A busca pelos direitos iguais

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Mulheres (Getty Images/Maria Ponomariova)

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Especial Dia Internacional da Mulher: Por que precisamos da equidade de gênero?

A equidade entre homens e mulheres beneficia toda a sociedade, mas para ter ganhos econômicos e de direitos humanos, avanços são necessários

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Especial Dia Internacional da Mulher: Por que precisamos da equidade de gênero?

A equidade entre homens e mulheres beneficia toda a sociedade, mas para ter ganhos econômicos e de direitos humanos, avanços são necessários

Mulheres (Getty Images/Maria Ponomariova)

Por Marina Filippe e Fernanda Bastos

Publicado em 07/03/2023, às 18:07.

Última atualização em 09/08/2023, às 16:33.

A busca pelos direitos iguais

Quando em 8 de março de 1917, 90 mil operárias russas foram para as ruas reivindicar direitos e melhores condições de trabalho, a vida era bastante diferente a atual. 106 anos depois, contudo, a equidade entre os homens e mulheres ainda não acontece de forma plena e algumas demandas se repetem no Dia Internacional da Mulher e nos demais dias do ano. Exemplo disto é o resultado do índice Mulheres, Empresas e o Direito do Banco Mundial, no qual as mulheres desfrutam de apenas 77% dos direitos jurídicos aos quais têm acesso os homens.

“Os governos não podem se dar ao luxo de deixar de lado metade de sua população. Negar direitos iguais às mulheres em grande parte do mundo não é apenas injusto para elas: é, também, uma barreira à capacidade dos países de promover um desenvolvimento verde, resiliente e inclusive”, diz Indermit Gill, economista-chefe do Grupo Banco Mundial e vice-presidente sênior de Economia do Desenvolvimento.

Ter os mesmos direitos e acessos que os homens, vai muito além do benefício individual para cada mulher. A equidade de gênero é uma questão de direitos humanos e de desenvolvimento social e econômico para todos. A eliminação da desigualdade de gênero no mercado de trabalho poderia aumentar o PIB per capita em perspectiva de longo prazo em quase 20%, em média, entre os países. Além disto, estudos estimam ganhos econômicos globais de US$ 5 trilhões a US$ 6 trilhões se as mulheres pudessem abrir e expandir novos negócios na mesma proporção que os homens.

 

Ocupação de trabalho e economia do cuidado

Para haver equidade entre homens e mulheres em termos de direitos e também nas oportunidades, é essencial abordar a economia do cuidado, um conceito que considera o tempo de trabalho de quem se dedica para cuidar dos afazeres domésticos e das pessoas do núcleo familiar sem receber uma recompensa financeira para isto. Segundo a consultoria ThinkOlga, o trabalho de cuidados não pagos às mulheres equivaleria a 10 trilhões de dólares, isto é, uma economia 24 vezes maior do que a do Vale do Silício.

"Um dos grandes desafios é que o trabalho do cuidado não é lido pela sociedade como “produtivo”. O que o mercado precisa entender é que não há uma separação entre vida pessoal e profissional. O tempo gasto pela mulher em cuidados tem impacto na produtividade dentro da empresa, na saúde mental e, consequentemente, na evolução profissional e social"Tayná Leite, gerente sênior de Direitos Humanos do Pacto Global da ONU no Brasil.

O impacto é ainda maior quando há uma intersecção entre gênero e raça, uma vez que no Brasil a maior parte das empregadas domésticas são mulheres negras que auxiliam mulheres brancas a manterem suas posições em outros empregos. “As mulheres são mais demitidas do que os homens, são as mais desempregadas, e isto é ainda mais agravado quando negras”, Tayná.

Os dados do IBGE/PNAD confirmam que a taxa de desocupação do País desceu de 8,1% no terceiro trimestre para 7,9% no quarto trimestre de 2022. Mas, enquanto o desemprego foi de 6,5% para os homens no trimestre encerrado em dezembro, houve um resultado de 9,8% para as mulheres. Por cor ou raça, a taxa de desemprego ficou abaixo da média nacional para os brancos, em 6,2%, muito aquém dos 9,9% para os pretos e 9,2% para os pardos.

