Morango: por que somos tão obcecados pela fruta? (Getty Images)
Repórter de POP
Publicado em 24 de julho de 2025 às 18h15.
Última atualização em 25 de julho de 2025 às 07h26.
Nos últimos dias, as confeitarias têm saído à guerra para comprar morangos no supermercado. Não só porque está na época, é versátil e gostoso. É que ele é o ingrediente principal do "morango do amor", sobremesa viral nas redes sociais que já tem até mexido no valor do produto nos mercados. E tem tudo a ver com uma aparente obsessão pela fruta.
Claro, há um apelo visual que justifica a fama da sobremesa. A casquinha brilhante, de um tom vivo de vermelho, deixa tudo mais bonito, e o barulho da crocância também fica legal nos milhares de vídeos no TikTok e Instagram, que já passam (e muito) dos 100 milhões de visualizações. Mas o que pega é o hype em torno do morango — que veio bem antes dessa cobertura com calda de caramelo.
Morango do amor: hype do TikTok turbina as vendas dessas empresárias — e depois?A fruta já era objeto de desejo no império romano, por volta de 200 a.C.. Obras dos poetas Ovídio e Virgilio o citam como a fraga, e naquela época os morangos eram vistos como iguaria. Mais tarde, durante o período medieval, quadros dos anos 1.500 também mostravam o alimento consumido pelas pessoas. No "Jardim das Delícias Terrenas", de Hieronymus Bosch, por exemplo, a fruta aparece quase como um culto.
"Jardim das Delícias Terrenas", de Hieronymus Bosch ("Jardim das Delícias Terrenas", de Hieronymus Bosch/Wikimedia Commons)
Ao longo dos anos, a história foi deixando o morango mais gostoso do que ele realmente é. Na prática, mesmo, não na teoria: se no passado, a fruta era mais ácida, depois de inúmeras mutações forçadas, ela foi se tornando cada vez mais vermelha e doce. O consumo cresceu, a fruta passou a ser usada na culinária — sobretudo em sobremesas — e fez com que os produtores adaptassem o plantio para colhê-la ao longo do ano todo, e não só em uma época específica.
A "simpatia" que temos com a fruta vem de um conjunto de fatores. A ciência explica: o vermelho do morango atrai o olhar, indica algo fresco, muitas vezes doce, e cor está associada ao aumento do apetite, o que pode tornar o alimento mais convidativo.
Quanto mais madura, mais vermelha a fruta fica. E quanto mais vermelha, mais doce será o sabor. Segundo o Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, que analisou a qualidade físico-química e sensorial de cultivares de morango durante o armazenamento refrigerado, à medida que os morangos amadurecem, o teor de açúcar aumenta de cerca de 5% para 6 a 9%. Ao mesmo tempo, a acidez diminui e torna os frutos maduros ainda mais doces.
Amadurecimento à parte, a semiótica do vermelho vivo do morango também passou a ser associada com a ideia de amor, paixão e romance. Antes mesmo do cultivo, o fruto aparece na mitologia nórdica associado à deusa Friga ou Freya, um significado simbólico antigo relacionado ao amor e à fertilidade.
A associação não só vem pela mitologia e pela cor. O aroma e o sabor doces dos morangos ativam hormônios semelhantes — dopamina, ocitocina e serotonina, substâncias relacionadas ao prazer e liberadas pelo cérebro quando estamos apaixonados.
Não à toa, morangos com chocolate e/ou chantilly são reconhecidos como uma sobremesa romântica. E a maior parte dos perfumes doces e "românticos" tem morangos em sua composição.
Em termos científicos, pesquisas apontam que o consumo regular de morangos pode melhorar o humor, aumentar a função cognitiva e reduzir o risco de demência e sintomas depressivos, graças à presença de antioxidantes chamados antocianinas, além de outros nutrientes benéficos para a saúde cardiovascular e cerebral.
Ou seja, além de ser uma fruta saborosa, ela também está intimamente ligada ao bem-estar físico e mental.
