hero_Entrevista: “a homossexualidade precisa ser vista e aceita no ambiente de trabalho”, diz CEO da Dow

Javier Constante - CEO da DOWFoto: Leandro Fonsecadata: 06/02/2023

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Entrevista: “a homossexualidade precisa ser vista e aceita no ambiente de trabalho”, diz CEO da Dow

Javier Constante levou 26 anos para falar abertamente sobre sua sexualidade no trabalho, e não quer que as novas gerações passem por isso

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Entrevista: “a homossexualidade precisa ser vista e aceita no ambiente de trabalho”, diz CEO da Dow

Javier Constante levou 26 anos para falar abertamente sobre sua sexualidade no trabalho, e não quer que as novas gerações passem por isso

Javier Constante - CEO da DOWFoto: Leandro Fonsecadata: 06/02/2023

Por Marina Filippe

Publicado em 28/04/2023, às 14:57.

Última atualização em 09/08/2023, às 16:14.

A liberdade de ser quem você é

Quem chega ao escritório da empresa química americana Dow, na zona sul de São Paulo, depara com uma grande bandeira LGBTI+ com o logotipo da companhia no centro. A imagem é parte dos posicionamentos da companhia, comandada no Brasil pelo argentino Javier Constante, assumidamente gay.

A cena de hoje seria impensável quando Constante entrou na companhia, há 34 anos. Ele só falaria abertamente sobre sua sexualidade 26 anos depois. “Conheci meu marido no mesmo ano em que entrei na Dow e tive a sorte de ele me acompanhar nas movimentações que fiz ao redor do mundo. Mas, por muito tempo, meus colegas não sabiam sobre a existência dele”, afirma o executivo de 62 anos.

A escolha, segundo Javier, foi a ideal para a época. “Me lembro, por exemplo, de fugir de bares na noite argentina, quando policiais faziam batidas para acabar com encontros LGBTI+ na época da ditadura. Nas companhias então, isto nem era pauta. Felizmente, hoje tratamos das diversidades na Dow e temos espaço para mostrar como realmente somos”.

Há quem acredite que a vida pessoal não deve se misturar com o trabalho, especialmente quando a questão envolve orientação sexual. Mas, pesquisas apontam que, em companhias nas quais os funcionários se sentem confortáveis para mostrar quem são, há maior retenção, sentimento de pertencimento e, consequentemente, produtividade.

Para criar esse ambiente empresarial, é preciso que todos os funcionários estejam preparados para lidar com a diversidade, sendo a liderança essencial para o engajamento. Com a liderança inclusiva, funcionários são 66% mais propensos a relatar que os líderes promovem a inovação, segundo a consultoria McKinsey. No caso de Javier, o sentimento foi além e, ele mesmo pode ter sido influenciado por Jim Fitterling, CEO global da Dow, abertamente gay desde 2014. Com a inclusão, Javier passou a ter atuação em espaços como o Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, hoje com mais de 70 grandes empresas – e ainda assim com ele sendo o único CEO assumidamente gay.

“Trazer você mesmo por completo no escritório é fundamental para qualquer funcionário, não só para pessoas LGBTI+. Quando há mais liberdade, você deixa de ocupar tempo e energia escondendo parte da sua vida. Quando você não se esconde e libera essa pressão, tem mais tempo para ser mais criativo e mais produtivo”, diz Javier.

Contudo, essa ainda não é uma realidade de todas as companhias no país. Segundo uma pesquisa, de 2022, da plataforma de empregabilidade LinkedIn, 48% dos participantes eram abertamente LGBTI+ nas companhias. Entre os que não eram, os motivos variavam entre não gostar de falar da vida pessoal no trabalho, ter medo do impacto negativo no desenvolvimento da carreira e medo de sofrer represália. Além disso, 47% afirmaram que a empresa não tinha – ou eles não conheciam – ação de promoção da igualdade.

"Eu tive que esconder uma parte da minha vida muito intensamente e não quero que as novas gerações tenham que passar por isso. Não sou mártir, não me vejo com uma vítima, mas hoje carrego um exemplo importante de que a homossexualidade precisa ser vista e aceita no ambiente de trabalho assim como qualquer outra orientação sexual e recorte de diversidade"Javier Constante, CEO da Dow

Escritório da Dow em São Paulo. Foto: Leandro Fonseca

Quando o senhor começou a trabalhar na Dow era assumidamente gay?

Na verdade, não. Eu comecei na Dow em 2 de maio de 1989, em uma posição de vendas na Argentina. E conheci meu parceiro em novembro do mesmo ano. Ele me acompanhou em todas as oportunidades de carreira, como quando vim trabalhar no Brasil pela primeira vez, em 2001, ou depois na Europa, onde assumi postos como vice-presidente comercial para Europa, África e Oriente Médio até voltar ao Brasil como presidente, em 2019. Mas, foi só em 2015 que falei sobre a minha sexualidade em uma reunião.