Para Amanda Graciano, economista, sócia e head de corporate relation na Fisher Venture Builder, até quando pensamos no feminismo há um viés muito branco sobre o movimento de luta pelos direitos das mulheres. “Mulheres negras e indígenas já foram muito apagadas e tiveram suas pautas colocadas em segundo plano. As mulheres negras mantêm o país funcionando porque boa parte dessas mulheres são as mulheres que estão alimentando, estão cozinhando nos restaurantes, nas nossas casas, estão cuidando dos filhos da maioria das pessoas. Elas estão fazendo a roda girar, elas são parte fundamental da nossa economia”, afirma. 

Mulheres

Maria Ponomariova/Getty Images

O papel das empresas

Uma das formas de mitigar a desigualdade, para além das políticas públicas, é a participação das empresas na agenda. “As empresas refletem o que é a sociedade, e também transformam. Todas as empresas veem a necessidade de tratar o tema, seja por uma pressão de investidores ou porque entendem o valor para a sociedade. O nosso papel é mostrar que as ações dela impactam os funcionários, os familiares e toda a cadeia”, diz Tayná.

Para isto, é preciso haver estratégia, compromisso e orçamento dedicado. Um exemplo é quando as companhias aumentam a licença paternidade para pais de filhos biológicos e adotivos. No Brasil, algumas poucas companhias, como a Diageo, já tem a licença paternidade estendida por seis meses, mesmo tempo oferecido às mulheres. Essa é uma forma de colocar todos os funcionários na cultura que considera que a ausência, durante a licença, não pode ser prejudicial para a carreira.

Também por meio do setor privado é possível abordar temas como disparidade salarial e salário digno. Contudo, são poucas as companhias que já olham para a defasagem no pagamento tendo o gênero como único motivo. “Em geral, em uma mesma faixa salarial por cargo os homens ficam na ponta superior e as mulheres na inferior. O mesmo acontece se, por exemplo, a decisão do valor do bônus é marcada por vieses de avaliação de performance”, diz Tayná. Para ela, as companhias que conseguem mitigar as diferenças são aquelas que têm políticas sólidas e dados analisados periodicamente por gestores, além de ter o tema implementado na cultura organizacional.

Já para Amanda, um dos pontos essenciais para que a equidade entre mulheres brancas e mulheres negras aconteça é o investimento de recursos em ações e iniciativas quando o assunto é formação executiva e de lideranças capacitadas. Outro ponto que a executiva ressalta é que é muito comum que haja preparação da liderança para lidar com diversidade e grupos sub-representados, mas o outro lado da moeda e, talvez o lado essencial deles, pode ficar no esquecimento que são as pessoas desses grupos.

“Muitas vezes estamos gastando dinheiro do lado errado. Por exemplo, quando falam ‘Vamos fazer um programa de diversidade’, vai lá e forma todos os executivos no tema, só que sem fazer a mesma coisa com o outro lado, que é o grupo sub-representado", disse Graciano.

"Pode ser que talvez ele não tenha tido acesso aos signos aos símbolos ao modus operandi, não sabe nem se comunicar dentro daquele ambiente. Por isso, acho que temos a tendência de gastar muito tempo e esforço de um lado para preparar as lideranças que não são tão diversas assim para receber essas pessoas, mas não necessariamente olhamos para o lado de fora da diversidade. Qual é o incremento que essas pessoas precisam?”

Empatia é a chave para lidar com a diversidade e endereçar a questão de gênero e raça dentro das organizações. “A mulher negra do seu time precisa de empatia, não que ela precise ser cuidada, mas certamente ela vai precisar de ajuda às vezes na adaptação ou na exposição a contextos e referências que talvez não conheça”, comenta Graciano.