Essas associações entre a fruta e os sentimentos que ela causa já seriam o suficiente para tornar o morango popular. Mas a mídia em geral, e isso inclui o audiovisual, também contribuiu para transformá-lo em um alimento sensual. E ele já movimenta muitos outros setores além da alimentação e agricultura.
Há uma infinidade de músicas que mencionam morangos, de "Strawberry Fields" (Beatles) a "Morango do Nordeste" (Karametade). No caso da canção dos Beatles, as plantações são vistas como um local paradisíaco, contribuem para a reação de bem-estar. Na música de Karametade, ser um "morango do nordeste" é um elogio feito a uma mulher muito bonita, uma comparação romântica.
No cinema, por exemplo, é difícil precisar qual foi a primeira aparição da fruta nas telonas. Mas uma das mais importantes, em que ela serviu como importante recurso narrativo para a trama, foi no filme sueco "Morangos Silvestres" (Smultronstället), de 1957, dirigido por Ingmar Bergman.
A produção é um drama existencial que acompanha Isak Borg, um homem revisita memórias e reflexões sobre a vida e a morte a partir das experiências que tem com várias pessoas diferentes. A trajetória do protagonista é agridoce, cercada de momentos bons e ruins que se complementam. O nome é simbólico também por isso: refere-se ao lugar (stället) onde se encontram morangos silvestres (smultron) na Suécia.
Anos para frente, o morango esteve no centro das tramas mais românticas e viscerais da sétima arte. Aparecem ali no começo de "Uma Linda Mulher", na sensual e divertida cena entre Julia Roberts e Richard Gere. Em "O Diário de uma Paixão", a fruta também pode ser vista durante um piquenique entre os personagens principais, servidos em uma pequena cesta.
Em "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", de 2001, uma das cenas mais memoráveis da protagonista é quando ela aparece com os morangos nos dedos. Até no suspense "A Maldição", a salvação do personagem principal está numa bonita (e sangrenta) torta de morango.
@ericavazfilipin Vcs conhecem outro? hehe #perfumes #perfumesmorango #melhoresperfumes #resenha
Das telonas para as telinhas, a obsessão pela fruta é bastante visível no TikTok. São vários os vídeos de dicas para "cheirar como um morango" e usar a fruta de inspiração em maquiagens e looks do dia a dia, como uma forma de realçar a feminilidade.
As marcas surfam a onda: a The Body Splash, por exemplo, antes de fechar as portas no Brasil, deu seus últimos respiros com a linha de morango que viralizou nas redes.
Alguns dos itens mais vendidos de gigantes de beleza no Brasil são vermelhos, com o aroma da fruta. É o caso da linha "Cuide-se Bem", de O Boticário, que tem cremes hidratantes de morango. No caso da Nivia, um dos hidratantes labiais mais famosos da marca leva o cheiro e a cor do alimento.
Com a nova moda do morango do amor, não será estranho se novos produtos relacionados à fruta emerjam no mercado. Desde julho, os termos relacionados à sobremesa têm estado entre mais buscados no Google, com aumento de 100% na procura, segundo dados do Google Trends. Já no TikTok, os termos estão na terceira hashtag mais buscada da semana, com mais de 16 mil postagens no Brasil sobre o tema nos últimos 30 dias — sendo 14 mil delas desde segunda-feira, 21.
Nos mercados, o preço do produto já começa a subir. Na Ceasa do Espírito Santo, o preço do quilo do morango subiu de cerca de R$ 16,75 para R$ 23,10 (aumento de quase 38%) entre os dias 21 e 22 de julho de 2025. Em Feira de Santana, o preço do pratinho de morango quase dobrou, saindo de R$ 8 para mais de R$ 15 em uma semana. O volume vendido cresceu muito, com filas e dificuldade de reposição nas bancas.
Faz sentido que a procura seja alta. O morango já era objeto de desejo quando nem era assim tão vermelho. Agora, viral nas redes e embebido de uma calda com glitter, ele tem tudo para esgotar nas gôndolas dos mercados.