(Magazine Luiza/Reprodução)
Agência de notícias
Publicado em 27 de abril de 2025 às 10h29.
Viral nas redes sociais, o universo dos bebês reborn — bonecas hiper-realistas que imitam recém-nascidos e crianças — movimenta um mercado que vai além do convencional. A tendência tem impulsionado lojas temáticas que simulam maternidades, com direito a encenação de partos, incubadoras e “cegonhas” uniformizadas, num fenômeno que atrai tanto crianças quanto adultos colecionadores, dispostos a pagarem até R$ 12 mil por um exemplar.
O assunto repercutiu após o padre Fábio de Melo anunciar a “adoção” de um reborn com síndrome de Down durante uma viagem a Orlando, nos Estados Unidos. Em suas redes sociais, o religioso mostrou a boneca, que veio acompanhada de uma certidão de nascimento e passaporte. Na ocasião, ele também revelou aos seguidores que decidiu chamá-la de Ana Maria, em homenagem à sua mãe, que morreu em 2021, em meio à pandemia de Covid-19. Vistas por alguns como itens de colecionador, as bonecas também viraram opção de presentes — filhas de celebridades como Sabrina Sato, Fabiana Justus e Maíra Cardi já ganharam o seu.
Nas redes, a tendência é puxada por influenciadoras como Elaine Alves, de 37 anos, conhecida como Nane Reborns. Hoje com mais de 222,8 mil seguidores no TikTok, ela chamou a atenção ao participar, na semana passada, de um encontro de “mamães reborn” no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Apaixonada por bonecas, Elaine conta que conseguiu transformar o hobby em profissão ao exibir os 14 bebês de sua coleção, avaliada em cerca de R$ 28 mil, em vídeos no estilo roleplay — que são encenações da rotina de cuidados que incluem trocas de fralda, mudanças de roupa e passeios no shopping. Em sua casa, em São Bernardo do Campo, a influencer conta que separou um quarto, usado como cenário, decorado com berço, armário com roupinhas de bebê e trocador.
"Gravo conteúdo e saio com elas na rua para divulgar o trabalho das artistas, porque consegui firmar parcerias para vender e receber as bonecas. Às vezes, a semelhança com um bebê de verdade é tão grande que as pessoas param para perguntar porque têm curiosidade. Mas também existem aquelas que me olham torto", explica.
Por trás das coleções, no entanto, existem negócios em expansão. A loja Minha Infância, por exemplo, que simula uma maternidade em Belo Horizonte, tem faturamento mensal entre R$ 30 mil e R$ 35 mil. Por lá, Karen Falcão e sua mãe, Cleide Martins, vendem bonecas cujo preço varia de acordo com o material utilizado; quanto mais real, mais caro. Os modelos de vinil são os mais acessíveis (cerca de R$ 600); já os intermediários, confeccionados com cabeça, braços e pernas de silicone e corpo de tecido, custam em torno de R$ 1,2 mil); e os mais caros (até R$ 4,5 mil) são feitos inteiramente por silicone sólido, imitando as dobras e a textura do corpo de um recém-nascido de maneira mais realista. A confecção fica a cargo de Cleide, que esculpe e pinta as peças à mão.
Alguns modelos são adaptados para que possam tomar mamadeira, fazer xixi e cocô. Embora o público original dos reborn seja composto apenas por colecionadores adultos, Karen conta que as novas versões alcançam também crianças:
"A demanda aumentou bastante quando fomos descobertas pelas crianças, que têm chegado pelas nossas redes sociais. Então tivemos que criar linhas mais resistentes e com custos mais baixos para esse público".
Já em Campinas (SP), a loja Alana Babys leva o conceito de maternidade ainda mais longe. No espaço, funcionárias vestidas com jalecos de médicos e pijamas cirúrgicos simulam o “parto empelicado” das bonecas, envolvidas em uma cápsula com água que imita a placenta e conectadas por uma corda semelhante ao cordão umbilical. A cena, também reproduzida por outros perfis que produzem conteúdo reborn, acumulou milhões de views online na semana passada e levantou críticas de internautas. Para Alana Nascimento, “cegonha” há mais de 20 anos e dona da loja, o momento faz parte de um “ritual lúdico” seguido por ela e suas funcionárias que agrada os clientes.
"A gente proporciona o prazer que envolve comprar boneca, medir, pesar, trocar, dar banho, como se fosse realmente um neném que acabou de nascer e vai ser levado para casa. É um processo bem lúdico que tem funcionado para a gente", conta a profissional.
Personalizáveis, as bonecas reborn são pintadas artesanalmente, e pelos e cabelos — que podem ser naturais, feitos com lã de cabras (mohair) ou sintéticos — são aplicados de forma manual. Os olhos são de vidro soprado, acrílico ou plástico. A customização impacta nos preços, explica a “cegonha” Vanessa Couto, dona da Maternidade Tereza Therezinha, no Rio de Janeiro. Na loja, os modelos considerados mais simples custam cerca de R$ 2 mil, enquanto os de silicone sólido e que contam com funcionalidades chegam a R$ 12 mil. Há também versões como bebês prematuros de R$ 6 mil ou modelos com enxoval completo por até R$ 10 mil. Valores ainda maiores podem ser negociados em leilões feitos em plataformas como e-Bay, mais comuns nos Estados Unidos, onde Vanessa conta ter presenciado a venda de uma boneca por até 80 mil dólares.
"É uma arte atemporal e que nunca sai de moda porque é totalmente artesanal, desde as esculturas até as técnicas de pintura feitas à mão. Podem levar semanas ou meses para serem feitas", comenta Vanessa.
A personalização também passa pela cor da pele, explica a artista reborn Cláudia Caroliny, especializada na confecção de bonecas negras. A motivação foi a pouca diversidade no mercado, percebida quando era criança.
"Acabei olhando para a minha infância e lembrei que, quando brincava de casinha, eu tinha que ser “mãe” de bebês loiras de olho claro, que nunca se pareciam comigo. Eu achava que essa dor era só minha, mas percebi que o mercado, ainda hoje é formado por quase 90% de bonecas brancas, então decidi me especializar e vender essas versões por encomenda", relata Cláudia, moradora da Zona Leste de São Paulo e que divide sua rotina entre o trabalho de corretora de seguros e a produção dos bebês.
Guardados como itens de coleção, os reborns também dão despesas para seus donos, que compram roupas, sapatos, mamadeira e chupetas. O vendedor de Campinas (SP) Cléber Alves diz ter gastado mais de R$ 1 mil com acessórios. Hoje sob o apelido de Papai Reborn nas redes, ele produz fotos e vídeos sobre o assunto e diz já ter acesso aos seus “recebidos”. Junto com os mimos, no entanto, vem as críticas, relata ele.
"As pessoas que estão de fora pensam que nós somos doidos, fracos da cabeça e chegam a sugerir que a gente se interne, mas a arte reborn foi feita para adultos, e não para crianças, porque a gente dá carinho e cuida".