Demoraram, mas elas entraram em campo
Em 2023 a Copa do Mundo Feminina chega a sua 9ª edição, marcada por ser um ano em que as mulheres parecem estar conquistando o seu espaço no futebol. A abertura da Copa, realizada no dia 20 de julho, registrou a maior torcida de futebol da história da Nova Zelândia com mais de 40 mil torcedores, de acordo com os dados oficiais. Mas a história das mulheres com a bola tem uma trajetória longa, marcada por torcidas do contra e a favor.
A primeira Copa do Mundo Feminina foi realizada em 1991, na China. Ela aconteceu após 61 anos da primeira Copa do Mundo Masculina, realizada em 1930, no Uruguai.
Uma outra diferença entre os jogos femininos e masculinos estavam nas regras. No início, o tempo de partida dos jogos das mulheres era de 80 minutos e a pontuação de cada jogo era de dois pontos. Isso mudou só em 1995, seguindo as normas dos jogos masculinos de 90 minutos e 3 pontos.
Foi nesta primeira Copa Feminina que estava em campo a jogadora Pia Sundhage, na época jogadora pela Suécia e agora é a atual técnica da seleção brasileira feminina.
Outra curiosidade foi que, apesar da derrota, o Brasil deixou uma marca especial no mundial. A brasileira Cláudia Vasconcelos foi a primeira mulher a apitar uma competição da FIFA.
Veja as edições e sedes da Copa do Mundo Feminina:
- 1991 - República Popular da China
- 1995 - Suécia
- 1999 - Estados Unidos
- 2003 - Estados Unidos
- 2007 - República Popular da China
- 2011 - Alemanha
- 2015 - Canadá
- 2019 – França
- 2023 – Austrália/Nova Zelândia
Neste ano, a Copa do Mundo Feminina será realizada até o dia 20 de agosto. Com 32 seleções na disputa, serão distribuídos US$ 150 milhões (R$792 milhões) entre as equipes, valor três vezes maior que o torneio de 2019 e dez vezes maior que o de 2015. Apesar de ainda existir diferença quando comparamos com os valores dos times masculinos, as mulheres estão avançando no futebol a nível global, mesmo após tantas barreiras.
Ditadura da Era Vargas: sinônimo de "cartão vermelho" para elas
Além de ter mais de 60 décadas de atraso, comparado com o futebol masculino, o futebol feminino foi barrado no Brasil durante a ditadura da Era Vargas. A Lei 3.199 foi criada em 14 de abril de 1941 e se estendeu até 1983 estabelecendo:
“Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país.”
Além do futebol, essa Lei proibia outros esportes como o rúgbi, o levantamento de peso, o futebol de salão e todas as artes marciais. E isso tinha respaldo em um discurso científico que prevalece ainda hoje muito forte, segundo Katia Rubio, psicóloga e professora da Faculdade de Educação Física e Esporte da USP (atualmente, coordena o Grupo de Estudos Olímpicos):
“O esporte sempre andou de mãos dadas com as ciências biológicas, que na época eram determinadas principalmente por homens. Então, historicamente, o esporte nasce em um momento em que o papel social da mulher está atrelado à vida privada, e por isso toda a ciência biológica vai confirmar essa fragilidade da mulher reservando o espaço privado como o espaço adequado para elas.”
Quando o jogo virou?
Muitos documentos mostram que, apesar desta lei, mulheres determinadas brigaram pelo direito à prática do futebol e de outros esportes, afirma Rubio.
“Há notícias nos jornais de época, principalmente em SP e em MG, que muitas mulheres chegaram a ser presas por desobedecerem a essa determinação em espaços públicos e privados”.
“O futebol historicamente é um campo de disputa masculino. Mas do que afrontar uma lei, as mulheres que se determinaram a jogar, elas enfrentaram todo um dispositivo masculino dos clubes e federações, que impediram por muito tempo que elas naturalizassem a prática do futebol entre elas”, diz a psicóloga.
A regulamentação do futebol feminino aconteceu apenas em 1983. “O cartão vermelho”, porém, causou muitas desvantagens para as mulheres neste esporte, principalmente a dificuldade por captação de patrocínios.
Mas tudo indica que 2023 será mais um ano histórico para as mulheres no futebol. Os jogos estão sendo transmitidos em diferentes veículos, os prêmios não se igualaram com o mundial dos homens - mas aumentaram -, e até as empresas estão realizando ações para apoiar essa Copa do Mundo.