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Mulheres no empreendedorismo

Para além das empresas, cada vez o empreendedorismo se torna uma opção para a viabilidade econômica e a mitigação das desigualdades de gênero. Apesar disto, muitos avanços ainda são necessários. De acordo com o Sebrae, em parceria com dados levantados em 49 nações pela Global Entrepreneurship Monitor (GEM), em 2019, o Brasil constava como sétimo colocado como país com maior número de mulheres empreendedoras.

Apesar do número crescente, empreender no Brasil não é tarefa fácil para as mulheres. Esse foi o caso da executiva Raquel Teixeira, hoje sócia líder de EY Private Latam South, conselheira dos Programas Winning Women e Empreendedor do Ano e mentora para pequenas e médias empresas, que iniciou sua carreira como empreendedora no final da década de 90, e teve enfrentar os desafios de gerir um negócio sendo mulher. “Que bom que o Brasil tem algumas referências, que podemos citar, mas ainda estamos muito longe de ter diversas mulheres ocupando a posição de líderes de grandes empresas, assim como donas do próprio negócio”.

Apesar dos avanços na quantidade de mulheres empreendedoras, muitas delas acabam abrindo o próprio negócio necessidade de sustentar os lares. Hoje, as mulheres são chefes de 50,8% dos 75 milhões de lares brasileiros,  segundo dados do Levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que tem como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PnadC) do IBGE.

Empreender, sendo mulher, exige resiliência e inteligência emocional para aproveitar as oportunidades. “As empreendedoras devem se atentar aos patrocinadores e investidores, entendendo como essas figuras são essenciais para o bem-estar e longevidade dos negócios. Os patrocinadores falam da proposta da companhia e, também, divulgam o produto da empresa. Mas se por um lado existem desafios, do outro, estão algumas facilidades, como: contar com as tecnologias desenvolvidas no período de pandemia para recorrer a especializações e cursos à distância, contar com a ajuda de mentores e criar redes de relacionamento. Todas essas ações podem ser aplicadas para potencializar os negócios de mulheres”, afirma.

Teixeira, que atua como líder no programa Winning Women, que já acelerou negócios de mais 100 mulheres no Brasil desde 2013, é otimista sobre o futuro do empreendedorismo feminino brasileiro e comenta que há muita oportunidade e espaço para novas ideias. Mas, apara avançar, é preciso lembrar das jornadas de trabalho, geralmente, duplas.

"Quando falamos de mulher, a dificuldade não está só em empreender. A jornada dupla de cuidar dos casa e filhos aumenta as responsabilidades e dificultam na hora de empreender. Vejo a dificuldade de mulheres em vender seus produtos e administrar os negócios por falta de conhecimento, visto que, muitas vezes, elas empreendem por necessidade."Raquel Teixeira, hoje sócia líder de EY Private Latam South, conselheira dos Programas Winning Women e Empreendedor do Ano e mentora para pequenas e médias empresas
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Percepções sobre equidade de gênero

Os brasileiros não estão desatentos quando o assunto é desigualdade de gênero, é o que mostra a pesquisa International Women's Day, realizada pela Ipsos com 32 nações participantes, em parceria com o Global Institute for Women's Leadership - King's College London. De acordo com a publicação, 78% dos brasileiros acreditam que há desigualdade entre homens e mulheres em termos sociais, políticos e econômicos; já 47% acreditam que a igualdade de gênero no país é benéfica tanto aos homens quanto às mulheres – outros deles acreditam, por exemplo, que a igualdade beneficiaria apenas um dos gênero.

“A pesquisa mostra que a maioria no país concorda que os “homens devem dar total apoio à igualdade”. O papel dos homens é explorado de diferentes maneiras na pesquisa e tende a ser valorizado porque é percebido como essencial para que as mulheres atinjam essa situação de igualdade no Brasil”, diz Priscilla Branco, public affairs da Ipsos.

