A mãe da inflação

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Patricia Bullrich: candidata à Presidência da Argentina pelo JxC (Getty Images/Luis Robalo)

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Os detalhes da estratégia da oposição argentina para enfrentar Javier Milei

Candidata a deputada pelo Juntos pela Mudança detalha os planos do partido para as eleições de outubro

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Os detalhes da estratégia da oposição argentina para enfrentar Javier Milei

Candidata a deputada pelo Juntos pela Mudança detalha os planos do partido para as eleições de outubro

Patricia Bullrich: candidata à Presidência da Argentina pelo JxC (Getty Images/Luis Robalo)

Por Rafael Balago

Publicado em 09/09/2023, às 06:02.

Última atualização em 30/11/2023, às 10:20.

A mãe da inflação

Por anos, a política argentina foi marcada por embates entre esquerda e direita. Neste ano, uma terceira opção mostrou força, embaralhando o cenário eleitoral. O candidato ultraliberal Javier Milei foi o mais votado nas primárias, em agosto, e aparece com chances reais de ser eleito.

Assim, a direita tradicional do país, que se reúne na coligação Juntos pela Mudança (JxC, na sigla em espanhol), passou a disputar com Milei o eleitorado insatisfeito com o governo atual, de esquerda, comandado por Alberto Fernández, que não disputa a reeleição. 

Nas primárias, o partido de Milei, A Liberdade Avança, somou 30,21% dos votos. O JxC, da candidata Patricia Bullrich, teve 28,25%, e o grupo governista Unión por la Patria, que tem à frente  Sergio Massa, atual ministro da economia, veio em terceiro, com 27,15%. O primeiro turno está marcado para 22 de outubro, e o segundo turno, caso ocorra, para 19 de novembro. A posse será realizada em 10 de dezembro.

Com isso, a tática do JxC é tentar mostrar que possui um plano sólido para tirar a Argentina da crise atual, que inclui inflação a 113% ao ano, forte queda do valor do peso e escassez de dólares. O partido planeja, caso vença a eleição, propor ao Congresso um pacote de medidas para tentar melhorar a situação econômica do país, tendo como objetivo principal zerar o déficit fiscal e, assim, conter o aumento de dívida pública que o governo acumula a cada ano. 

"O déficit fiscal é a mãe, a razão profunda, da inflação. Então, estamos trabalhando para mandar um orçamento com déficit zero desde o primeiro momento, além de um plano para poder acabar com o cepo, para que a economia volte a fluir", diz à EXAME Daiana Molero, economista e candidata a deputada pelo JxC na cidade de Buenos Aires.

Cepo é o apelido de um conjunto de regras do governo que limitam o acesso e a saída de dólares na Argentina. Empresas e cidadãos só podem comprar ou movimentar dólares dentro de determinados limites. Para complicar, cada atividade, como viajar a turismo ou vender açoes, tem um limite e uma cotação diferente, o que acaba dificultando o investimento e o comércio exterior. Isso também abre espaço para a corrupção, pois funcionários públicos têm poder para liberar envios de remessas ou cotações mais favoráveis.

"Hoje faltam dólares mas ao mesmo tempo não entram dólares porque ninguém quer vir para a Argentina se depois não pode dispor de seus dólares e dividendos", aponta Molero 

Outras medidas previstas pelo JxC incluem mecanismos pra proteger investimentos estrangeiros no país e uma reforma trabalhista, para facilitar contratações, além de medidas para simplificar burocracias e baixar custos para empresas.

No entanto, ela reconhece que os resultados podem demorar a surgir. "A inflação não vai ser de um dígito no primeiro ano. É um processo gradual, as medidas tomam tempo, mas haverá um plano para dar um rumo à sociedade. A Argentina está paralisada porque não se pode prever o que vai acontecer amanhã. Então vamos colocar ordem para que as pessoas possam começar a produzir, a vender ao exterior e as coisas irem se resolvendo."

Não à dolarização

Molero critica a proposta de Milei de dolarizar a economia argentina e abrir mão do peso. "O candidato que está defendendo isso não está sendo muito explícito porque não pode dar detalhes de como seria exatamente a medida, mas sabemos que dolarizar a economia não é recomendável porque dessa maneira ficamos com as mãos amarradas demais e depois você pode não ter como responder a choques externos. Tirar essa ferramenta de política monetária é perder liberdade e autonomia."