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Algumas empresas estão “vestindo a camisa” da Copa do Mundo Feminina. Veja as ações:
VR investe nas mesmas ações da Copa do Mundo masculina
Os funcionários da VR contarão com pausa de 2 horas e 30 minutos no expediente durante todos os jogos do Brasil. O intervalo valerá para quem estiver em regime de trabalho remoto e para quem estiver presencialmente na empresa, onde os jogos serão transmitidos por meio de um telão e terá um café da manhã especial.
“Para esta Copa Feminina de Futebol, a VR teve o cuidado de investir nas mesmas ações que foram realizadas no campeonato masculino. Entendemos que o crescimento da companhia só faz sentido se ações de equidade de gênero refletirem nosso impacto positivo na sociedade e aumentarem nosso sentimento de pertencimento”, diz Karina Meyer, diretora de Marca e Comunicação da VR.
A torcida da Natura ultrapassa as fronteiras
Os colaboradores da Natura poderão pausar no expediente (seja no escritório ou remoto) para assistir aos jogos das seleções classificadas dos países onde atua – Argentina, Brasil, Colômbia e Panamá.
“Reconhecemos o poder do esporte como ferramenta de união e empoderamento, e através dessa iniciativa, reafirmamos o nosso compromisso com a valorização da equidade de gênero em todos os âmbitos da sociedade. Buscamos não apenas apoiar as seleções de futebol feminino, mas também celebrar a diversidade, a inclusão e o talento das mulheres no esporte junto a nossos colaboradores”, afirma Mariana Talarico, Diretora de Cultura e Desenvolvimento Organizacional de Natura &Co para América Latina
Para os funcionários que trabalham nas áreas operacionais, haverá telões de transmissões ao vivo dos jogos da seleção brasileira em espaços específicos, localizados na unidade de Natura &Co em Cajamar (SP); no Ecoparque, sediado em Benevides (PA); em Interlagos e nos Centros de Distribuição de São Paulo e Cabreúva (SP). Além disso, serão oferecidos lanches, para tornar a experiência ainda mais agradável.
Já os colaboradores que atuam no varejo seguirão a escala de trabalho programada por cada loja durante o período dos jogos da Copa do Mundo Feminina de Futebol.
Siemens Energy para as fábricas para acompanhar os jogos e tem meta para diversidade
A Siemens Energy suspenderá todas as suas atividades durante os jogos do Brasil, incluindo em suas fábricas em Jundiaí (SP) e Santa Bárbara D'Oeste (SP). A iniciativa, que visa promover a inclusão e a equidade de gênero nos esportes, ainda contará com telão para transmissão dos jogos e distribuição de kits com pipoca e suco aos colaboradores.
Por enquanto, essa definição é válida para os 2 primeiros jogos da seleção que caem durante a semana, 24 de julho e 02 de agosto. Mas, conforme a equipe for avançando de fase, se o horário da partida não cair de madrugada e for em dia de semana, a ação da Siemens Energy será mantida.
"Temos como compromisso a promoção de iniciativas que fomentem a inclusão em todas as esferas sociais, incluindo a dos esportes. Nosso maior propósito é que essa percepção se reflita também em tantas outras áreas e setores predominantemente masculinos, como é o caso do setor de energia. Com esta política, estamos não só dando o devido protagonismo às mulheres no esporte, como também contribuindo para que cada vez mais meninas e mulheres percebam que esse é um espaço que pode e deve ser ocupado por elas”, diz Dione May Yamamoto, diretora de RH da Siemens Energy.
No mundo, 20% da força de trabalho da Siemens Energy é composta por mulheres, e 23% no Brasil. Também, globalmente, a Siemens Energy tem uma proporção de 27% de mulheres em cargos de liderança, enquanto no Brasil elas são 19% dos líderes.
“Uma das metas da Siemens Energy é a empresa atingir 30% até 2030 na métrica de diversidade de gênero em todos os 90 países em que atua”, diz a diretora.
No dia da Copa, Roche oferecerá culinária típica de diferentes países
A Roche irá transmitir os jogos da seleção brasileira em espaços compartilhados no restaurante, auditório e cafés. Todos os espaços estarão decorados com as cores da seleção e em jogos de outras seleções também haverá culinárias típicas como: italiana, espanhola e japonesa, enquanto nos horários dos jogos do Brasil serão servidos: pipocas e sucos.
"Futebol sempre foi a paixão nacional e sempre nos mobilizamos muito com os jogos da seleção masculina. Nada mais natural do que fazer o mesmo com a seleção feminina. As nossas ações como companhia refletem a necessidade de inclusão e, neste caso, queremos que cada vez mais as mulheres assumam seu protagonismo e espaço em toda e qualquer área", afirma Cyntia Silva, Expert de Diversidade e Inclusão da Roche.
