Publicado em 29/06/2025, às 16:14.
Uma ação, um império e um CEO em curto-circuito
Quando abriu capital em 2010, a Tesla era uma empresa com um carro só, prejuízo recorrente e um CEO que prometia eletrificar o mundo — começando por um esportivo caríssimo com cara de protótipo. Quinze anos depois, a ação multiplicou por quase 300, a empresa já valeu mais de US$ 1 trilhão — e ainda gira em torno da mesma figura: Elon Musk.
O papel, vendido a US$ 17 no IPO (ou US$ 1,13 após desdobramentos), agora vale US$ 323,63. Um retorno de quase 30.000%. Na prática: US$ 10 mil aplicados em 2010 viraram perto de US$ 3 milhões.
Mas os números não contam toda a história. A Tesla não cresceu apenas com baterias e fábricas — cresceu também com promessas, escândalos, robôs, política e muitos tuítes fora de hora.
Em 2010, o CEO da Tesla, Elon Musk, e o CEO da Toyota, Akio Toyoda, apertam as mãos após anúncio de parceria para fabricar carros elétricos nos Estados Unidos.
Nasce uma gigante
A Tesla surgiu em 2003, mas só virou assunto de mercado a partir de 2008, quando Elon Musk assumiu como CEO após afastar o fundador original. Àquela altura, o único produto da empresa era o Roadster, um elétrico esportivo feito sob a estrutura do carro inglês Lotus Elise.
O IPO veio em 2010, marcando a estreia da primeira montadora americana em bolsa desde a Ford. As ações subiram 40% no primeiro dia. Mas o papel oscilava ao sabor das promessas. Em 2012, a Tesla lançou o Model S, o primeiro sedã de luxo da marca — e com ele, a reputação de empresa que entregava inovação antes dos gigantes.
Foi também nessa fase que a Tesla começou a deixar de ser uma promessa e passou a entrar no radar de Wall Street. Em 2013, a empresa reportou seu primeiro lucro trimestral — um marco simbólico que fez as ações subirem mais de 80% naquele mês, impulsionadas também pelas vendas acima do esperado do Model S e por créditos de emissão zero (ZEV), que ajudaram a fechar o balanço no azul.
Em julho do mesmo ano, a Tesla foi incluída no Nasdaq-100, índice que reúne as maiores empresas de tecnologia listadas na bolsa. E o mercado entendeu que, apesar das incertezas, a companhia não era mais apenas uma startup excêntrica do Vale do Silício.
Um ano depois, outro passo decisivo: o anúncio do Autopilot, o sistema de assistência à direção da Tesla. Ainda longe da autonomia total, o software consolidava a empresa como pioneira em um segmento em que as montadoras tradicionais sequer tinham protótipos comerciais viáveis.
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Tesla
Da escala ao caos na produção
Em 2016, Musk apresentou o Model 3 como o carro que levaria a Tesla das garagens milionárias para as ruas comuns. Um sedã elétrico, com autonomia competitiva e preço na faixa dos US$ 35 mil. Foram mais de 325 mil reservas na primeira semana e 455 mil em poucos meses — o maior lançamento de pré-venda da história da indústria automotiva.
Mas o sonho de escala virou um pesadelo. A produção em massa exigia mudanças logísticas e operacionais que a Tesla nunca havia enfrentado. Musk prometeu fabricar 5 mil unidades por semana até o fim de 2017 — uma meta que só seria atingida em julho de 2018, com seis meses de atraso, custos inflados e turnos de trabalho improvisados.
O CEO chegou a dormir na fábrica, construiu uma linha de montagem em uma tenda no estacionamento e declarou estar em "modo de sobrevivência". O caixa da Tesla encolheu, e analistas passaram a questionar a viabilidade do modelo de negócio, enquanto as ações oscilavam violentamente.
Só que o maior impacto na reputação — e no preço do papel — não viria da fábrica. Estava prestes a vir do Twitter, onde Musk escrevia mais rápido do que os advogados podiam revisar.