Dito isto, é importante contextualizar que a Dow não era a Dow que é hoje – assim como nenhuma empresa. Então, antes, quase ninguém do meu convívio profissional sabia da minha relação homoafetiva.

O que te fez se assumir na companhia?

Em 2014, Jim Fitterling, então COO e hoje CEO da Dow, se assumiu gay em uma reunião interna. Quando você tem um alto executivo que se diz parte do grupo LGBTI+ isto é um forte sinal de inclusão.

Naquela época, eu havia trabalhado no grupo de pessoas com deficiência e depois no de gênero. E comecei a entender que eu demandava autenticidade do meu time, mas não estava sendo autêntico com ele. Então, em 2015, numa reunião com os seis líderes da Europa, África e Oriente Médico, contei a história do meu anel de casamento.

E foi algo como: “Este anel é do meu casamento com o Carlos. Eu nunca falei isso para vocês e percebi que ninguém perguntou nesses três anos em que o uso”. Aquilo foi um momento fantástico. Eu nunca tinha vivido algo tão caloroso com o meu time. Dias depois, percebi que houve um impacto neles também, quando a esposa de um dos diretores veio me dizer que soube da novidade e que estava feliz por mim. Recebi mensagens de afeto que nunca esperava receber.

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Como foi usar por três anos uma aliança de casamento sem comentar nada sobre a pessoa com a qual o senhor se relacionava?

Na verdade, nos casamos em 2009, seis anos antes dessa reunião. Nos casamos na Espanha, enquanto eu trabalhava no país. Já a festa foi na Argentina, para 200 pessoas. Não era algo escondido de todo o meu convívio social, apesar de não ser comentado na companhia.

Depois, em 2012, durante uma viagem à Nova York, decidimos comprar a aliança e, por três anos, ninguém perguntou sobre. Acho que eles suspeitaram, mas quiseram respeitar a minha intimidade. Participar do grupo LGBTI+ é uma decisão própria e ninguém pode “te tirar do armário”.

Desde que me abri senti uma liberdade diferente de poder falar o que eu estava fazendo no fim de semana ou com quem estava durante as férias. É bom poder ter conversas casuais e as pessoas perguntarem “Como está o Carlos?” ou “Vocês fizeram boa viagem”?

“Trazer você mesmo por completo no escritório é fundamental para qualquer funcionário, não só para pessoas LGBTI+". Foto: Leandro Fonseca

Qual a importância de ter o parceiro incluído nas conversas casuais e quais os reflexos disto no ambiente de trabalho?

Trazer você mesmo por completo no escritório é fundamental para qualquer funcionário, não só para pessoas LGBTI+. Quando há mais liberdade, você deixa de ocupar tempo e energia escondendo parte da sua vida. Quando você não se esconde e libera essa pressão, tem mais tempo para ser mais criativo e mais produtivo.

Para mim, por exemplo, foi muito marcante quando o hoje nosso CEO se assumiu gay. Ele disse “eu tenho preocupações na minha vida pessoal e com a minha saúde e quero dizer que sou gay. Não vou perder tempo e energia para esconder quem sou”. Essa mensagem foi importante para mim porque marca o caminho e é um emblema de que a discriminação não pode acontecer.

Quando a Dow começou a ficar mais inclusiva?

O grupo de LGBTI+ da Dow começou nos anos 2000, mas se alguém se assumisse naquela época ainda sofreria discriminação. Digo isto porque estive em muitas reuniões que faziam piadas sobre pessoas LGBTI+, de modo que a ridicularização ia escalando. Felizmente, a Dow mudou e muitas empresas estão modernizando os conceitos, mas há algumas que essa questão ainda é mais difícil.

E isto não significa que tudo está perfeito. Ainda há discriminação e posso te dar um exemplo, como o que aconteceu com um cliente no México neste ano. A pessoa disse “Vocês se lembram da Copa do Mundo na África do Sul? É da época em que o Ricky Martin ainda era homem”. Ali, vi que pessoas do meu time ficaram constrangidas.

O que mudou para que a Dow fosse de fato inclusiva?

Não consigo determinar um momento preciso de mudança. Todas as iniciativas de inclusão LGBTI+ começaram nos Estados Unidos, que mesmo sendo um país mais fechado em algumas coisas, quando se tem movimentos por direitos, avançam mais rápido. Eu nunca morei nos Estados Unidos, mas trabalhando numa empresa americana, experimentei muitos dos aspectos culturais.

Acredito que a inclusão tem sido um processo gradual. Em 2008, por exemplo, um executivo abertamente gay sofria mais claramente alguns preconceitos dentro e fora da companhia, mesmo que houvesse algum tipo de política por diversidade. Contudo, naquela época, ESG não estava na primeira página da agenda dos CEOS. Agora, sinto que as coisas são diferentes e melhores.