Belgo Arames desafia os funcionários a participar do Campeonato de Embaixadinhas
A Belgo Arames, empresa de transformação de arames de aço, além de transmitir os jogos da Copa do Mundo Feminina e de decorar os restaurantes, convidará seus funcionários a participar de um Campeonato de Embaixadinhas. Os vencedores ganharão camisas da Seleção Brasileira de Futebol Feminino.
"Se nos movemos internamente para reforçar a valorização das mulheres em todos os espaços que elas ocupam, em um momento tão importante do esporte, não poderia ser diferente. É fundamental que as empresas apoiem este movimento também. Somente assim vamos conseguir ir corrigindo e reparando as desigualdades que ainda enfrentamos, e garantir para as próximas gerações um mundo mais equânime, acolhedor e que respeite toda a pluralidade de nossa sociedade", afirma Luciana Macedo, gerente de Diversidade, Inclusão e Responsabilidade Social da Belgo Arames.
No time da VISA, patrocinadora da Copa, torcedor poderá pintar o rosto e ganhará álbum
A Visa é uma das patrocinadoras oficiais das Copas do Mundo Feminina e Masculina de Futebol e por querer acompanhar a competição feminina com a mesma importância da masculina irá realizar algumas ações internas, como:
- Liberação de todo o quadro para acompanhar os jogos da Seleção Brasileira, quando estes ocorrem em horário de expediente;
- Contará com uma mesa pebolim estilizada com jogadoras de amarelo para que os funcionários se divirtam em momentos de lazer;
- Distribuição de um “kit torcida” para todos os funcionários, composto de tinta verde e amarela para pintar o rosto e uma buzina para acompanhar os jogos da seleção;
- Entrega do álbum oficial de figurinhas da Copa do Mundo Feminina de Futebol, assim como um pacote de figurinhas para começar sua coleção.
“Na Visa, apoiamos mulheres no esporte há mais de 20 anos, e não seria diferente no maior torneio de futebol feminino no mundo. Como patrocinadores da Copa do Mundo Feminina FIFA™, acreditamos estar em um momento propício para catalisar o empoderamento e protagonismo feminino no esporte e, por isso, estamos empenhados em expandir o movimento #EscolhaJogarComElas - queremos apontar todos os holofotes para que atletas do mundo todo brilhem”, comenta Mariana Dinis, Diretora de Marketing da Visa.
As empresas são obrigadas a liberar seus funcionários nos horários dos jogos?
O Governo Federal publicou neste mês um decreto autorizando o ponto facultativo para que servidores federais possam assistir aos jogos da seleção brasileira feminina
Assim como nos jogos da seleção masculina, o decreto permitirá que os funcionários se ausentem e cheguem ao trabalho em até duas horas depois do fim dos jogos.
- Nos dias em que os jogos se realizarem até às 7h30, o expediente se iniciará às 11h;
- Nos dias em que os jogos forem às 8h, a jornada começará às 12h.
A seleção brasileira feminina estreia a Copa do Mundo no dia 24 de julho, às 8h, contra o Panamá, no grupo F. Os próximos jogos serão contra França e Jamaica e estão previstos para as 7h.
E os funcionários que trabalham na iniciativa privada, também podem parar para torcer pela equipe do Brasil?
As empresas não têm a obrigação de liberar seus funcionários para assistirem aos jogos de futebol, de acordo com a advogada Isa Soter, sócia da área trabalhista do Veirano Advogados, mas ela reforça que tudo pode ser acordado entre as partes.
“É possível estabelecer compensação de horário, desconto do banco de horas ou até mesmo pedir ao funcionário para assistir aos jogos no ambiente de trabalho. São possibilidades que podem ser estudadas e acertadas entre as partes”.
Por outro lado, o funcionário não deve temer uma demissão por justa causa por acompanhar a seleção feminina, afirma Soter.
“As companhias decidem pelo desligamento de um funcionário por um acúmulo de atitudes que não condizem com o que a companhia espera dele. A demissão vem quando não há meios viáveis de manutenção. Se uma empresa optar por uma decisão arbitrária nesse sentido, irá contra tudo o que está sendo feito pela equidade de gênero e pela cultura de folga no torneio masculino."
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Créditos
Layane Serrano
Repórter
Formada em jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Com experiência em comunicação corporativa, produção de TV e redação, ajudou na estreia da CNN no Brasil e atualmente escreve sobre Carreira e Negócio na Exame