A pesquisa mostra diferentes percepções sobre o tema no Brasil e no mundo. E, apesar dos lentos avanços, há otimismo. “Por exemplo, 66% dos brasileiros concordam em algum grau com a frase: “A igualdade entre homens e mulheres será alcançada durante a minha vida”. Em 2018, “apenas” 42% concordavam com essa frase. É claro que se trata de uma percepção, mas indica que os brasileiros estão vislumbrando um caminho positivo para que isto aconteça”, afirma Priscilla.

 

O estudo mostra ainda que a análise do tema entre brasileiros pode ser diferente dos resultados globais. Exemplo disto é quando, no mundo, 37% afirmam tem medo de abordar o tema abertamente. Por aqui, o índice sobe para 47%. A mudança geracional também tem impacts. Enquanto 68% dos Gen Z (nascidos entre 1996 a 2005), globalmente, afirmam ter realizado alguma ação de promoção de equidade de gênero no último ano, apenas 41% dos Baby Boomers (nascidos entre 1945 e 1964) dizem o mesmo.

Afinal, por que precisamos da equidade de gênero?

Até aqui, as pesquisas mostram como não é possível ignorar que homens e mulheres não têm acessos aos mesmos direitos, salários e posições de trabalho. Como consequência, o Brasil ganhou o 94º lugar entre 146 nações, e vem piorando sua colocação desde 2020, quando ocupava o 92º lugar. O resultado é ainda mais grave quando se analisa que o país tira a pontuação máxima ao considerar, por exemplo, que homens e mulheres têm o mesmo acesso à educação e saúde por considerar que o serviço público existe, mas não examinar as barreiras que podem existir e limitar a chegada de fato aos espaços.

 

Para Priscilla, da IPSOS, precisamos da igualdade de gênero porque, infelizmente, são muitos os fatores que impedem as mulheres de viverem situações de plena oportunidade. “Podemos citar muitos terrenos onde a desigualdade é gritante: desde sub-representação em espaços de poder, como na política, até outros fatores seríssimos como casamentos infantis e feminicídio”, afirma.

Promover uma mudança cultural, que envolve homens e mulheres, é benéfica para toda a sociedade ao gerar segurança, proposito e melhoria na qualidade de vida. Um estudo Citigroup e da Plan International, por exemplo, estimou que, se um grupo de economias emergentes garantisse que todas as meninas concluíssem o ensino médio, isso poderia levar a um aumento do PIB em 10% até 2030. Já uma estimativa do McKinsey Global Institute, mostra que US$ 12 trilhões poderiam ser adicionados ao PIB global em poucos anos.

“As organizações que entenderam esses benefícios estão agindo por meio de ações como os da Agenda 2030, que considera os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU. No Brasil, um exemplo é o movimento Elas Lideram, que busca mais de 1,5 mil empresas com o compromisso de ter 11 mil mulheres para cargos de alta liderança até 2030”, afirma Tayná.

Na prática, enquanto continuarmos reforçando um sistema em que as mulheres têm menos acesso à informação e menos possibilidades, a situação se agrava. E, ainda mais, quando há a intersecção com raça.

"O sistema inteiro perde, deixando de trazer benefícios para melhorar a qualidade de vida como um todo. A ideia não é tirar o lugar de alguém, mas é entender que melhorando a situação para as mulheres, especialmente negras, há melhora na qualidade de vida de todos."Amanda Graciano, economista, sócia e head de corporate relation na Fisher Venture Builder
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Créditos

Marina Filippe

Marina Filippe

Repórter de ESG

Mestre em Ciência da Comunicação pela USP. Na EXAME, desde 2016, escreveu em negócios, gestão e sustentabilidade. Foi finalista dos prêmios de Jornalismo Inclusivo e Comunique-se, e reconhecida entre os Mais Admirados da Imprensa.

Fernanda Bastos

Fernanda Bastos

Repórter de ESG

Graduada em Jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, entrou na EXAME como trainee do programa Imersão EXAME em 2022 e hoje atua como Repórter de ESG. Atuou também nas áreas de assessoria de imprensa e social media.

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