A carta, assinada por mais de 750 profissionais, pede urgência na regulamentação do setor de streaming no Brasil (Robyn Beck / AFP/Getty Images)
Repórter de POP
Publicado em 6 de agosto de 2025 às 13h58.
Última atualização em 6 de agosto de 2025 às 13h58.
Nesta quarta-feira, 6, uma carta assinada por mais de 750 profissionais da indústria — incluindo grandes nomes como Fernanda Torres, Wagner Moura, Fernando Meirelles e Walter Salles — foi enviada ao Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e aos líderes do Congresso, pedindo urgência na aprovação do projeto de lei (PL) que prevê a regulamentação do streaming.
A informação foi anunciada em primeira mão para a coluna da Mônica Bergamo, na Folha de São Paulo.
O PL 2.331/22, de autoria do senador Nelsinho Trad (PSD-MS) já foi aprovado no Senado e está atualmente pausado em análise na Câmara dos Deputados. Desde o primeiro texto, tem enfrentado dificuldade para seguir à sanção do Presidente — em especial pela proposta dos streamings para reduzir alíquotas de impostos, sobre representação da Motion Pictures Association.
A regulamentação do streaming busca, entre outras pautas, garantir a contribuição mínima de 6% das plataformas para o desenvolvimento do audiovisual brasileiro, um patamar abaixo do sugerido pelo Conselho Superior do Cinema, de 12%. A proposta ainda prevê a criação de cotas mínimas de conteúdo nacional nas plataformas, obrigando-as a incluir, no mínimo, 10% de obras brasileiras nos catálogos.
Entre os mais de 750 nomes que assinaram a carta, estão grandes nomes do cinema nacional, como Adirley Queiróz, Anna Muylaert, Fernando Meirelles, Gabriel Martins, Kleber Mendonça Filho, Laís Bodanzky e Walter Salles. A carta foi direcionada ao Presidente Lula; Presidente da Câmara, deputado Hugo Motta; Presidente do Senado, senador David Alcolumbre; Deputada Federal Jandira Feghali, Ministra Gleisi Hoffmann, Ministra Margareth Menezes e Secretária Joelma Gonzaga.
A carta destaca que a indústria audiovisual brasileira é um pilar fundamental da identidade cultural do Brasil, e que precisa ser fortalecido pelo consumo nacional. “O audiovisual de um país registra a identidade em movimento de sua cultura. Conta quem nós somos, de onde viemos, e nos ajuda a pensar para onde queremos ir. Constrói algo fundamental: a memória de um país", afirmam os signatários.
No texto, é solicitada a recondução da deputada Jandira Feghali para a relatoria dos projetos que tramitam no Congresso, como forma de garantir que a regulamentação avance.
"Sem regulação, o Brasil corre o risco de ser apenas um mercado consumidor, sem consolidar uma indústria nacional capaz de gerar emprego, renda e projeção internacional. "Não podemos aceitar que o nosso mercado audiovisual seja usado como moeda de troca, como em momentos anteriores de nossa história", finaliza o documento.
A regulamentação está sendo vista pelo Ministério da Cultura como uma questão de soberania cultural. O MinC vê a medida como essencial para viabilizar os investimentos contínuos nas produções brasileiras, além de criar um ambiente mais competitivo para os produtores locais. A lei, caso aprovada, pode transformar a dinâmica do setor, para colocá-lo em pé de igualdade com as produções internacionais.
Apesar do apoio do ministério e de grande parte do setor audiovisual, a proposta enfrenta resistência de parte do Congresso, especialmente da bancada conservadora.
CARTA ABERTA DO CINEMA E DO AUDIOVISUAL BRASILEIRO
Nós, representantes da cadeia criativa e produtiva do audiovisual brasileiro, viemos alertar para a urgência da regulação do streaming (VOD), cuja tramitação no Congresso não pode mais ser adiada sem comprometer a soberania e o futuro da indústria audiovisual nacional.
Como todos os países democráticos demonstram, não há soberania política ou econômica sem soberania cultural.
A regulamentação do VOD encontra-se com mais de uma década de atraso, em um contexto onde o audiovisual tornou-se central para a circulação de ideias, valores, linguagem e identidade nacional. O Brasil é hoje o segundo maior mercado mundial para plataformas globais de streaming, mas não conta com mecanismos regulatórios que assegurem contrapartidas financeiras, de programação e de propriedade intelectual compatíveis com essa posição.
O audiovisual de um país registra a identidade em movimento de sua cultura. Conta quem nós somos, de onde viemos, e nos ajuda a pensar para onde queremos ir. Constrói algo fundamental: a memória de um país. Aprovar uma regulação do streaming à altura do Brasil diz respeito, portanto, ao nosso projeto de país. Para garantir o direito da população à cultura, à língua portuguesa, ao nosso internacionalmente reconhecido cinema. Para ampliar o acesso às histórias, às imagens e os sons de nosso país.
A dimensão da cultura e a afirmação da soberania transcendem visões partidárias porque impactam diretamente nossa identidade coletiva e o direito de todas e todos participarem da construção simbólica do país que queremos ser.
Sem regulação, o Brasil corre o risco de ser um mero mercado de consumo e de prestação de serviços para as plataformas, sem desenvolver aqui uma indústria capaz de crescer, investir e valorizar os trabalhadores brasileiros do audiovisual. A Coreia do Sul é um exemplo de um país que vem tratando o audiovisual como indústria estratégica e como potente vetor de internacionalização de sua cultura e sua língua.
Enquanto países como França e Itália estabeleceram obrigações financeiras entre 10% e 25% do faturamento das plataformas, o substitutivo apresentado pela deputada federal Jandira Feghali — no esforço de construir consensos e com apoio majoritário do setor — propõe 6% como contribuição mínima via Condecine, valor considerado o piso necessário para garantir a mínima sustentabilidade industrial e pluralidade cultural. O Conselho Superior do Cinema fixou no ano passado as obrigações financeiras das plataformas em 12% do seu faturamento, patamar próximo ao de países europeus.
Essas empresas globais estão no Brasil há 10 anos sem pagar a Condecine, a contribuição para nossa indústria, devida por todos os agentes que aqui operam. Aquilo que produziram, utilizando nossos talentos e histórias, o fizeram retirando a propriedade sobre as obras.
Para uma obra ser brasileira, é fundamental que sua propriedade seja de brasileiros. O setor audiovisual brasileiro movimenta R$ 56 bilhões por ano, gera mais de 500 mil empregos diretos e indiretos, e tem ampliado sua presença internacional por meio da produção independente, reconhecida em premiações como o Oscar e o Globo de Ouro. Nosso potencial de crescimento é enorme, temos os talentos e a estrutura produtiva para isso.
Não podemos aceitar que o nosso mercado audiovisual seja usado como moeda de troca, como em momentos anteriores de nossa história. Devemos almejar equilibrar a nossa balança comercial da cultura, exportando nossa diversidade e nossa produção cultural para o mundo.
Solicitamos, portanto:
Senhor Presidente, a ausência de regulação adequada compromete a autonomia cultural, a competitividade da indústria audiovisual nacional e sua capacidade de gerar emprego, renda e projeção internacional. Países que reconhecem o audiovisual como setor estratégico implementam políticas de Estado, não apenas de governo, compreendendo o cinema como indústria e como extensão dos seus interesses nacionais e geopolíticos.