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Como jovem deixou as ruas da Coreia do Norte para virar astro de K-Pop na Coreia do Sul

Com 24 anos, Yu Hyuk se recorda do período em que passou fome e ainda se preocupa com as reações do regime norte-coreano com suas músicas

Yu Hyuk, Kim Seok e outros membros da banda de K-Pop, 1VERSE (Redes Sociais/Divulgação)

Yu Hyuk, Kim Seok e outros membros da banda de K-Pop, 1VERSE (Redes Sociais/Divulgação)

Mateus Omena
Mateus Omena

Repórter da Home

Publicado em 26 de setembro de 2024 às 12h40.

Última atualização em 26 de setembro de 2024 às 13h36.

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Quando criança, o cantor Yu Hyuk conheceu de perto a rigidez e as privações impostas pelo governo da Coreia do Norte. Aos 9 anos, ele precisou pedir esmolas nas ruas para enfrentar a fome.

Em uma ocasião, ele encontrou uma marmita abandonada em uma estação de metrô e, desesperado de fome, decidiu pegá-la. Dentro, havia apenas uma colher de arroz estragado. Para tentar torná-lo comestível, Hyuk misturou vinagre e bicarbonato de sódio. No entanto, foi flagrado pelo dono da marmita e acabou sendo espancado. Para muitos norte-coreanos, atos ilegais como esse se tornaram parte da rotina diante da constante luta pela sobrevivência.

Hoje, com 24 anos, Hyuk é membro de uma das bandas de K-Pop mais populares da Coreia do Sul, o 1VERSE, que se destaca por se formada por desertores do regime norte-coreano.

Além de Hyuk, Kim Seok, que também nasceu na Coreia do Norte, faz parte da banda 1VERSE (que significa "universo"). O grupo, que anteriormente se chamava SB Boyz, também conta com o japonês Aito e o sino-americano Kenny.

O grupo pretende estrear nos Estados Unidos ainda neste semestre. A decisão é uma tática da Singing Beetle, a nova gravadora por trás do 1VERSE. As trajetórias de desertores norte-coreanos têm o potencial de captar maior interesse do público americano, especialmente após os executivos perceberem o entusiasmo de investidores durante suas visitas aos Estados Unidos.

Saída da Coreia do Norte

Embora Hyuk e Kim Seok compartilhem a mesma origem norte-coreana, suas histórias de vida são bastante distintas. Seok veio de uma família relativamente abastada, vivendo próximo à fronteira com a China, o que lhe permitiu acesso a conteúdos como K-pop e K-dramas, trazidos de forma clandestina em USBs e cartões SD.

Para Hyuk, no entanto, a música era um luxo inalcançável. Ele mal tinha ouvido falar de K-pop antes de sua fuga em 2013, mas sabia bem das punições severas aplicadas a quem consumia entretenimento sul-coreano. Desde 2020, sob o regime de Kim Jong-un, o consumo e distribuição de cultura sul-coreana na Coreia do Norte se tornaram crimes que podem levar até à pena de morte.

Um raro vídeo divulgado pela emissora britânica BBC no início deste ano, supostamente filmado em 2022, mostrou dois adolescentes sendo condenados a 12 anos de trabalhos forçados por assistirem e distribuírem K-dramas.

"Nunca conheci ninguém que tenha sido punido por ouvir K-pop, mas ouvi falar de uma família que foi banida do seu vilarejo por assistir a um filme sul-coreano", contou o artista, em entrevista à BBC.

Hyuk teve seu primeiro contato real com o K-pop apenas ao chegar à Coreia do Sul, onde percebeu que a vida das estrelas do gênero parecia inatingível para alguém como ele. A adaptação ao novo país também foi desafiadora. Inicialmente, ele relutava em sair da Coreia do Norte, pois significava deixar para trás seu pai e sua avó, que o criaram após sua mãe ter desertado quando ele tinha dez anos. Foi somente após seu pai insistir que ele aceitou a proposta de sua mãe para fugir, levando meses para cruzar vários países até finalmente chegar à Coreia do Sul.

Seu relacionamento com a mãe foi breve e conturbado, levando-os a viver separados após apenas um ano. Até hoje, a relação entre eles é difícil. Hyuk passou a viver sozinho até se mudar para o dormitório com seus colegas de banda. Ele se autodenominava "o mais solitário dos solitários", frase que acabou inserindo na letra de "Ordinary Person", um rap de sua autoria.

Outro desafio foi o sistema educacional competitivo da Coreia do Sul, já que Hyuk não havia concluído o ensino fundamental antes de desertar. No entanto, ele encontrou conforto na escrita, começando com poemas que refletiam sua vida na Coreia do Norte.

No início, ele acreditava que sua história seria incompreensível para os outros e preferia mantê-la para si. Porém, ao ingressar em um grupo musical no primeiro ano do ensino médio, seus amigos e professores o encorajaram a compartilhar suas experiências.

Aos 17 anos, Hyuk começou a trabalhar em restaurantes e fábricas para se sustentar. Mesmo com a agenda apertada, ele sempre encontrava tempo para escrever versos de rap no celular, expressando sua vida solitária e o amor profundo que sentia por seu pai.

Em 2018, sua trajetória chamou a atenção de Cho Michelle, CEO da gravadora Singing Beetle, durante sua participação em um programa educativo de televisão. Inicialmente, Hyuk desconfiou da proposta, sabendo que desertores norte-coreanos são frequentemente vítimas de fraudes por causa da falta de conhecimento sobre a sociedade sul-coreana. Mas, ele logo percebeu que Cho estava sendo sincera ao investir tempo e recursos no seu desenvolvimento.

"Não confiei em Michelle por cerca de um ano, porque achava que ela estava me enganando", diz Hyuk.

Medo

Hyuk admite que não consegue imaginar a reação de seus compatriotas norte-coreanos ao ouvirem suas músicas. Apesar disso, as preocupações com a segurança ainda persistem. Ele evita se posicionar como um crítico aberto do governo da Coreia do Norte. Em entrevistas para veículos de imprensa, ele se refere ao país como "a parte de cima", sem mencionar diretamente o ditador Kim Jong-un.

Mesmo assim, Hyuk sente uma forte responsabilidade em relação à comunidade de desertores, especialmente porque muitos jovens que fogem do regime preferem não revelar suas identidades. Seu objetivo é mostrar que existe uma maneira diferente de se integrar à nova realidade.

"Muitos desertores veem uma lacuna intransponível entre eles e os ídolos do K-pop. Dificilmente é uma opção de carreira para nós", declara. "Portanto, se eu tiver sucesso, outros desertores podem se sentir encorajados e ter sonhos ainda maiores".

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