Sem moeda própria, um país não tem como agir de modo rápido em caso de crises, com medidas como aumentar ou diminuir a quantidade de dinheiro em circulação, emprestar dinheiro aos bancos ou desvalorizar a moeda local para favorecer exportações. Nos anos 1990, a Argentina adotou uma paridade de câmbio, de 1 peso por 1 dólar. A ideia deu bons resultados nos primeiros anos, mas o país começou a década seguinte em uma crise profunda, marcada pela renúncia do presidente Fernando de la Rúa, em 2001.

Outro ponto importante é que, para tornar o dólar a moeda oficial da Argentina, seria preciso ter uma grande quantidade de notas americanas à mão, algo escasso no pais. Assessores de Milei tem estimado que seriam necessários algo em torno de US$ 40 bilhões para fazer a mudança, e que parte desse dinheiro poderia vir dos próprios argentinos, que costumam ter dólares guardados como poupança. Outras opções seriam vender estatais e emitir títulos de dívida, mas há grandes dúvidas de que haveria grande interesse por esses títulos no mercado estrangeiro. Atualmente, a Argentina deve US$ 44 bilhões ao FMI, e tem tido grande dificuldade para honrar os pagamentos e cumprir as exigências do fundo. 

Patricia Bullrich (à esq.), candidata à presidente, e Daiana Molero, candidata à deputada, ambas pelo partido JxC

Esperança de força no Congresso

A atual oposição argentina governou o país faz pouco tempo: de 2015 a 2019, o presidente Mauricio Macri teve a oportunidade de melhorar a economia, mas conseguiu poucos avanços. Molero diz que Macri teve dificuldades por ter sido vítima de várias "bombas" deixadas pelo governo anterior, de Néstor e depois Cristina Kirchner, que governaram de 2003 a 2015, e que o ex-presidente buscou reduzir subsídios, como na tarifas de energia, e que isso acabou alimentando a inflação. A retirada dos auxílios, embora tenha ajudado a reduzir o gasto público, fez os preços ao consumidor subirem. 

Ela avalia ainda que a falta de apoio no Congresso dificultou o mandato do ex-presidente, e agora espera que o JxC possa ter situação melhor. "Macri teve um Congresso muito mais fraco do que o JxC pode ter hoje, se tudo sair bem. Poderemos ter maiorias e isso muda substancialmente sua força para tomar medidas. E temos muito mais províncias governadas pelo JxC, o que o deixa com muito mais musculatura política", diz a candidata.

No entanto, se os resultados das primárias se repetirem, nenhum partido terá maioria tranquila na Câmara. O JxC teria 106 deputados, 10 a menos que hoje. O Frente de Todos, de esquerda, passaria de 118 para 92. e o Libertade Avança, de Milei. iria de 2 para 38. Assim, a esperança do JxC é que a esquerda fique com poder reduzido para barrar medidas e que o partido de Milei tenda a apoiar medidas de cortes de gastos, algo alinhado às suas bandeiras. No entanto, há dúvidas sobre o quanto os aliados do candidato antissistema poderão querer ajudar o novo governo. 

O JxC avalia que as primárias tiveram baixa participação de mulheres, e que Milei costuma ser mais votado entre os homens. Assim, outra tática é buscar atrair o eleitorado feminino, assim como reforçar que a diferença nas primárias foi pequena e pode ser recuperada. "Como fazemos para captar o voto de Milei que, em alguns casos, foi um voto de revolta, que é dizer 'olha, quero mostrar que você, hoje, não está me representando e quero dar um 'susto'?  Como fazemos para dizer que aqui estão as soluções concretas e reais?. Estamos nesta estratégia, prontos para entrar em campo", diz Molero. 

Javier Milei, Argentine congressman and presidential candidate for the Liberty Advances (LLA) party, listens during an interview in Buenos Aires, Argentina, on Wednesday, Aug. 16, 2023. Milei stunned Argentina by winning a primary election on Sunday, defeating the country's two established coalitions to become the frontrunner in the Oct. 22 general election. Photographer: Erica Canepa/Bloomberg via Getty Images

Javier Milei, presidente da Argentina

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Rafael Balago

Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Foi correspondente em Washington, repórter e editor-assistente na Folha de S.Paulo e fez mestrado em jornalismo pela Universidade da Coruña (Espanha).

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