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Turbulências, tuítes e podcasts
Em agosto de 2018, Musk tuitou: “Considerando fechar o capital da Tesla a US$ 420 [número 'símbolo' da cannabis]. Financiamento garantido.” Não estava. A ação subiu 6% no dia, mas despencou semanas depois, levando a uma perda estimada de US$ 12 bilhões para investidores.
O caso virou processo da SEC, agência reguladora americana. Musk pagou multa de US$ 20 milhões, perdeu temporariamente a presidência do conselho e teve que aceitar supervisão de postagens futuras — na teoria. Na prática, ele seguiu tuitando normalmente.
Menos de um mês depois, outro momento marcou a relação entre Musk e a volatilidade da Tesla: em setembro de 2018, o CEO apareceu ao vivo fumando maconha no podcast do comediante Joe Rogan.
O episódio viralizou, as ações caíram 9% no dia seguinte e dois executivos de alto escalão pediram demissão na mesma semana. A Força Aérea dos EUA chegou a abrir uma investigação para rever a autorização de segurança de Musk, dado o envolvimento da SpaceX com contratos militares.
Esse período foi descrito por analistas como a "fase caótica" da Tesla, com perda acumulada de mais de 30% no valor da empresa em dois meses.
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Quando a Tesla virou foguete
Em 2020, veio a redenção. Após anos de promessas e prejuízos, a Tesla reportou seu primeiro lucro anual: US$ 721 milhões. O valor, embora modesto diante da receita de mais de US$ 30 bilhões, foi o suficiente para desbloquear um efeito dominó que mudou a trajetória da empresa.
Em dezembro, a Tesla foi incluída no S&P 500, tornando-se a maior companhia da história a entrar no principal índice do mercado americano — um marco que obrigou fundos passivos a comprar bilhões de dólares em ações da empresa.
Mas o lucro veio com um asterisco: parte expressiva do resultado foi impulsionada por mais de US$ 1,5 bilhão em venda de créditos de carbono para outras montadoras, que usaram os certificados da Tesla para compensar emissões e evitar multas ambientais.
A ação, por sua vez, entrou em modo foguete. Só em 2020, o papel valorizou 700%, ajudado por um desdobramento de cinco para um e pela explosão de investidores de varejo que, trancados em casa durante a pandemia, passaram a apostar na Tesla como símbolo do "novo mercado". Elon Musk se tornou, naquele mesmo ano, a pessoa mais rica do planeta — ultrapassando Jeff Bezos.
No fim de 2021, o valor de mercado da empresa passou US$ 1 trilhão, mesmo com a Tesla produzindo muito menos veículos que Toyota, Ford ou Volkswagen. A diferença estava — como quase sempre — na expectativa.
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Robotáxis e BYDs
Nos anos seguintes, a Tesla lançou o Cybertruck (2023), atualizou o Model 3 e avançou no projeto dos robôs humanoides — o Optimus. Mas foi em junho de 2025 que a empresa deu o passo mais ousado até aqui: a estreia comercial dos primeiros robotáxis em Austin, no Texas.
O lançamento foi discreto: nada de palco ou pirotecnia. Apenas um grupo limitado de usuários circulando em Model Ys adaptados, sem motorista — mas com um monitor no banco do passageiro e suporte remoto. As viagens custam US$ 4,20 e funcionam apenas em horários e climas favoráveis.
Mesmo assim, o mercado reagiu com entusiasmo: as ações da Tesla subiram 8,2% no primeiro pregão após a estreia do serviço. Analistas como Dan Ives, da Wedbush, que testou o sistema pessoalmente, disseram que a direção foi “suave, segura e surpreendentemente natural”.
Para Musk, é o começo da nova era. Ele publicou que esse foi o “culminar de uma década de trabalho” das equipes de chip e IA da empresa. O plano é escalar a operação e, até o fim de 2026, colocar “milhões de Teslas” rodando sozinhos pelas ruas.
Mas nem todo mundo está convencido.
