Colômbia lidera em frota elétrica
Sob um sol de 30ºC de uma tarde de agosto em Brasília, quatro ônibus elétricos novinhos estavam expostos no estacionamento de um hotel, vizinho do Palácio da Alvorada. Em um auditório ao lado, empresários do transporte público debatiam quando esse novo tipo de veículo vai deixar as vitrines para ganhar as ruas, com mais dúvidas do que respostas.
A frota global de ônibus elétricos a bateria avança rápido, puxada principalmente pela China e Europa. Em 2020, havia em torno de 440.000 deles no mundo todo. Menos de três anos depois, há cerca de 700.000. Desse total, apenas 4.000, aproximadamente, estão na América Latina.
Embora o Brasil tenha uma frota de mais de 100.000 ônibus urbanos, uma das maiores do mundo, o país está ficando pra trás no avanço dos elétricos, mesmo na comparação com vizinhos do continente. Na Colômbia, já são 1.589 deles em operação. O Chile soma 1.336, e o México, 623. No Brasil, há 92, segundo levantamento da plataforma E-Bus Radar, desenvolvida pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Empresários e analistas apontam duas causas principais para o atraso brasileiro na área: a dificuldade para fazer o investimento inicial e a incerteza de como será a operação na prática.
Dificuldade para comprar
Um ônibus elétrico de tamanho padrão, capaz de levar cerca de 80 pessoas sentadas e em pé, custa em torno de R$ 2,5 milhões. Um similar a diesel sai na faixa de R$ 700 mil. Os fabricantes apontam que a diferença pode ser compensada ao longo do tempo, pois o gasto com manutenção e abastecimento são bem menores. Mas antes de pensar nisso, é preciso conseguir tirar o ônibus da loja.
"O maior desafio é o investimento inicial. Temos mais de 15 municípios querendo fazer essa troca, mas falta crédito e crédito barato", diz Milena Romano, presidente da Eletra, que fabrica ônibus elétricos no ABC paulista, durante um debate sobre o tema no Seminário Nacional da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos).
Empresários reclamam que não há uma linha de crédito específica para a compra de veículos elétricos, algo que está em análise pelo BNDES e pelo governo federal. O financiamento desses novos modelos também enfrenta duas questões adicionais: ao parcelar a compra de um ônibus, é comum que o próprio veículo seja dado como garantia do empréstimo aos bancos, e o empresário também costuma recuperar parte do investimento ao revender os coletivos usados, depois de alguns anos, para cidades menores. No entanto, não se sabe como funcionará o mercado para ônibus elétricos usados, até porque a bateria, uma das peças mais caras do veículo, tende a se desgastar com o tempo, o que baixaria o valor geral do produto. Assim, é difícil precisar quanto um coletivo elétrico usado valerá no futuro.
Outro ponto importante é que não basta comprar um ônibus elétrico: é preciso criar uma estrutura de abastecimento robusta, capaz de carregar dezenas de veículos em uma mesma garagem. Um coletivo pequeno pode gastar algo em torno de 380 KW/h por dia, o mesmo que uma casa com três pessoas pode gastar em um mês inteiro. "Se você conectar uma garagem, mesmo que só com 30, 40 ônibus, ela vai apagar o bairro inteiro", aponta Mauricio Cunha, diretor industrial da Caio, que fabrica carrocerias para ônibus.
Assim, as empresas operadoras querem que os governos financiem ou encontrem modos para expandir a rede elétrica. Em Salvador, a prefeitura custeou a instalação de postos de recarga e os colocou nos terminais, para que os ônibus possam ganhar tempo e não precisem ir e voltar até as garagens para abastecer.
Dificuldade para operar
Como se trata de uma tecnologia nova, as cidades estão com uma dificuldade básica: conseguir estimar quanto vai custar na prática operar um sistema com ônibus elétricos. Não se sabe com precisão quanto sairá cada km rodado, pois o consumo de energia varia de acordo com muitos fatores, como a lotação dos veículos e as subidas pelo caminho. É comum no Brasil que os ônibus trafeguem lotados, algumas vezes sem espaço para que ninguém mais consiga entrar, e que os veículos fiquem mais tempo no trânsito do que o previsto.
"Linhas com muitos passageiros impactam no consumo. O nosso parâmetro era 1,4 KWh de consumo [por km] para operar esse veículo, e estamos gastando 1,82 KWh. A gente ainda não conhece bem a dinâmica de custos, de consumo de energia na operação", diz Murilo Lara, CFO do Grupo Santa Zita, que opera ônibus em Vitória e faz testes com três veículos elétricos. "É muito difícil projetar o fluxo de caixa pensando na remuneração adequada destes veículos. Estamos estudando isso agora."
Milena Romano, da Eletra, diz que o consumo tem variado entre as cidades que adquiriram veículos de sua empresa. "Em Salvador, o consumo está em média de 1 KWh por km, em São Paulo 1,6 KWh, em São Bernardo, 1,2 KWh”, aponta.
Além da questão financeira, errar na conta pode deixar passageiros sem transporte. "Operando em circunstâncias difíceis, em testes, os ônibus não chegavam a fazer o dia todo. Começava às 6h da manhã, terminava 10 horas da noite, às vezes não conseguia fazer a última viagem", comenta Adalberto Maluf, secretário nacional do Meio Ambiente Urbano, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, e que antes trabalhou na chinesa BYD.
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O que anima as empresas
Apesar dos muitos desafios a resolver, o setor de ônibus elétricos vive um momento de otimismo por conta do aumento da oferta de opções. Tanto fabricantes tradicionais do setor, como Marcopolo, Caio, Mercedes-Benz e Volvo, quanto novas marcas, como BYD e Eletra, já oferecem modelos elétricos adaptados ao estilo de ônibus brasileiros. Um passageiro desatento pode nem notar a diferença ao embarcar neles.
Os fabricantes olham com especial interesse para os planos da cidade de São Paulo, que tem mais de 14.000 coletivos. A prefeitura colocou a meta de ter 20% da frota com elétricos até o fim de 2024, o que representaria algo em torno de 2.800 unidades. O prefeito Ricardo Nunes prometeu, no fim de agosto, que 50 deles devem entrar em operação em setembro. A capital tem atualmente 18 ônibus a bateria, e mais 201 trólebus, modelos mais antigos que rodam captando energia por cabos estendidos ao longo do caminho.
Uma grande compra de São Paulo pode estimular outras capitais a fazer o mesmo e, assim, gerar ganhos de escala. Isso ajudaria a reverter outro impasse que trava a expansão da nova tecnologia: é cara porque há pouca demanda, e a demanda é baixa porque o preço é alto.
Como no evento de Brasília, os ônibus estão prontos para rodar, mas falta alguém dar a partida e achar o melhor itinerário para levá-los de vez para a realidade.
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Créditos
Rafael Balago
Repórter de macroeconomia
Foi correspondente em Washington, repórter e editor-assistente na Folha de S.Paulo e fez mestrado em jornalismo pela Universidade da Coruña (Espanha).