feita em parceria com Charli XCX. A música "Lunch", um dos maiores hits de seu último álbum, Hit Me Hard And Soft, por exemplo, tem cerca de três minutos de duração.
“Steve’s Lava Chicken”, de Jack Black para o filme "Minecraft", com apenas 34 segundos, entrou para a história em 2025 como a música mais curta a figurar no Billboard Hot 100, impulsionada por 7 milhões de streams em uma única semana.
Sabrina Carpenter: cantora teve um dos maiores (e mais curtos) hits de 2024
O Brasil na contramão
No Brasil, a tendência de músicas cada vez mais curtas vista globalmente convive com um cenário particular, marcado por faixas longas que alcançam grande sucesso, especialmente no funk e no trap.
Enquanto a média global de hits gira em torno de três minutos, muitos sucessos brasileiros ultrapassam seis, dez e até 15 minutos, segundo o g1.
Exemplos emblemáticos são canções de MC Ryan SP como “Filha do Deputado” (6min11s), “365 Dias (Vida Mansa)” (8min47s) e “Set DJ GM 6.0” (10min24s).
O trapfunk “Let’s Go 4” (2023), com 10 minutos e 41 segundos, esteve entre os cinco maiores sucessos do ano passado no Brasil e chegou a liderar o Spotify local por meses— feito raro na era do TikTok.
Mas o gosto do Brasil por músicas mais longas já é uma tradição de décadas.
Historicamente, músicas longas como “Metal Contra as Nuvens”, da Legião Urbana, com cerca de 11 minutos e 27 segundos, e “Faroeste Caboclo”, com quase 10 minutos, são referências clássicas de composições extensas que marcaram a cultura musical do país.
Em contrapartida, estilos como sertanejo e pop mantêm faixas com duração média entre 3 e 4 minutos, mais alinhadas ao padrão internacional. Artistas como Henrique & Juliano e Ana Castela também seguem essa faixa tradicional, enquanto outros ficam abaixo, em sintonia com o mercado norte-americano.
Um dos exemplos é a cantora Luísa Sonza, que transita entre pop, funk, sertanejo e hyperpop, que mantém faixas na faixa de 2min30s a 3min30s. Matuê, cantor que teve o maior lançamento de um álbum de um artista brasileiro na história do Spotify com o disco "333", lançado em setembro de 2024, também aposta em músicas com duração similar.
O consumo musical dos brasileiros também é notável: eles ouvem, em média, quase 25 horas de música por semana, acima da média global, e apreciam uma grande variedade de estilos, consumindo mais de dez gêneros musicais diferentes em múltiplas plataformas, segundo dados da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI).
Matuê: cantor bateu recorde de álbum brasileiro mais ouvido em 2024
Ainda há espaço para as mais longas
Apesar da onda crescente de músicas curtas, ainda há espaço para faixas mais longas e álbuns robustos.
Bad Bunny, por exemplo, lançou em 2022 o álbum "Un Verano Sin Ti", com 23 faixas e cerca de 81 minutos, mantendo uma média de 3,5 minutos por música. Seu álbum de 2025, "DeBÍ TiRAR MáS FOToS", é mais enxuto, com cerca de 60 minutos.
Taylor Swift também navega entre músicas curtas e longas. O álbum "The Tortured Poets Department (2024)" varia entre 2 minutos e 36 segundos e 5 minutos e 40 segundos por faixa, totalizando cerca de 65 minutos no total. O disco liderou rankings mundiais e vendeu aproximadamente 5,6 milhões de cópias no ano. Já a versão "The Anthology" do álbum, com 31 faixas no total, sendo 16 da edição padrão e 15 faixas bônus adicionais, chega a aproximadamente 122 minutos e 21 segundos.
Também em 2024, Beyoncé lançou seu oitavo álbum de estúdio, Cowboy Carter, com 27 faixas e duração total de aproximadamente 78 minutos — o mais longo de sua carreira até hoje.
O álbum conceitual mistura gêneros como country pop, western, soul psicodélico e blues, incluindo faixas longas que ultrapassam 5 minutos, como “Ameriican Requiem” (5:25) e “II Hands II Heaven” (5:41). Além de tudo, o disco rendeu à cantora seu primeiro Grammy de Melhor Álbum do Ano.
A coexistência entre músicas mais curtas e mais longas evidencia que o mercado não rejeita o formato tradicional nem a inovação digital, mas se ajusta para oferecer diferentes experiências em uma indústria em constante transformação.
E no TikTok tudo pode viralizar — basta um corte de sucesso.
Beyoncé: álbum mais longo da carreira da cantora rendeu a ela seu primeiro prêmio de Álbum do Ano no Grammy
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Créditos
Tamires Vitorio
Repórter
Formada em jornalismo pela Fapcom. Trabalhou em redações como CNN Brasil, Money Times e Bloomberg Línea. Foi também repórter e social media na Exame entre 2017 e 2021.
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