Vídeos de robotáxis entrando na contramão e excedendo limites de velocidade viralizaram nas redes. A NHTSA, agência de segurança viária dos EUA, abriu uma investigação. E especialistas alertam para os riscos: “É como prometer ir a Marte e só conseguir chegar até Cleveland”, comparou o professor Bryant Walker Smith, da Universidade da Carolina do Sul.
Além disso, a Tesla entra numa corrida em que rivais já cruzaram a linha de largada. A Waymo, do Google, opera há anos em cidades como San Francisco e Phoenix. A Zoox, da Amazon, também testa veículos próprios — e todas elas seguem uma abordagem mais conservadora em termos de segurança.
A pressão, no entanto, não vem só do Vale do Silício. A chinesa BYD, hoje maior fabricante de veículos elétricos do mundo em volume, tem avançado agressivamente sobre mercados da Europa, América Latina e Ásia, com modelos mais acessíveis e fábricas com escala superior à da Tesla.
Outras marcas como NIO, XPeng e Geely também têm acelerado lançamentos com recursos de condução autônoma integrados, tornando o terreno ainda mais competitivo.
Apesar da euforia momentânea, a Tesla ainda acumula queda de mais de 12% em 2025. O otimismo com os robotáxis segurou o papel por alguns dias, mas não impediu a reação do mercado às falhas, à incerteza regulatória — e à percepção crescente de que, desta vez, Musk não corre sozinho.
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'Make Tesla Great Again'
A guinada política de Elon Musk se tornou mais do que um ruído para investidores. Em 2025, o bilionário assumiu o comando do Departamento de Eficiência Governamental no governo Trump, onde liderou cortes em agências reguladoras — incluindo aquelas que fiscalizam a própria Tesla e a SpaceX. O movimento foi visto como conflito de interesses e gerou desconforto no mercado financeiro.
A tensão atingiu o ápice quando Musk rompeu com Trump após divergências sobre subsídios à energia limpa. Em resposta, o presidente ameaçou suspender contratos públicos com empresas ligadas ao bilionário. O resultado foi imediato: mais de US$ 150 bilhões evaporaram do valor de mercado da Tesla em um único dia — a maior perda desde a pandemia.
A crise institucional se somou ao impacto reputacional. Campanhas de boicote e hashtags contra a Tesla voltaram a circular nas redes. Pesquisas mostraram queda na imagem da marca entre jovens e consumidores progressistas. O efeito foi direto na base de clientes e no papel: a confiança no futuro da empresa passou a depender não só da tecnologia, mas do humor — e do humor político — de Musk.
Para analistas, o risco permanece claro. A Tesla continua sendo uma empresa que promete mudar o mundo, mas cuja estabilidade está perigosamente atrelada ao estado de espírito de seu fundador. E quando o CEO vira protagonista da política, a empresa anda no fio da navalha.
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O que resta da Tesla de 2010?
A Tesla de hoje já não é a mesma de 2010 — exceto por um detalhe: continua sendo, mais do que uma montadora, uma aposta pessoal em Elon Musk. A empresa fatura mais de US$ 96 bilhões por ano, opera fábricas em três continentes e segue líder em carros elétricos premium.
Mas 15 anos depois do IPO, os desafios se acumulam. As ações recuam mais de 12% em 2025. As vendas esfriam na Europa. A concorrência chinesa avança. O braço-direito de Musk, Omead Asfhar, acaba de pedir demissão. E as grandes promessas — de robotáxis, robôs humanoides e lucros com IA — seguem em modo piloto.
Para parte do mercado, a Tesla vive uma nova transição: de empresa de tecnologia para produtora de promessas com prazo indefinido. A outra parte ainda acredita que o próximo salto está logo ali, no cruzamento entre algoritmos e autonomia total.
A dúvida que permanece é a mesma desde o começo: a Tesla vai mudar o mundo, ou só o mercado de ações?
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Créditos
Laura Pancini
Repórter
Formada pela PUC-SP. Começou como estagiária na Exame em 2020. Já passou pela Home do site e as editorias de Pop, Ciência, Tecnologia e IA. Hoje, cobre startups, fundos de investimento e empresas de tecnologia em Negócios.