Estagiária de jornalismo
Publicado em 12 de novembro de 2025 às 19h23.
Em outubro 2008, um crime em Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo, parou o Brasil. 100 horas de cárcere privado, boa parte delas televisionadas em tempo real, terminaram com a morte trágica de Eloá Cristina Pimentel, uma adolescente de apenas 15 anos.
Após 17 anos, o Caso Eloá permanece um dos mais polêmicos da história da mídia e do crime, e agora é recontado pelo novo documentário true crime da Netflix, 'Caso Eloá: Refém ao Vivo'.
A produção de 2025 estreou nesta quarta-feira, 12, e reconstrói o caso a partir de depoimentos inéditos de familiares, amigos e jornalistas. O documentário também teve acesso ao diário da própria vítima. Segundo os produtores, esse foi o grande diferencial para mostrar o que não havia sido revelado pela mídia na época e tentar dar voz a Eloá.
Eloá tinha apenas 12 anos quando começou a namorar Lindemberg Alves, de 19 anos na época. Hoje em dia, a relação por si só já seria considerada criminosa com base 217-A do código penal, afinal a Lei nº 12.015, de 2009, proíbe qualquer ato sexual envolvendo uma pessoa com menos de 14 anos.
Durante dois anos e sete meses, o casal terminou e voltou diversas vezes. Eles terminaram pela última vez em setembro de 2008, por iniciativa de Lindemberg.
Arrependido do término, ele tentou reatar com Eloá, mas ela negou. A partir de então, o ressentimento dele pela garota se intensificou.
Na segunda-feira, 13 de outubro de 2008, Eloá e seus amigos Nayara, Victor e Iago saíram da escola e foram para a casa dela para fazer um trabalho pedagógico.
Tudo corria normalmente, Eloá e Nayara preparavam o almoço enquanto Victor e Iago estavam usando o computador. Lindemberg, armado, invadiu o apartamento neste momento e deu início a uma das coberturas midiáticas mais infames do Brasil.
Os quatro estudantes ficaram de reféns de Lindemberg por um tempo, até Victor e Iago serem liberados no mesmo dia. As duas meninas continuaram reféns.
No dia 14, Nayara foi liberta, ficando apenas Eloá e o ex-namorado armado no apartamento em Santo André. O coronel Eduardo Félix foi o comandante da operação e das negociações com o sequestrador.
Nayara, ao ser liberta, afirmou que ficou sob a mira da arma de Lindemberg e que Eloá estava sendo agredida no cativeiro, o que foi confirmado por vizinhas do apartamento.
O relato da garota não impediu a polícia de mandá-la de volta ao apartamento no dia seguinte para auxiliar nas negociações. A polícia acreditava que Nayara era o ponto de equilíbrio das negociações, pois intermediava as discussões constantes entre Eloá e Lindemberg
Félix chegou a afirmar que a estratégia da polícia não foi combativa, “por se tratar de um jovem, com uma decepção amorosa, a nossa opção era esgotar todos meios de negociação e tentar cansá-lo."
As negociações foram longas. Um promotor de Justiça esteve na sexta-feira, 17 de outubro, no local com um documento que dava garantia de que o sequestrador não seria ferido ao se entregar. Ele não se entregou.
No início da noite de sexta-feira, o Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) explodiu a porta e deteve Lindemberg. Nesse momento, ele atirou em Eloá e Nayara.
A adolescente Nayara deixou o apartamento andando com o rosto ferido pelo tiro. Já Eloá, baleada na cabeça e na virilha, foi levada inconsciente para o hospital. Ela morreu na noite do sábado, 18 de outubro.
Lindemberg foi a júri popular em 13 de fevereiro de 2012, três anos e quatro meses após o sequestro. Foram três dias de oitiva de testemunhas, entre elas Nayara, e debates entre o Ministério Público e a defesa do réu.
Ao final, os jurados condenaram Lindemberg Alves Fernandes por todos os 12 crimes pelos quais ele foi denunciado: um homicídio qualificado, duas tentativas de homicídio, cinco cárceres privados e quatro disparos de arma de fogo.
A sentença dada em primeira instância foi de 98 anos de reclusão. Ela foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e a pena final do réu foi de 39 anos de reclusão. Preso na P2 de Tremembé, no interior de São Paulo, ele cumpre regime semi-aberto desde 2022.
Parte da controvérsia do caso se deve à cobertura da mídia. Diversos telejornais fizeram transmissão ao vivo do lado externo do cativeiro. A imagem de Eloá, chorando, debruçada na janela, circulou pela maioria dos veículos.
Ao longo das 100 horas de cativeiro, uma ação em específico se destacou: a ligação telefônica ao vivo entre o programa "A tarde é sua", da RedeTV, e Lindemberg.
O repórter Luiz Guerra conversou com Lindemberg por telefone. Ele se apresenta como repórter do programa da Sônia Abrão, diz que é amigo da família e que a mãe do sequestrador queria saber como ele estava. "A gente que saber se está tudo bem com você, a nossa preocupação é com você”, disse durante a entrevista.
Depois de cerca de sete minutos de entrevista, Sônia Abrão disse que Lindemberg estava prestes a se entregar e que a imprensa deveria evitar que algo ruim acontecesse a ele. O advogado Ademar Gomes, um dos convidados do programa, disse que estava otimista com a situação e que esperava que tudo "termine em pizza", com um casamento entre o sequestrador e sua "namorada apaixonada".
A polícia disse que os 30 minutos de entrevista, na quarta-feira, 15 de outubro, bloquearam a linha telefônica, que estava sendo usada para as negociações.
Criticada posteriormente, Sônia Abrão disse que “apenas fez o seu trabalho”, que queria acalmar Lindemberg e dar a ele o que a polícia não poderia dar: “conversar com o Brasil”, mandar recados para a família. Afirmou ainda que Lindemberg “estava preocupado com a opinião pública” e que “ele queria deixar claro que ele estava se comportando lá dentro”.
Desde então, duras críticas foram feitas à atuação do programa e da mídia brasileira no geral.
Nayara disse, em seu depoimento durante o julgamento de Lindemberg em 2012, que o sequestrador assistia às reportagens na televisão enquanto mantinha as meninas em cativeiro. Ela também disse que ele queria se vingar de Eloá.
Seis anos e meio após o caso, em março de 2025, a Lei nº 13.104/2015 transformou o feminicídio tornou um homicídio qualificado e o incluiu na lista de crimes hediondos. Em 2024, a Lei 14.994/24 transformou o ato em crime autônomo e aumentou a pena.
A Lei do Feminicídio não enquadra, indiscriminadamente, qualquer assassinato de mulheres como um ato de feminicídio. A lei prevê violência doméstica ou familiar e menosprezo ou discriminação contra a condição da mulher.
O caso de Eloá é considerado por alguns especialistas como feminicídio, devido à relação prévia entre Lindemberg e Eloá e a motivação do crime, o término e a recusa do sequestrador em aceitar a decisão da adolescente.