Bixiga quer reviver tradição que começou nos anos 1980 no aniversário de São Paulo (Acervo pessoal/Thais Taverna)
Repórter
Publicado em 25 de janeiro de 2024 às 06h30.
Última atualização em 26 de janeiro de 2024 às 07h09.
Uma festa de aniversário sem um bolo não tem a mesma graça – e os moradores do bairro do Bixiga sabem muito bem disso. Por essa razão, uma verdadeira corrida contra o tempo aconteceu para que o tradicional 'Bolo do Bixiga' alegre a população de São Paulo nesta quinta-feira, 25, quando a cidade completa 470 anos.
Recentemente, a emenda do vereador Eliseu Gabriel para a realização do evento foi liberada. Procurada pela EXAME, a assessoria do político afirmou que serão investidos R$ 65 mil em ambulância UTI; banheiros químicos, inclusive para PCD; gerador; segurança; bombeiro civil; som; palco; grades e tendas. O pedido do vereador acatou uma solicitação da SODEPRO (Sociedade de Defesa das Tradições da Bela Vista) e a verba veio da Secretaria Municipal de Turismo.
Neste ano, o bolo volta a ser comunitário. A tradição da sobremesa de metro dá lugar a uma jornada para arrecadar 470 bolos, um para cada ano da cidade. A festa ocorre no mesmo lugar das edições anteriores, na altura do número 300 da rua Rui Barbosa, na Bela Vista. Entre 9 horas e 11 horas, voluntários vão aguardar em torno da grande mesa para receber os bolos que vão homenagear a cidade – eles podem ser oferecidos por moradores de qualquer região.
Ao meio-dia em ponto, todos cantarão 'Parabéns pra Você' para a cidade e, em seguida, o bolo gigante será cortado em pedaços e entregue de mão em mão.
A tradição já é conhecida desde meados dos anos 1980, a ideia da festa foi de Armando Puglisi, a princípio para uma confraternização mais intimista, apenas para a comunidade do bairro. No começo, cada convidado levava um bolo. Mas foi Walter Taverna, melhor amigo de Armandinho, quem adaptou a ideia e a levou para patamares inimagináveis – inclusive para o Guinness, o livro de recordes mundiais. "Meu avô sempre foi um megalomaníaco", brinca Thais Taverna, neta de Walter, que contou sobre o plano de trazer o bolo gigante de volta.
Em 1985, Armandinho decidiu homenagear São Paulo fazendo uma confraternização coletiva. Foi quando ele convidou as mamas do bairro – que, na época, tinha uma colônia italiana muito grande – para que fabricassem, em suas próprias casas, um bolo. No dia da festa, os vários bolos eram colocados lado a lado em uma mesa enorme, em volta da qual todos os moradores cantavam parabéns para a cidade que os acolheu.
Em 1995, após a morte do Armando, Walter assumiu a organização do evento, dando início à tradição do bolo gigante, com a quantidade de metros representando a idade da cidade. "Ele levou o bolo para outro patamar, buscando patrocínios e utilizando uma cozinha industrial para que tudo fosse feito. O evento já era de grandes proporções, mas meu avô fez com que tudo ficasse de fato profissional, ganhando uma atenção muito grande da mídia", afirma Thais.
O que antes era uma festa entre a italianada do Bixiga passou a ser quase que um conto popular da maior cidade do hemisfério sul. Pessoas vinham de muito longe para garantir um pedaço do bolo. Um verdadeiro caos animado era instaurado e assistido por milhões de pessoas através dos jornais e dos programas de televisão.
Em 2007, devido à importância do evento, uma lei incluiu no Calendário de Eventos da Cidade de São Paulo a 'Festa do Bolo do Bixiga'. Segundo documentos da Prefeitura de São Paulo, isso ocorre quando um evento traz incremento do turismo; conservação e desenvolvimento das tradições folclóricas brasileiras; recreação popular; desenvolvimento das atividades econômicas, da indústria e do comércio e estímulo à exportação de produtos nacionais.
A fama (e intensidade) foi tanta que a tradição teve que ser interrompida em 2008, quando um programa de TV incentivou uma grande guerra de bolo. "Virou uma coisa horrorosa, que nunca tinha acontecido antes. Nunca teve desperdício de bolo antes. Nunca foi uma festa leviana. O bolo alegrava muita gente!", conta a neta de Walter.
A imagem do evento acabou sendo abalada, os patrocínios foram sumindo e os organizadores ficaram sem dinheiro para bancar a festa. Foi então que pedaços de bolos industrializados embrulhados em papel alumínio passaram a ser oferecidos ao público por sete anos. Tudo de forma mais organizada, mas bem menos divertida.
Em 2015, sem dinheiro, a comunidade do Bixiga voltou aos primórdios e pediu para que cada família trouxesse um bolo para comemorar o aniversário de São Paulo. No dia, uma mesa repleta de bolos de todos os tamanhos, formas e sabores foi montada – algo bastante simbólico ao se falar da cidade mais diversa do Brasil.
Em 2021, no primeiro aniversário da capital após o início da pandemia de Covid-19, a comemoração ganhou uma versão virtual para evitar aglomerações. No lugar do bolo, moradores e frequentadores da festa juntaram 467 vídeos e fotos de pessoas desejando parabéns à cidade.
Em 2023, Walter Taverna, que havia herdado o legado de Armando, morreu de pneumonia, aos 88 anos. De luto, o bairro novamente acabou deixando a data passar sem o bolo.
Neste ano, Thais afirma que a comunidade do bairro faz de tudo para que o bolo volte a ser o que já foi. "Já vi meu avô vendendo o carro dele para conseguir bancar a festa. Hoje, me vejo nessa mesma situação. Mas estamos voltando a nos motivar", afirma, esperançosa para que as centenas de metros de bolo voltem a alegrar os paulistanos e aqueles que foram acolhidos pela maior cidade do Brasil. E ela faz questão de salientar que esse esforço não é só de sua família, mas de várias entidades do Bixiga.
Bolo do Bixiga 2024
Quando: 25 de janeiro, das 9h às 13h
Entrega do bolo: das 9h às 11h
Onde: Rua Rui Barbosa, altura do número 300, Bela Vista
Tipo de bolo: Simples e sem recheio, com cobertura da preferência
Tamanho: Livre
Quem quiser poderá confeccionar sua placa de papel de arroz personalizada, seja com o logo da instituição ou até foto de família, por exemplo