Como os grupos de diversidade são estruturados atualmente?

As estruturas dos grupos fazem parte dos conceitos culturais da companhia. Hoje, 78% dos funcionários na América Latina estão inscritos em algum grupo de diversidade, ao menos como aliado. Esse é um trabalho que leva muitos anos, ainda mais considerando que temos funcionários no escritório e outros em fábrica.

Hoje há dois líderes para cada grupo de inclusão em cada região e na América Latina. Assim, conseguimos trabalhar com a alta liderança, mas também com o grupo de operários que constantemente recebem as mensagens e participam das ações de engajamento.

Estamos constantemente dizendo que a Dow quer ser a empresa mais inovadora, sustentável, focada no cliente e inclusiva. Deste modo, nenhum dos quatro temas pode ser um hobbie para se fazer no tempo livre. Tem que ser algo no dia a dia do funcionário, com estrutura, orçamento e cargo dedicado.

Qual a importância de se ter uma pessoa focada na diversidade?

Isto faz toda a diferença para o avanço. O lider de diversidade e inclusão da Dow está agora criando um treinamento para os líderes de todas as áreas. Gostaríamos de ter foco em todos os grupos, mas no último trabalhamos mais com o tema de pretos e pardos. Este ano não vamos perder esse foco, mas vamos adicionar forças ao tema de pessoas com deficiência. E seguimos com o trabalho de autoidentificação voluntaria da população LGBTI+.

Essa pessoa também ajuda a garantir que a inclusão aconteça em todos os momentos, pois posso ter um trabalho muito inclusivo na contratação, mas preciso que o líder intermediário, por exemplo, não trave a carreira de alguém por uma discriminação. Então, estamos pegando os talentos diversos e vendo se eles estão tendo o desenvolvimento de carreira que merecem.

Como esse posicionamento engaja fornecedores e clientes?

Mesmo que eu tenha contado uma história negativa de um cliente no México, há muitos outros nos procurando para aprender práticas de inclusão. Tivemos um bom exemplo de uma empresa que melhoramos o relacionamento comercial depois que fomos convidados para fazer um trabalho de diversidade lá.  Isto acontece porque a inclusão é boa para a sociedade, mas também para o negócio. A empresa tem papel de impacto que não é de filantropia ou caridade. A sociedade te deixa fazer negócio, e você tem que devolver com inclusão, é isto que tentamos mostrar para quem tem um trabalho comercial conosco.

Laís de Jesus, funcionária da Dow. Foto: Leandro Fonseca

O senhor é um exemplo da importância da diversidade e inclusão não apenas dentro, mas também fora da companhia. Como tem sido esse trabalho?

Para mim foi uma jornada. Precisei encontrar meu espaço dentro da companhia para começar a entender o valor do símbolo que é ser um CEO e LGBTI+, mesmo como uma pessoa que escondeu parte da sua vida por mais vinte anos. Isto foi um processo interno até entender que eu poderia influenciar na inclusão na sociedade, o que me levou a trabalhar no Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+ e em outros grupos que olham para a inclusão nas grandes companhias e na cadeia de fornecedores.

Com este trabalho, fui reconhecido pela associação inglesa In Bold como o sétimo lider global que advoca pelos LGBTI+. Já fui três anos nomeado como um importante executivo global no tema pelo Out and Equal. E toda vez que participo de eventos vejo como há muito mais a ser feito. Aliás, temos uma funcionária, que é uma mulher trans e já participou de uma reportagem da EXAME, a Laís de Jesus. Ela é um exemplo de inclusão na companhia: fez a transição na fábrica, continuou crescendo na carreira e teve a oportunidade de, por exemplo, contar sua história neste evento no Out and Equal em Las Vegas. Para mim, é um orgulho ver cenas como esta.

Quando eu faço uma reflexão do que é minha vida, penso que tive que esconder uma parte muito intensamente. E não quero que as novas gerações tenham que passar por isso. Não sou mártir, não me vejo com uma vítima, mas porque eu tive a sorte de ter um parceiro que entendeu, por exemplo que quando eu tinha que levar clientes em um evento no qual todos iam com as esposas, ele não iria. Nem todos tem essa sorte e, nem todos precisam ter alguém que concorde com isto, porque cada um entende a felicidade numa forma de vida. O que eu quero dizer, é que as empresas precisam estar abertas para acolher seus funcionários sem discriminação e abraçá-los para que não passem por situações desnecessárias, que não contribui com a vida pessoal e com os negócios. Acredito que nós podemos sermos melhores do que isto.

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Créditos

Marina Filippe

Marina Filippe

Repórter de ESG

Mestre em Ciência da Comunicação pela USP. Na EXAME, desde 2016, escreveu em negócios, gestão e sustentabilidade. Foi finalista dos prêmios de Jornalismo Inclusivo e Comunique-se, e reconhecida entre os Mais Admirados da Imprensa.

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