O dilema do desengajamento
No ano passado, um tema rodou as manchetes e as rodinhas de conversas entre RHs: a falta de engajamento dos funcionários. Em julho, um relatório da Gallup, consultoria americana que mede o engajamento dos profissionais ao redor do mundo, apontou que 60% deles estavam desconectados do seu trabalho. Outros 19% disseram se sentir miseráveis estando neles.
O quiet quitting, termo que se popularizou em meados de outubro após um vídeo viralizar no TikTok, foi a cereja no bolo da discussão: sim, os funcionários, especialmente os jovens, estavam desengajados. E não somente isso, mas fazendo o mínimo no trabalho. O quiet quitting se tornou tão relevante que virou tema até mesmo do Fórum Econômico Mundial, que aconteceu em janeiro deste ano, em Davos, na Suíça. E foi lá que os painelistas, entre eles o professor da Wharton School, Adam Grant, apontaram para algo que até então estava sendo pouco discutido: o papel das lideranças no processo de desengajamento.
Dados do Panorama da Experiência do Colaborador 2022, elaborado pela startup Pin People, plataforma especializada em pesquisas organizacionais, mostram que, sim, os líderes têm um papel crucial em uma experiência melhor (ou pior) durante a jornada dos funcionários. E, consequentemente, no seu engajamento. De acordo com o estudo, publicado com exclusividade por EXAME, quanto mais tempo na empresa pior é a satisfação dos funcionários. E uma das principais queixas é, justamente, a falta de diálogo com as lideranças.
O estudo, que analisou dados de 397.790 mil empregados de companhias que utilizam a plataforma, levou em consideração o eNPS (employee net promoter score), uma versão para os funcionários do NPS (net promoter score), que indica o grau de satisfação de um cliente com uma empresa. De acordo com a pesquisa, o eNPS dos funcionários despenca 37% entre a entrada e a saída do profissional da organização. A queda é mais acentuada entre quem tem de 2 a 4 anos no emprego, com uma baixa de 26 pontos entre o momento da demissão e a etapa de “jornada”, quando os funcionários estão sentados na cadeira.
“As empresas não se demitem dos empregos, mas dos chefes”
Entre as queixas na hora do adeus, está a falta de suporte da liderança que cai 15% entre os sete primeiros dias na organização e o momento do desligamento. A falta de feedback dos líderes também é um dos pontos que recebem mais críticas no ranking de menores favorabilidades no processo de desligamento. O termo favorabilidade diz respeito ao número de respostas positivas sobre um determinado tema. De acordo com a pesquisa, quando um funcionário sai da empresa, a falta de feedback lidera o índice de respostas menos positivas, com 52% de comentários negativos.
“O que acontece é que, nos primeiros dias ou meses, a área de Recursos Humanos é a dona dos processos relacionados aquele novo funcionário. Depois, o responsável por garantir uma boa experiência é o seu gestor e, muitas vezes, eles não estão preparados para desempenhar esse papel", diz Frederico Lacerda, fundador da Pin People.
Liderança pressionada
Mas, antes de concluir que a culpa é, simplesmente, dos chefes ruins a pesquisa da Pin People mostra que os próprios líderes se sentem pressionados dentro do ambiente organizacional. Um exemplo disso é que os gestores dão uma nota 11% menor para segurança psicológica em relação aos profissionais que não são líderes. O conceito diz respeito à capacidade de expressar as suas próprias opiniões, além de estar seguro para assumir riscos sem medo de punição.
“As lideranças estão, elas mesmas, vivendo um momento complexo. Há um achatamento das organizações, enquanto isso, os líderes estão sobrecarregados porque de um lado estão sendo mais cobrados por metas relacionadas ao negócio. E por outro por desenvolver pessoas também”, diz. Lacerda.
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Employee Experience também é sobre líderes
Um exemplo é que, durante os 180 primeiros dias no cargo, os líderes têm uma queda maior na percepção do quanto estão recebendo de suporte dos seus superiores em relação aos profissionais que não são gestores (23% versus 6%). Os líderes também vão chegar ao final dos seis primeiros meses com uma nota de eNPS menor que os funcionários sem cargos de gestão. (64 versus 70).
“As empresas tendem a achar que o onboarding é igual para todos os funcionários. Mas não é. Os executivos vão precisar de uma socialização maior com outros membros, uma clareza maior dos objetivos e do que é esperado dele. Do contrário, ele não se sentirá preparado para liderar”, diz Luisa Aliboni, coordenadora de metodologia de pesquisa da Pin People.
Em um contexto de um cenário econômico mais desafiador, com ondas de demissões em massa, o cenário para 2023 é que esse sentimento de desalento das lideranças possa ser aprofundado. O que aumenta a necessidade de as empresas olharem atentamente para essa questão. “Além dos layoffs, a quantidade de desligamentos voluntários vem batendo recordes. Então, há uma preocupação adicional, que coloca mais pressão na liderança, que é reter os melhores talentos”, diz Lacerda.
De acordo com ele, a saída é as empresas entenderem que a liderança, especialmente a média gestão, também precisa ser considerada na hora de desenvolver estratégias de employer experience. A ideia, também importada da gestão de relacionamento com o cliente, defende que empresas devem tratar os seus funcionários da mesma forma que os seus consumidores e oferecer o melhor atendimento e experiência possível.
O efeito “lua de mel”
A pesquisa também mapeou que há uma queda brusca na satisfação do funcionário nos seis primeiros meses, algo que os autores batizaram de “efeito lua de mel”. “Nos últimos anos, as empresas investiram bastante em employer branding, ou seja, em criar uma boa imagem como empregadoras. Mas o fato é que não houve um trabalho interno para melhor o employer value proposition, ou seja, o que está sendo entregue de fato no dia a dia para os funcionários”, diz Luisa. "Daí, o que acontece é que nos primeiros dias tudo é incrível, mas quando o funcionário vai se aculturando, percebe-se que não é bem assim e ele vai ficando mais crítico”, afirma.
Nos últimos anos, os funcionários ficaram mais alertas e críticos com o “marketing” das empresas e, desde 2020, o eNPS medido pelo estudo da Pin People caiu de 70 pontos para 58 pontos. “A crise sanitária gerou um sentimento de gratidão nas pessoas que estavam empregadas. Agora, em 2022, passado esse momento mais crítico, essa positividade deu uma amenizada e os funcionários voltaram a ser mais críticos”, diz Lacerda.
A empresa flexível
Mas, além disso, o cabo de guerra entre profissionais que querem continuar no home-office e líderes que estão pressionando pelo retorno ao presencial também pode ter influenciado na satisfação dos funcionários com as empresas no ano passado. “Muitas pessoas também estão odiando o trabalho híbrido, já que não estão 100% adaptadas. Algo que é normal, afinal, a experiência do híbrido é recente e ainda precisa amadurecer bastante”, afirma Lacerda.
Os especialistas apontam que a saída para as empresas é pensar em uma organização plural e não tentar criar regras rígidas para atender todos os diferentes públicos. “Algo que se relaciona inclusive com essa ideia de ir além do ‘efeito lua de mel’ é o redesign das companhias em busca dessa organização flexível. São mudanças em processos e práticas para permitir uma maior personalização para os funcionários. É entender que algo que é bom para um time não vai ser igual para todos”, diz Luisa.
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Créditos
Luciana Lima
Repórter de Carreira
Formada pela PUC-SP, cobre mercado de trabalho e Recursos Humanos há sete anos. Foi editora-assistente da VOCÊ S/A e VOCÊ RH e repórter do Jornal Primeiramão. Na EXAME é Repórter de Carreira e apresentadora do podcast Entre Trampos.